Colaboração por avença em publicação municipal

Consultado sobre a eventual incompatibilidade do exercício da profissão de jornalista com as de colaborador/redactor de uma publicação municipal, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas elaborou um parecer em que realça como valor a acautelar a independência do jornalista, por forma a que o mesmo não possa ser acusado de escrever «por conta de…»

Pedido de parecer:

Um jornalista solicitou ao Conselho Deontológico um parecer sobre se o desempenho de funções de colaborador/redactor, remunerado por avença, numa publicação de um município (boletim municipal), é ou não incompatível com o exercício da profissão de jornalista. Esclareceu o jornalista que, na colaboração em causa, não está incluída qualquer prestação de serviços nas áreas de assessoria de imprensa ou de relações públicas.

Procedimentos:

O Conselho Deontológico entendeu que qualquer reflexão sobre esta matéria não pode ser desligada das colaborações de jornalistas em publicações da Administração Central ou de organismos dela dependentes ou conexos, e de qualquer grupo de interesses económicos ou institucionais. Em causa está, em qualquer dos casos, o estatuto de independência do jornalista e a integridade profissional com que este deve, em todas as circunstâncias, exercer a sua profissão.

Análise:

1. Publicações informativas: Se não estiver vinculado a um contrato de exclusividade, o jornalista pode exercer a profissão em mais do que uma publicação informativa, isto é, registada como tal, dirigida por jornalista ou equiparado (ambos vinculados ao mesmo código de ética profissional) e com um estatuto editorial publicado nos termos da Lei de Imprensa.

Nestes casos, o jornalista deve reger-se pelos princípios da transparência e da lealdade para com os seus empregadores, de modo a que não haja equívocos sobre a publicação onde deve ser entregue cada um dos seus trabalhos profissionais – o que, convenhamos, não é fácil: daí que o «pluriemprego monotemático» seja fortemente desaconselhado, excepto no caso de comentadores especialistas.

De igual modo deve ficar sempre bem claro para as fontes de informação para qual das publicações está a ser recolhido o material informativo. O público destinatário tem, por seu turno, o direito a que não lhe seja amputada ou «racionada» a informação: tem direito a uma informação rigorosa, exacta e honesta, isto é, o mais completa possível. Não é, pois, legítimo que, sobre um mesmo assunto, o jornalista divulgue uma parte do que apurou numa publicação e outra parte noutra ou noutras.

2. Publicações não informativas: Já é diferente o regime de colaboração de um jornalista com publicações não-informativas, isto, não registadas como tais, não dirigidas por jornalista ou equiparado (ambos vinculados a um código de ética profissional) e, sobretudo, sem estatuto editorial publicado.

A colaboração com essas publicações não é, naturalmente, proibida – de contrário, estaria a proibir-se a liberdade de expressão. Mas a ética dos jornalistas impõe-lhes um dever de resguardo essencial: o de não assumirem compromissos que limitem a sua própria liberdade de expressão ou mesmo a simples imagem de jornalista livre. Não está em causa o direito a ser-se jornalista militante ou aderente a causas públicas. O que se interdita é o jornalista «por conta de».

É este, no entender do Conselho Deontológico, o espírito do n.º 10 do Código Deontológico: «O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse.»

Para além da questão dos boletins municipais, suscitada pelo requerente deste parecer, existem as publicações da Administração Central e de organismos dela dependentes ou conexos, bem como as de grupos de interesses económicos ou institucionais. É em relação a estas todas que o Conselho Deontológico entende dever emitir o seguinte

Parecer

1. Quando um jornalista é alvo de um convite para escrever um artigo numa publicação não informativa ou institucional é-o muitas vezes porque o seu trabalho habitual na redacção de origem incide amiúde sobre o sector específico da entidade que convida. Nestas circunstâncias, o vínculo ao órgão de informação onde o jornalista trabalha habitualmente deve ser mencionado juntamente com a assinatura, de modo a que fiquem claros o estatuto e a motivação profissional da colaboração.

Acresce que o dever contratual de lealdade impõe que a publicação de origem tenha prévio conhecimento da colaboração. Assim, tudo se fará às claras, diante dos olhos do público, que é quem mais pode reclamar transparência.

Estas referências não são necessárias se a colaboração pedida nada tiver a ver com a actividade profissional regular do jornalista. No entanto, se for mencionado o nome da publicação para onde o jornalista trabalha habitualmente, este tem o dever de informar previamente sobre a colaboração.

2. A imagem de independência do jornalista pode beneficiar se a colaboração for graciosa e tal facto for mencionado. Mas nada há de reprovável em que essa colaboração seja remunerada: um profissional vive do seu trabalho, não tem de se envergonhar de ser compensado pelo seu esforço. Ser compensado, nestas condições, significa que só é aceitável uma relação de pagamento por prestação de trabalho e não um regime de avença: trata-se, afinal, de compensar um esforço dispendido e não de vincular alguém a uma obrigação de trabalho.

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