Acesso a declarações de património de políticos deve ser livre

Confrontada com as recentes exigências de justificação da Entidade para a Transparência para a consulta das declarações de património de titulares de cargos políticos, a Direção do Sindicato dos Jornalistas condena nova limitação ao trabalho jornalístico, lamentando que este ataque ao direito a ser informado tenha origem em quem o deveria defender.

A partir de uma leitura deturpada do regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, que mesmo quem legislou considera excessivamente zelosa, a Entidade da Transparência exige agora que jornalistas expliquem o objeto da sua investigação antes de serem autorizados a consultar uma declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos. Não basta já, como sempre foi suficiente, indicar que se está a produzir um trabalho jornalístico. É necessário, além de esperar até 25 dias por uma resposta, prestar esclarecimentos adicionais para que se averigue da legitimidade dessa pesquisa, indicando os temas, questões de investigação, a informação que se procura coligir, ou como afirmam “a natureza do trabalho jornalístico que se pretende levar a cabo a partir da consulta”.

O SJ opõe-se em absoluto a esta exigência. Os jornalistas não podem ser obrigados a revelar seja o que for do teor das suas investigações a uma entidade estatal para aceder a um registo de transparência de representantes públicos. Argumenta a Entidade para a Transparência que, dadas as justificações, nunca recusou o acesso de jornalistas a esta informação. Mas compreende mal a questão: para os 91 pedidos de consulta que autorizou, possuiu agora informação que não lhe cabia ter sobre o desenvolvimento de peças jornalísticas. E para os 36 que “aguardam esclarecimentos”, está a atrasar ilegitimamente o exercício do direito constitucional a informar. É um cerceamento da Liberdade de Imprensa que jornalistas tenham que ficar à espera que entidades públicas permitam o escrutínio.

No quadro da lei atual, o acesso às declarações únicas de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos por jornalistas deve ser automático, bastando demonstrar que se é detentor de carteira profissional válida. É essa a fundamentação necessária para requerer a consulta. Discordando a Entidade para a Transparência, o SJ apela à revisão da Lei n.º 52/2019, para deixar claro o direito de acesso de jornalistas a estes documentos cruciais para o escrutínio de representantes públicos, sem necessidade de justificação, e sem haver lugar à expurga de qualquer informação nestes contida, cabendo aos profissionais de informação julgar do interesse público de cada dado.

Mais, o SJ defende que ao invés de se regressar a esse status quo se expanda o direito de acesso a estes documentos de interesse público para que todos, jornalistas ou não, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, possam consultar as declarações únicas. Numa política de transparência ativa, deve haver lugar à publicação automática das declarações online, expurgadas as informações pessoais sensíveis.

Não se poderá deixar de enquadrar esta tentativa de dificultar o acesso a informação a uma cultura de fechamento da administração pública que tão frequentemente inviabiliza o trabalho jornalístico, bloqueando o acesso a informação, recusando a disponibilização de documentos e impedindo funcionários estatais de prestar declarações aos media. Após três décadas com uma Lei de Acesso a Documentos Administrativos em vigor, reina em Portugal o incumprimento generalizado do regime de acesso à informação administrativa.

Sem sanções por incumprimento das obrigações de transparência, sem poderes coercivos para a Comissão de Acesso a Documentos Administrativos, sem a nomeação de Responsáveis pelo Acesso à Informação competentes, resta campo fértil para, à revelia da lei, se recusar entregar documentos de acesso público. Sejam pareceres internos, processos de contratação pública, ou bases de dados, negar o acesso de jornalistas a informação de interesse público abre mais espaço para que grasse a desinformação, que não tem de aguardar por factos para publicar. A violação reiterada dos princípios da administração aberta faz perigar o direito de acesso à informação do público, essencial para a vivência democrática. Por isso, o SJ apresentará propostas para a revisão do regime de acesso à informação administrativa que permitam o real cumprimento do direito constitucional de acesso à informação.

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