Contagens decrescentes

É já amanhã, 24 de Novembro, que se realiza a Conferência Nacional dos Jornalistas, convocada pelo Sindicato para alargar a discussão sobre o ponto de recuo a que chegaram o sector da comunicação social e esta classe, com graves e perigosas consequências.

Alguém perguntava, há algumas semanas, se a democracia deixa de existir com os despedimentos, o emagrecimento das redacções e o encerramento de publicações. Como na boutade publicitária, até pode ser que continue, mas não será a mesma coisa.

O momento em que foi estabelecida pelo SJ a prioridade imediata de realizar a Conferência de amanhã, justamente sob o lema “Democracia, Crises e Democracia”, era – e é – o de uma nova e violenta erupção de despedimentos e de ataques a direitos dos jornalistas.

Mas esse momento tem atrás de si um rasto de erosão das redacções, desde logo em força de trabalho, mas também de memória, de experiência, de espírito crítico, de resistência ética.

Entre 2009 e 2011, cerca de quatro centenas de jornalistas pediram subsídios de desemprego na (agora extinta) Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, ou seja, sem contar com um número, seguramente elevado mas indeterminado, de camaradas que estavam inscritos nos serviços regionais dos Açores e Madeira e no regime geral da Segurança Social.

Em 2012, largas dezenas de jornalistas foram ou estão a ser objecto de processos de despedimento colectivo, de abordagens para a cessação do contrato de trabalho dita de mútuo acordo, fazendo elevar o contingente de despedidos para mais de meio milhar em quatro anos.

O desemprego crescente entre os jornalistas (e outros trabalhadores do sector) corresponde à estafada mas recorrente receita do patronato, de lançar mão de reestruturações (organizacionais e gráficas) assentes no perigoso díptico da redução de pessoal e da redução de espaço informativo.

O resultado preocupa. Menos jornalistas a ver e a ouvir, a pensar e a perguntar, a responder e a inquietar fica mais barato e incomoda menos. O pluralismo informativo e a saúde cívica também estão em contagem decrescente. Só podemos recear que a democracia tal como a sonhamos vai explodir ao segundo zero desta tragédia.

Será tarde? Não é. Por isso propomos que os jornalistas discutam abertamente e entre si: por que chegámos aqui? E como podemos ousar avançar noutras direcções recuperando terreno e condições de trabalho? Ousaremos pensar nas causas e consequências das crises da economia e do sector, mas também propor soluções.

Mas não deixaremos de reflectir sobre os problemas que o propalado estado de necessidade das empresas levanta, face à fuga de público e à redução da publicidade, sugerindo a suspensão das consciências e colocando entre parêntesis a convicção ética e o escrúpulo deontológico.

Por isso, também estará em debate a resistência às derivas sensacionalistas, da superficialidade estéril e do entretenimento fútil, do esbatimento perigoso das fronteiras entre jornalismo e tráfico comercial, da afirmação de modelos estranhos aos valores e missão do Jornalismo. Não, não poderemos aceitar uma implosão da Ética sacrificada no altar da crise.

Com o demagógico argumentário da crise e dos sacrifícios brutalmente impostos aos portugueses, o Governo e a maioria parlamentar andam a convencer os cidadãos da bondade dos preocupantes cortes ao financiamento público dos serviços públicos de rádio, televisão e agência noticiosa.

Sobre este ponto, também não enganamos ninguém. A proposta que fazemos é que se discuta, a fundo, o fundo do problema ideológico: o Governo e a maioria que o suporta embirram com os serviços públicos e, no afã da pretendida refundação forçada do Estado, não hesitam em sacrificar os mais importantes.

Num quadro mais vasto de ataque à generalidade dos serviços públicos, incluindo a Educação e a Saúde, sacrificando direitos básicos das populações, o Governo e a maioria esperam a indiferença do povo pela importância da rádio e da televisão públicas e de uma agência garantida pelo Estado e mesmo a hostilidade contra a manutenção destes luxos.

É por isso que o tempo joga contra nós. Há um imparável cronómetro cívico a contá-lo: tic-tac, tic-tac, tic…

Alfredo Maia

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