“Assim vai o reino dos jornalistas” – a resposta do presidente da Assembleia Geral do SJ

“O autor do escrito ‘[Assim vai o reino dos jornalistas’] excede-se num ‘vale tudo’ com o evidente propósito de denegrir a imagem do Sindicato”, afirma Acácio Barradas, sobre o editorial do “Público” de 21 de Fevereiro, num texto de resposta enviado ao director do jornal e publicado só dez dias após a sua recepção.

O texto do presidente da Assembleia Geral do Sindicato dos Jornalistas (SJ) justificava-se pelo facto de o SJ ser “alvo de um violento ataque” no editorial do “Público”, subscrito por Paulo Ferreira.

Mas a sua publicação só ocorreu após Acácio Barradas ter reclamado do injustificado silenciamento junto do Provedor do Leitor do “Público” e protestado em carta enviada ao Conselho de Redacção do jornal.

É o seguinte, na íntegra, o texto de Acácio Barradas enviado em 21 de Fevereiro ao director do “Público”, José Manuel Fernandes, e publicado a 2 Março de 2005:

No editorial intitulado «Assim vai o reino dos jornalistas», subscrito por Paulo Ferreira na edição de hoje [21 de Fevereiro de 2005] do PÚBLICO, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) é alvo de um violento ataque, a propósito da posição assumida pelo respectivo Conselho Deontológico (CD) sobre uma questão surgida na agência Lusa. Misturando no mesmo saco um conjunto de ingredientes só na aparência comuns, o autor do escrito excede-se num «vale tudo» com o evidente propósito de denegrir a imagem do Sindicato. Assim sendo, passa por alto a circunstância de o CD funcionar com independência em relação aos corpos gerentes do SJ, pelo que os seus pareceres não vinculam automaticamente a respectiva Direcção. Podem até assumir pontos de vista diferentes e até discordantes, como aliás parece ter acontecido no caso em apreço. E, ao contrário do que diz o editorialista, não se afigura demasiado o tempo de quatro dias que decorreu entre a tomada de posição do CD e o comunicado em que a Direcção do SJ se demarca do mesmo. De facto, esses quatro dias abrangeram um fim-de-semana. E, como é natural numa estrutura democrática, em que é preciso consultar os respectivos membros antes de tomar uma posição, os quatro dias referidos constituíram um tempo bastante célere. Por isso, ao acusar o SJ de «ter ignorado olimpicamente esse facto vergonhoso durante quatro dias», o editorialista usa de evidente má-fé. Ou pretenderá que o SJ actue apenas em função do que pensa e decide o respectivo presidente da Direcção, sem que este perca tempo a consultar os outros dirigentes sindicais?

É precisamente por actuar deste modo criterioso, sem dispensar nunca a consulta democrática dos demais dirigentes eleitos, que considero inqualificável o ataque pessoal dirigido ao presidente da Direcção, Alfredo Maia, pelo facto de ter uma vinculação política que é do domínio público, visto que o seu nome figurou já, embora em lugares não elegíveis, em listas da CDU. Considerar esse facto incompatível com o exercício do cargo sindical para que foi eleito é que não tem – nem podia ter – qualquer suporte legal. O direito à opção política faz parte das liberdades cívicas instituídas com a revolução de 25 de Abril e não é castrador do exercício de cargos sindicais, a cujo exercício não retira independência desde que as estruturas eleitas funcionem democraticamente. Assim tem sido há muito no SJ, e estou em condições de o testemunhar, pois, já com Alfredo Maia como presidente, fui vice-presidente da Direcção durante dois mandatos. Além disso, na actual qualidade de presidente da Assembleia Geral do SJ, em que tenho a prerrogativa de assistir sempre que quiser às reuniões de Direcção, estou em posição de garantir que este órgão do SJ, com especial relevo para o seu presidente, tem actuado por forma a não «comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional», de acordo com a prescrição do Código Deontológico citado pelo editorialista do PÚBLICO.

Não deixa, aliás, de ser curioso – e até merecedor de uma tese de mestrado –, que esta preocupação com o vínculo político do actual presidente da Direcção do SJ não tenha tido precedentes, pois jamais atingiu os detentores do mesmo cargo quando este era preenchido, por exemplo, por jornalistas vinculados ao PS e ao PCTP-MRPP. Que raio de independência têm estes analistas, aos quais só a CDU parece causar engulhos?

Quanto às extrapolações feitas para o «patente alheamento dos actos eleitorais», a fim de justificar «o pântano» a que o editorialista se refere, vê-se bem que fala do que não sabe. Os actos eleitorais do SJ não têm sido tão concorridos como seria desejável, mas não deslustram (longe disso!) quem a eles concorre e é eleito. A percentagem de abstenções, embora elevada – até pela mobilidade dos votantes, que caracteriza a profissão –, não é hoje maior do que antigamente. E posso afiançar que, comparativamente a outras prestigiosas instituições a cujos corpos gerentes igualmente pertenço, como a Casa da Imprensa e o Clube de Jornalistas, a participação nas eleições do SJ é extraordinariamente superior, em termos percentuais.

Finalmente, o problema da auto-regulação e a falta de penalizações, a que o editorialista se refere, evidencia o seu desconhecimento sobre o papel do SJ em relação às duas questões. No que respeita à auto-regulação, é óbvio que ignora as várias intervenções nesse sentido efectuadas pelo SJ junto de várias entidades, e que se encontram documentadas em textos acessíveis no respectivo sítio da Net. Quanto às penalizações, já se sabe que o SJ não é o mesmo que uma Ordem, estrutura que em devido tempo a classe jornalística repudiou em referendo amplamente participado, além de que, no último Congresso de Jornalistas (aberto a toda a classe e não apenas aos sindicalizados), este assunto foi debatido sem que se chegasse a conclusões definitivas. Considerou-se, então, que o maior capital de um jornalista é o seu bom nome, o qual, sendo afectado na praça pública, constitui castigo suficientemente grave para prejudicar a sua carreira. Entendeu-se na altura que, na profissão de jornalista, o «crime» habitualmente não compensa. Entretanto, como é sabido, está a decorrer um processo de revisão do Estatuto do Jornalista, que prevê a criação de um regime disciplinar para faltas profissionais. Ciente da importância da sua posição nesta matéria, a Direcção do SJ tem procurado balizar o seu parecer na opinião da maioria da classe que representa, pelo que vem há meses organizando, em várias regiões do país, reuniões e debates acessíveis a todos os jornalistas, sindicalizados ou não.

Assinale-se ainda que, em cumprimento do seu programa eleitoral, a actual Direcção do SJ deve organizar, ainda este ano, o IV Congresso dos Jornalistas, em que estes temas serão necessariamente debatidos. Também este ano serão convocadas eleições para os novos corpos gerentes do SJ. E já que se fala de eleições à vista, bom será que os críticos do SJ, sempre tão predispostos à prática do bota-abaixo ou a desvincularem-se de associados por dá-cá-aquela-palha, assumam realmente as suas responsabilidades, organizando-se para introduzir, na estrutura mais representativa da classe, a orientação que perfilham. É mais trabalhoso do que dar à língua, ou rabiscar editoriais, mas tem o mérito de revelar outro empenhamento e mais sentido da responsabilidade no campo profissional.

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