Diana Andringa apela à unidade dos jornalistas

“As únicas coisas que o exercício de funções sindicais trazem aos sindicalistas são trabalho, duplicação de horários e tarefas, incompreensão dos pares, e a necessidade de paciência” para “defender uma classe que parece incapaz de compreender que só pela sua acção unida pode o Sindicato ter força perante os poderes que todos enfrentamos”. As palavras são de Diana Andringa, na tomada de posse dos órgãos sociais do Sindicato dos Jornalistas (SJ) para o biénio 2005/2006.

A presidente cessante da Mesa da Assembleia Geral do SJ destacou na sua intervenção “a coragem e a abnegação” dos que se propõem continuar a actividade sindical, e apelou à “unidade e responsabilidade a toda a classe” para levar a cabo as importantes tarefas que o Sindicato tem pela frente.

É o seguinte o texto, na íntegra, da intervenção de Diana Andringa:

Caros camaradas,

Tomam hoje posse os recém-eleitos corpos gerentes do Sindicato dos Jornalistas e, como Presidente cessante da Mesa da Assembleia Geral, cabe-me a honra de empossá-los – e o dever de lhes dirigir, de vos dirigir, uma mensagem de saudação, que será também de despedida, dado que cessa hoje a minha participação nos órgãos dirigentes do Sindicato (que não no Sindicato, naturalmente).

Começo por saudar a coragem e a abnegação de todos os que hoje tomam posse, com destaque para o Alfredo Maia – que, depois de ter sido por duas vezes vice-presidente e outras duas presidente, ainda teve ânimo para se candidatar uma vez mais.

Coragem e abnegação: porque ao contrário do que pensam os que vêem na candidatura ao Sindicato um qualquer desejo de ribalta, as únicas coisas que o exercício de funções sindicais trazem aos sindicalistas são trabalho, duplicação de horários e tarefas, incompreensão dos pares, e a necessidade de paciência e de exercícios prodigiosos de imaginação para, em situações totalmente adversas, defender uma classe que parece incapaz de compreender que só pela sua acção unida pode o Sindicato ter força perante os poderes que todos enfrentamos.

Estranho grupo profissional o dos jornalistas, de que tantos dos que clamam por sanções disciplinares e cassações de carteira sempre que consideram que um camarada beliscou a deontologia se escusam a publicar as tomadas de posição do Conselho Deontológico assim que estas parecem atingi-los, de que tantos dos que criticam a existência das Empresas de Comunicação se mostram dispostos a ceder às suas influências, de que tantos que usam – e por vezes abusam – de fontes anónimas não se mobilizam quando, num caso onde esse anonimato se justificava, um camarada nosso prefere ser preso a violar o sigilo profissional recomendado pela ética profissional…

Estranho grupo sempre disposto a criticar os dirigentes sindicais, a exigir-lhe mais vitórias nos tribunais, mais conquistas nas empresas, maior vigilância deontológica – mas demasiado ocupado para votar, fazendo crescer o abstencionismo a níveis que deviam envergonhar uma classe que tanto analisa o abstencionismo nas eleições nacionais.

E não colhe o argumento da lista ser única, como foi o caso da recente eleição, pois se não há outras listas concorrentes isso não se deve, naturalmente, aos que se apresentam, mas aos que preferem a crítica com omissão à acção com possibilidade de virem a ser eles criticados.

Saúdo, portanto, a coragem e abnegação de que os recém-eleitos deram provas. E permito-me distinguir, entre todos, o Manuel Vilas-Boas, que assume aquela que é, provavelmente, a mais difícil das tarefas sindicais: a presidência do Conselho Deontológico. O órgão que mesmo os que mais falam da necessidade de sanções geralmente abominam – excepto quando critica um concorrente.

Se vos pareço sarcástica, é porque gostava que a classe acordasse: o nosso trabalho tem vindo a perder terreno, não apenas face aos conteúdos, que influenciaram definitivamente muito jornalismo, nomeadamente televisivo, mas também face a outros poderes, como os Tribunais (falo de tribunais, não de Justiça, porque não estou certa de que seja sempre Justiça aquilo que neles se faz) – de que o caso Manso Preto foi um claro sinal.

Os actuais corpos gerentes prometeram, na sua campanha eleitoral, lutar pela dignificação do exercício do jornalismo da liberdade de expressão, e assumiram que tal exige a responsabilização individual e colectiva dos jornalistas e das empresas e a organização colectiva dos jornalistas na defesa dos seus direitos e na promoção dos seus deveres. Confio em que farão a sua parte na luta – mas sublinho que só a vencerão se todos nos empenharmos igualmente nela.

Particularmente importantes, durante o mandato dos novos corpos gerentes, serão a realização, em 2005, do 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses, dedicado à identidade profissional dos jornalistas (discussão fundamental numa época de grande mutação e alguma indefinição) e a revisão dos Estatutos, prevista para o primeiro trimestre de 2006, permitindo modernizar e descentralizar a acção do Sindicato e, quiçá, facilitando maior disputa em futuras eleições.

A efectiva regulamentação dos direitos de autor dos jornalistas, a apresentação de uma proposta de estrutura auto-reguladora dos média, o alargamento do diálogo com as instituições de ensino e formação, especialmente na perspectiva da qualificação ao longo da vida e da validação académica de competências profissionais e a defesa da dignidade no acesso devidamente regulamentado à profissão, contribuindo para receber os candidatos e os estagiários em condições justas e combatendo a sua exploração parecem-me outros pontos fundamentais neste programa, alguns deles em continuidade com acções em curso – a validação académica das competências profissionais, por exemplo, é uma luta iniciada em 97, e de que resultaram já algumas pós-graduações em Jornalismo e a aceitação, em doutoramento, de alguns jornalistas não licenciados, neste momento em curso no ISCTE.

A defesa e valorização da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas é uma luta de sempre, cada vez mais indispensável face aos riscos que pendem sobre ela. Importantíssimas para a qualidade de vida dos profissionais são também a valorização da medicina preventiva e a prossecução de estudos de prevalência de riscos, até para se conseguir que o jornalismo venha a ser declarado, como julgo dever ser, profissão de desgaste rápido.

O aumento da esperança de vida, somado ao facto de que, nos últimos anos, se vir a verificar uma tendência cega para privar as redacções de memória, pelo afastamento dos veteranos, justifica a dinamização do projecto, já em curso – em colaboração com a Casa da Imprensa e com o Clube de Jornalistas – da criação da Casa do Jornalista, uma estrutura de retaguarda social para jornalistas mais velhos. Mas, como mais velha, gostava de pedir mais ao Sindicato: um projecto para que a competência de tantos profissionais afastados prematuramente das redacções venha a resultar num órgão de informação que lhes permita, a eles que tantos anos dedicaram à profissão, não se sentirem rejeitados por ela, supranumerários, excedentes, inúteis, dispensáveis. Descartáveis, como as fraldas e os Kleenex.

E com isto termino, antes que seja descartada por ouvintes mais impacientes, desejando êxito aos novos corpos gerentes – e unidade e responsabilidade a toda a classe, sem as quais esse êxito se torna muito mais problemático e o meu sucessor Acácio Barradas se verá aflito para realizar Assembleias Gerais dignas de tal nome.

Diana Andringa

21 de Dezembro de 2004

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