Governo russo tenta impedir ABC de trabalhar no país

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia afirmou a 2 de Agosto que os repórteres da estação televisiva norte-americana ABC vão deixar de ter acesso a funcionários governamentais e que as suas acreditações não serão renovadas. A decisão surge na sequência da transmissão de uma entrevista com o líder checheno Shamil Basaev no programa “Nightline” de 28 de Julho.

Segundo as autoridades russas, a entrevista a Shamil Basaev “é um apoio claro à propaganda do terrorismo” e “apela à violência contra cidadãos russos”, uma acusação que é recusada pelo pivot do programa, Ted Koppel, para quem “a transmissão de uma entrevista a alguém não implica qualquer tipo de aprovação dos actos dessa pessoa”.

Recorde-se que Shamil Basaev assumiu a responsabilidade por diversos actos violentos, incluindo o sequestro de diversas crianças numa escola de Beslan, na Ossétia do Norte, em Setembro de 2004, que resultou na morte de mais de trezentas pessoas, entre reféns, sequestradores e forças de segurança.

Além das restrições que pretende impor à ABC, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo afirmou ainda que iria investigar eventuais violações de acreditação por parte do jornalista Andrei Babitsky, autor da entrevista.

Segundo o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), a relação de Andrei Babitsky com o poder central tem sido muito complicada em virtude da cobertura que este faz da questão chechena, e que o levou a ser detido secretamente em 2000 por soldados russos perto de Grozny, capital da Chechénia.

O CPJ está alarmado com a forma como as autoridades russas têm vindo a usar sistematicamente as acreditações, os vistos e outras regras para controlar e intimidar os jornalistas que tentam cobrir a guerra na Chechénia ao serviço de órgãos estrangeiros.

Entre os vários casos apontados pela organização, contam-se as pressões feitas em Fevereiro e Março deste ano sobre as autoridades britânicas e suecas, para que estas impedissem a transmissão de entrevistas a Shamil Basaev, realizadas por profissionais da estação televisiva Channel 4 e da agência noticiosa TT, respectivamente.

No entanto, este padrão repressivo existe pelo menos desde 2000, altura em que Sergei Ivanov, secretário de Segurança do governo de Vladimir Putin, exigiu às autoridades do Azerbaijão que investigassem o canal ANS por ter entrevistado um comandante rebelde checheno.

Seguiram-se vários casos de recusa de acreditação a jornalistas, dos quais o mais grave é o do checheno Ali Astamirov, da Agence France-Presse, que solicitou acreditação em Dezembro de 2002, mas viu-a ser ignorada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, enquanto ele era detido e interrogado repetidas vezes por agentes do Serviço de Segurança Federal (FSB) acerca das suas reportagens sobre abusos dos direitos humanos por parte das autoridades russas contra refugiados chechenos.

Ali Astamirov acabou por ser raptado a 6 de Julho de 2003 após um encontro com um oficial do FSB, e nesse mesmo dia o Ministério informou a AFP de que o jornalista não receberia acreditação por falta de autorização do FSB. Desde então, Ali Astamirov nunca mais foi visto.

Em carta enviada a 4 de Julho ao ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, o CPJ afirma que “estas acções destinam-se claramente a intimidar os jornalistas estrangeiros e levá-los a censurar as suas reportagens sobre a guerra na Chechénia”.

“Elas reflectem a intolerência crescente do Kremlin a críticas sobre assuntos de manifesto interesse público. Elas contribuíram para o imenso declínio da liberdade de imprensa na Rússia. E negaram aos vossos cidadãos e ao resto do mundo informação essencial sobre a guerra na Chechénia”, prossegue a carta, onde a organização de defesa dos jornalistas exige o abandono destas práticas e a anulação da decisão contra a ABC.

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