A carta endereçada ao primeiro-ministro, Durão Barroso, disponível no sítio www.naodesLigue.com, defende que «a RTP necessita de uma remodelação de fundo na área da gestão e de eventuais reorientações em parte da s
O documento, que pode ser subscrito através daquela página, explicita ainda as áreas que devem ser contempladas por um serviço público de televisão, cuja reunião num único canal «criaria uma aberração audiovisual, uma manta de retalhos na qual seria impossível rever-se qualquer das camadas de público».
Exmo. Sr.
Dr. José Manuel Durão Barroso
M.I. Primeiro Ministro de Portugal
Excelência,
Congratulamo-nos com a defesa que V. Exa., contra algumas vozes do próprio partido a que preside, fez, durante a recente campanha eleitoral, da necessidade de um serviço público de televisão (SPT) em Portugal, tido como factor identitário nacional e insubstituível difusor de cultura e de conhecimento.
Ao mesmo tempo, não podemos porém deixar de expressar a V. Exa. a nossa mais profunda preocupação pelas notícias que anunciam ir o governo proceder à redução desse SPT de dois para apenas um canal de difusão hertziana. Tal decisão, a ser posta em prática, vai ao arrepio do modelo praticado e consagrado por toda a Europa, onde se entende que actualmente um SPT satisfatório não pode ser conseguido sem um mínimo de dois canais generalistas.
Pensamos da mesma maneira, na medida em que nos parece impossível que um só canal cumpra, sem se descaracterizar, todas as obrigações que devem ser apanágio do SPT e que não são satisfeitas pela televisão comercial (nem essa é a sua missão), a saber: garantia de uma informação isenta, pluralista e não sensacionalista (isto é, dando prioridade aos verdadeiros problemas da comunidade); promoção de entrevistas e debates de natureza política ou social; abertura de «janelas» para a informação regional; divulgação de modalidades desportivas amadoras; programação infantil e juvenil de natureza lúdico-pedagógica; difusão de emissões da Universidade Aberta; concessão de espaço para expressão das confissões religiosas; difusão do cinema português e de um imaginário nacional; produção e emissão de curtas-metragens e de documentários (de criação ou de mera divulgação); defesa da língua portuguesa e dos valores culturais (nacionais, lusófonos e universais); promoção das correntes, das práticas e dos criadores artísticos e literários portugueses; divulgação da ciência e da tecnologia (com eventuais protocolos assinados com universidades); cumprimento de quotas de produção audiovisual de origem europeia; produção e difusão de primeiras obras de criadores audiovisuais; exploração de novas linguagens audiovisuais; defesa dos valores de civilização e de cidadania.
A concentração de todas estas actividades num só canal criaria uma aberração audiovisual, uma manta de retalhos na qual seria impossível rever-se qualquer das camadas de público, maioritário ou minoritário, às quais, como alternativa e complemento da TV comercial, se destina o SPT (e defendemos que no conjunto ele se deve dirigir, à partida, a todo o público, só assim justificando o facto de ser financiado por todos).
Reconhecemos que a RTP necessita de uma remodelação de fundo na área da gestão e de eventuais reorientações em parte da sua programação, mas não podemos concordar que essa operação de reestruturação se confunda com a extinção de um canal, liquidando qualquer hipótese de um SPT coerente e racional.
Tanto mais angustiante é essa perspectiva quanto todos sabemos que Portugal se encontra na cauda da Europa no que respeita à formação e educação dos seus habitantes, e que será necessário desenvolver um esforço suplementar, a passar sem dúvida também pela existência de um forte SPT, para recuperar esse atraso e nos podermos considerar cidadãos europeus de pleno direito.
Por isso apelamos a V. Exa. para a ponderação das medidas a tomar nesta matéria, apontando para a preservação de dois canais generalistas, complementares, de serviço público de televisão em Portugal, um para o grande público e outro para públicos alternativos.