Alta Autoridade recomenda respeito pela Convenção de Genebra

Os média devem levar em linha de conta o estipulado na Convenção de Genebra quanto à apresentação de imagens de prisioneiros de guerra, recomenda a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), num comunicado sobre a cobertura da guerra no Iraque.

No documento, aprovado por unanimidade, na quinta-feira, 26, a AACS afirma “esperar que os média procurem evitar imagens ou outros documentos que afrontem a dignidade de civis e de militares, na sua actuação como combatentes ou como prisioneiros, entrando, quanto a estes últimos, em linha de conta com o que é estipulado pela Convenção de Genebra.”

O texto inclui mais de uma dezena de recomendações, incidindo sobre a isenção no tratamento das fontes e a equidistância que os média devem manter face às partes em conflito.

Para a AACS, o rigor “exige que as fontes, referidas embora, não sejam qualificadas e hierarquizadas, relativamente valorizadas umas e subalternizadas outras” e deve “manter claro para o público” que as fontes predominantes são os próprios beligerantes.

No comunicado, exige-se também “a pronta e clara rectificação de notícias que os factos não venham a comprovar na totalidade ou mesmo desmintam por completo.”

A Alta Autoridade lembra que os média não devem tomar partido nos espaços noticiosos e devem evitar “lemas, grafismos e sonorizações que podem configurar uma aproximação a uma das estratégias em confronto”.

Os média devem ainda esforçar-se por enquadrar a cobertura do conflito no Iraque “de forma, por um lado, a ultrapassar as simplificações, dicotomias, maniqueísmos e inerentes riscos de incitamentos xenófobos, e, por outro lado, a respeitar o direito à informação e a inteligência dos detentores desse direito, contribuindo para que livremente formem a sua própria opinião.” Neste sentido, recomenda que não sejam utilizadas expressões como “Ocidente” e “Oriente” para designar as partes em confronto.

A descrição das tecnologias militares deve, para a AACS, “evitar que o discurso mediático possa, por vezes, configurar ou objectivamente constituir um relato de uma actividade espectacular e até lúdica, ou uma descrição técnica em algumas circunstâncias empolgada por deformação profissional, o que pode contribuir para que se perca o contexto da realidade maior e mais profunda, o trágico da guerra”.

É o seguinte o texto integral do comunicado da AACS:

TOMADA DE POSIÇÃO DA AACS SOBRE O DESEMPENHO DOS ÓRGÃOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL NA COBERTURA DA GUERRA

1. “A cobertura jornalística dos conflitos militares, designadamente da actual guerra no Iraque – com aspectos alguns deles inovadores, quanto a directos de movimentações militares, a afrontamentos concretos de guerra dita “em directo” -, coloca questões de crescente complexidade para o efectivo exercício dos direitos de informar, de se informar e de ser informado, nomeadamente em termos de rigor.

2. “Essas questões decorrem nomeadamente do acesso condicionado ao teatro das operações e às fontes de informação, da contra-informação como instrumento das forças em presença, da utilização do trabalho dos média por parte da estratégia e das tácticas em presença.

3.“No devido respeito pela liberdade de imprensa e pela liberdade de programação e de informação, e reconhecendo o empenhamento e o esforço de rigor por parte da generalidade dos órgãos de comunicação social portugueses, designadamente os audiovisuais, tal como reconhecendo as dificuldades da cobertura jornalística de um conflito militar com constantes desenvolvimentos, enfrentando os correspondentes no terreno elevados e dramaticamente comprovados riscos, a AACS crê oportuno chamar a atenção para os seguintes pontos:

a. “o rigor informativo implica o cotejo das versões das partes envolvidas no que é noticiado, e, quando da impossibilidade desse cotejo, por inexistência de uma das versões ou de acesso a ela em tempo útil para uma divulgação, importa referir com clareza que a fonte disponível é de apenas uma das partes;

b. “o rigor informativo deve ponderar e manter claro para o público que parte predominante das fontes pertence aos próprios beligerantes;

c. “o rigor também exige que as fontes, referidas embora, não sejam qualificadas e hierarquizadas, relativamente valorizadas umas e subalternizadas outras;

d. “exige também o rigor a identificação quer das imagens de arquivo quer de imagens já difundidas;

e. “exige igualmente o rigor a pronta e clara rectificação de notícias que os factos não venham a comprovar na totalidade ou mesmo desmintam por completo;

f. “exige ainda o rigor que as forças em presença não sejam identificadas com áreas geopolíticas que manifestamente as excedem pela diversidade de posicionamento, designadamente os conceitos de Ocidente e Oriente;

g. “os média devem-se, em termos legais, éticos e deontológicos, à clara distinção entre a notícia e a opinião; pelo que, se um órgão de comunicação social privado é livre de definir, em termos editoriais, uma posição nomeadamente quanto a um conflito militar, se a opinião, identificada como tal, em especial a do comentador convidado, pode tomar, de forma mais ou menos explícita, partido, não o pode fazer o jornalista quando veicula a notícia;

h. “os média devem-se ao direito de se informar e de ser informados, que a todos pertence, e genericamente a normas deontológicas e a uma consciência sócio-cultural e ética;

i. “de tal resulta que as tecnologias bélicas e os seus desempenhos devem ser referidos sem que o discurso mediático possa, por vezes, configurar ou objectivamente constituir um relato de uma actividade espectacular e até lúdica, ou uma descrição técnica em algumas circunstâncias empolgada por deformação profissional, o que pode contribuir para que se perca o contexto da realidade maior e mais profunda, o trágico da guerra;

j. “de tal também resulta que as tecnologias comunicacionais ao dispor dos média, a sua velocidade, o seu ritmo, a sua instantaneidade, devem ser um instrumento para uma maior concretização da isenção e do rigor informativo e não um quadro de vertiginosa abundância que, em algumas circunstâncias, pode objectivamente instrumentalizar os órgãos de comunicação social, os jornalistas e até os próprios comentadores, por pericial que alegadamente seja a sua intervenção;

k. “de tal igualmente resulta esperar-se dos órgãos de comunicação social, designadamente os audiovisuais, que evitem anunciar, promover, introduzir e fechar os seus serviços noticiosos sobre o presente conflito, com lemas, grafismos e sonorizações que podem configurar uma aproximação a uma das estratégias em confronto;

l. “de tal resulta ainda esperar-se que os média procurem evitar imagens ou outros documentos que afrontem a dignidade de civis e de militares, na sua actuação como combatentes ou como prisioneiros, entrando, quanto a estes últimos, em linha de conta com o que é estipulado pela Convenção de Genebra;

m. “de tal por fim resulta esperar-se que os órgãos de comunicação social enquadrem a sua cobertura do presente conflito militar no Iraque – , complementar mas consistentemente, e para além das notícias mais imediatas e prementes – , com dados sobre as mentalidades, civilizações, culturas, opções confessionais, interesses e ponderação de estratégias e geoestratégias em presença, de forma, por um lado, a ultrapassar as simplificações, dicotomias, maniqueísmos e inerentes riscos de incitamentos xenófobos, e, por outro lado, a respeitar o direito à informação e a inteligência dos detentores desse direito, contribuindo para que livremente formem a sua própria opinião.”

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