Anti-europeísmo está a ganhar consistência social

Está a surgir na opinião pública portuguesa um sector anti-europeísta socialmente coerente, que poderá ser facilmente explorado por qualquer líder que seja capaz de detectar esse sentimento na sociedade e e decida explorá-lo politicamente. Trata-se de um factor novo na sociedade portuguesa com o qual os participantes na discussão Conferência Europeia de Jornalistas sobre os Media e a Construção Europeia foram confrontados. .

Foi a vez dos números tomarem conta da conferência organizada pelo Sindicato dos Jornalistas, com o apoio da Representação em Portugal da Comissão Europeia, que decorreu sábado, 11 de Maio, no Hotel Altis, em Lisboa. Na segunda sessão, dedicada ao tema «A Opinião Pública e a Construção Europeia», Pedro Magalhães, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa perspectivou as estatísticas sobre as atitudes dos portugueses em relação à Europa, tal qual têm sido registadas, nas últimas décadas, pelo Eurobarómetro. E disse aos participantes no encontro que os números trazem más notícias.

«A possibilidade de uma clivagem social e, potencialmente política, em torno do projecto europeu começa a ganhar contornos claros no nosso país», disse o investigador. Isto porque o apoio e a contestação à integração europeia passaram a ter base em realidades sociológicas concretas. Verifica-se que o apoio à presença de Portugal na União Europeia é forte entre os mais jovens, os melhor informados e os mais instruídos. E que a contestação corresponde ao grupo dos mais idosos, com menor exposição aos meios de comunicação social e menos instrução.

Até aqui, a integração europeia «suscitava um apoio difuso que atravessava classes sociais e gerações», explicou Pedro Magalhães. A exemplo do que acontece ao nível político, onde as pessoas se situam à esquerda ou à direita de uma forma transversal, nos planos social e etário, também o apoio à presença de Portugal na União Europeia não possuía um traço sociológico claro. A diferença, agora, é que os anti-europeístas correspondem a um grupo socialmente caracterizável.

Ao longo dos anos, de acordo com Pedro Magalhães, os portugueses estiveram sempre entre os principais apoiantes da União, apresentando percentagens de apoio elevadas em comparação com as de outros países. Em parte essa opinião positiva traduzia o que o investigador definiu como uma «relação instrumental». Ou seja, antes de ser favoráveis ou não, os portugueses consideram a integração útil, devido aos benefícios concretos que esta tem introduzido na sociedade portuguesa. As variações nesse apoio instrumental acompanhavam as flutuações da conjuntura económica, nomeadamente o desemprego.

Por outro lado, o apoio às instituições europeias surge «como resultado dos défices no desempenho das instituições políticas nacionais», uma situação que é possível verificar entre outros estados-membros do Sul da Europa e também da Bélgica ou do Reino Unido. Um exemplo desta postura é a percepção de que apenas com a integração europeia passaram a ser respeitadas as regras de defesa do ambiente, referiu.

Ao longo do tempo, não existiu em Portugal uma clivagem política em relação à Europa. Mas isso começou a mudar ao longo dos anos 90. Pedro Magalhães sublinhou que, «a partir de 1999, a instatisfação com a Europa deixou de estar relacionada com a taxa de desemprego. A atitude dos portugueses face à integração europeia está a tornar-se independente da conjuntura económica». Isso significa que há um grupo de pessoas que se sente socialmente excluída e que representa uma base social coerente para o anti-europeísmo, algo que nunca acontecera até aqui em Portugal.

Opinião pública e constituição europeia

Pode haver uma constituição europeia sem uma opinião pública europeia? Thomas Darnstaedt, jornalista da «Der Spiegel» e segundo interveniente neste painel da Conferência Europeia de Jornalistas sobre os Media e a Construção Europeia tem uma resposta negativa para a pergunta que colocou. Historicamente, lembrou, «as constituições fazem-se de baixo para cima, a partir do povo, onde está o poder constituinte». Em geral, uma constituição carece de uma situação revolucionária, onde não exista um Estado e o poder de decisão esteja no povo, lembrou. Essa não é a situação actual da Europa, «assente em Estados membros sólidos». Quanto aos líderes europeus que querem instituir uma Constituição europeia «de cima para baixo», Darstaedt considera que estes «não têm consciência do modo como as constituições surgiram historicamente».

O caminho para uma hipotética e futura Constituição europeia passará, segundo Darnstaedt, pelo aparecimento de uma opinião pública europeia. «O processo de criação de uma opinião pan-europeia é fundamental para a criação de uma Europa de todos os cidadãos», afirmou. Mas estamos longe de poder falar numa opinião pública que ultrapasse «as barreiras da língua ou os sentimentos tradicionais de nacionalidade e de cidadania nacional», sublinhou. Até porque os partidos políticos e os mass media estão organizados numa base nacional e não europeia. «Uma opinião pública europeia é mais importante do que ter uma força de polícia europeia», afirnou o jornalista.

Darnstaedt criticou ainda o secretismo das instituições europeias e considerou que todas as barreiras actualmente existentes apenas podem ser vencidas «no caso de Bruxelas instalar redes de comunicação mais atraentes. Quanto mais comunicação tivermos, mais seremos forçados a lidar com questões comuns», afirmou Thomas Darnstaedt, concluindo que «a construção europeia é como a opinião pública na Europa: não é possível forçá-la, tem de crescer».

Políticas proteccionistas são necessárias

O secretário-geral da Federación de Sindicatos de Periodistas (FeSP) de Espanha, Enric Bastardes, defendeu a introdução urgente de «medidas proteccionistas» face à «liberalização total dos mercados». Para Bastardes, os Estados estão a perder as condições para defender os direitos constitucionais dos cidadãos quanto à informação, face aos «grandes conglomerados mediáticos que ultrapassam espaços geográficos politcamente constituídos, operam a um nível mundializado e não têm de responder perante um Estado ou um organismo internacional».

Bastardes criticou os média públicos que hoje se afastam da «enorme responsabilidade de representar, sem exclusão, os direitos dos cidadãos e servir o interesse geral sem restrição». Para o jornalista espanhol, «o modelo público está a ser traído» pela «partidocracia», que constitui «uma deriva perigosa da sua função e legitmidade». O mesmo acontece quanto aos sistemas públicos de comunicação que apostam na «concorrência desenfreada com os média privados». Para Bastardes, «estas duas deformações surgem muitas vezes em simultâneo».

Quanto aos media privados, Bastardes lembrou que «a informação não é uma mercadoria» e não pode estar sujeito «ao capricho de uma auto-regulação sem obstáculos; carecem de organismos reguladores com competências sancionatórias, como já existe em alguns países, como uma instância superior do audiovisual ou conselhos de Informação.

Bastardes alertou contra os riscos da «corrida imparável à concentração» das empresas de media, o que implica a activação «de mecanismos anti-monopólio ou anti-oligopólio. Caso contrário, poderemos cair em situações idênticas à de Itália, onde o primeiro-ministro goza de uma posição dominante escandalosa no sector privado e intervém, ao mesmo tempo, no sector público e em outros países. Haverá quem não compreenda a tentação totalitária que essa situação gera?».

Enric Bastardes sublinhou ainda a necessidade de «um quadro mínimo de regularização do exercício das profissões na Informação», uma vez que «a profissão de jornalista está a precarizar-se rapidamente. As novas tecnologias criam profissionais à distância, cuja actividade não está regulamentada e que não beneficiam de nenhum direito». O dirigente sindical deu o exemplo da situação em Espanha, onde 40 por cento dos jornalistas activos trabalham à peça, sem qualquer contrato de trabalho. «A qualidade da informação à qual os cidadãos têm direito não pode apoiar-se profissionais tão fragilizados, face às empresas e às pressões políticas e sociais», afirmou.

Os cidadãos portugueses e a Europa

Francisco Sarsfield Cabral, da Rádio Renascença e um jornalistas dos organizadores do encontro, fechou o painel retomando a temática lançada por Pedro Magalhães quanto à posição dos portugueses face à integração europeia. Começando por referir que «em Potugal nunca houve referendo ou necessidade de um referendo», o jornalista afirmou que «a Europa constitui um ideal de modernidade em Portugal» desde a geração de 70, ainda no século XIX, quando Portugal «falhou a revolução Industrial».

Esse ideal da Europa reforçou-se com a emigração para os países europeus, a partir da década de 60 do século XX. «Ao contrários dos que emigravam para a América ou África, os que partiam para a Europa regressavam regularmente à terra». No Portugal «orgulhosamente só» de Salazar, os cidadãos eram confrontados com a experiência directa dos emigrantes, que haviam encontrado países com melhores condições de vida e onde havia liberdade política.

O jornalista recordou, tal como fizera Pedro Magalhães, o cartaz «A Europa Connosco» que o PS de Mário Soares utilizou na caminhada vitoriosa para as primeiras eleições legsislativas, em 1976. Um exemplo dessa boa imagem da Europa entre os portugueses, que continua a existir actualmente.

Sarsfield Cabral disse que, no tempo em que presidiu á representação em Portugal da Comissão Europeia, ouviu muitos convidados de outros estados-membros ficarem surpreendidos com a quantidade de projectos comunitários que estavam devidamente assinalados enquanto tal, através de cartazes. Um orgulho em acolher projectos apoiados pela União que, referiu, é menos comum noutros países.

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