A intervenção do juiz Raul Esteves no II Curso de Jornalismo Judiciário

«A Justiça é interessante e vende. E porque vende temos de ter muitas cautelas”, disse o juiz Raul Esteves, presidente do Movimento Justiça e Democracia, na sessão de abertura do II Curso “A Justiça e o Jornalismo Judiciário”.

O magistrado sublinhou a importância de quebrar as barreiras que separam os jornalistas dos tribunais, salientando que, para alcançar esse objectivo, “é necessário padronizar os códigos de comunicação e dar a conhecer os caminhos que as regras nos obrigam a percorrer entre duas realidades só aparentemente iguais: a que a vida nos mostra e a que os Tribunais descrevem”.

O presidente do Movimento Justiça e Democracia destacou ainda as adaptações realizadas entre o primeiro e o segundo curso. “Aprendemos todos com os vossos colegas do curso anterior, modificámos o que foi objecto de críticas, aperfeiçoámos a organização das sessões, inserimos um contexto prático no curso e, a pedido de quase todos, estabelecemos uma avaliação final”, disse.

É o seguinte o texto integral da intervenção do juiz Raul Esteves:

“Começa hoje um segundo curso de jornalismo judiciário.

“Depois do primeiro, torna-se mais fácil fazer o segundo.

“Porquê?

“Não pelas razões que naturalmente estão a pensar e, que parecem óbvias.

“Não são essas as razões.

“Para um cidadão comum, fazer uma segunda vez é por certo fazer melhor.

“Mas, quem vos irá dar este curso não são apenas cidadãos comuns, isto é, comuns ao ponto de se aperceberem de imediato das reacções dos outros e procurarem melhorar o seu desempenho.

“São essencialmente Magistrados as pessoas que irão percorrer com os senhores todo o seu mundo, aquele onde se acomodaram e habitam num profundo respeito pelas regras e tradições, muitas vezes criadas por quem já a memória perdeu.

“A experiência do curso anterior seria desprezível e as opiniões dos formandos que aqui nos acompanharam durante os últimos meses nada significariam, pelo menos até serem confirmadas por um Tribunal Superior.

“Só que assim não foi e, assim não será.

“O Movimento Justiça e Democracia – organização de Juízes Portugueses –, de que me orgulho de ser o presidente, pretendeu efectuar este curso com dois objectivos. Ensinar e Aprender.

“Ensinar o que os Juízes e outros magistrados sabem e, aprender o que os senhores nos quiserem explicar.

“É assim que acredito sinceramente, que este curso será muito melhor do que o primeiro.

“Aprendemos todos com os vossos colegas do curso anterior, modificámos o que foi objecto de críticas, aperfeiçoámos a organização das sessões, inserimos um contexto prático no curso e, a pedido de quase todos, estabelecemos uma avaliação final.

“Estou a usar o modo plural, quase a dar a entender que também tenho responsabilidades na orientação deste curso, mas as tais regras de que vos falava obrigam-me a dizer que estou a ser injusto, pois quem pensou tudo isto e organizou e reformulou e voltou a organizar foram os meus queridos amigos e colegas Dr. Juiz Rui Rangel, orientador do Curso, juntamente com os Drs. Juízes Nuno Coelho e Renato Barroso, a quem aqui presto a minha homenagem.

“E explicada a espantosa surpresa de termos pela frente não um segundo curso mas sim um novo segundo curso de Jornalismo Judiciário, gostaria de agradecer a vossa presença e apelar para que participem, questionando, criticando e intervindo sempre que vos apeteça.

“Vão ser guiados pelos corredores e salas esplendorosas desse imponente edifício que dá pelo nome de Justiça, onde para os seus residentes tudo parece ser perfeito e funcionar . Se insistirem e questionarem os vossos guias, estou certo que acabarão por conseguir espreitar por detrás de cada uma das portas das salas mais reservadas, e então irão aperceber-se da angústia que aí grassa.

“O mistério pode começar a desvanecer-se e começarão a ver que o que vos separa dos magistrados, sejam eles Juízes ou agentes do Ministério Público, é o medo infantil que lhes foi transmitido sobre o que de terrível e ameaçador os senhores podem fazer.

“Quebrar essa barreira e aproximar os jornalistas da notícia judiciária, aproximando-os dos operadores forenses é um dos objectivos deste curso.

“Mas para que tal seja alcançado é necessário padronizar os códigos de comunicação e dar a conhecer os caminhos que as regras nos obrigam a percorrer entre duas realidades só aparentemente iguais: a que a vida nos mostra e a que os Tribunais descrevem.

“Estamos cientes que a nova cadeia alimentar dos média necessita na sua dieta diária da justiça. “A Justiça é interessante e vende.

“E porque vende, e vende muito, temos que ter cautelas.

“O profissionalismo do Jornalista é o nosso limite.

“Um jornalista sério é um jornalista que percebe o que está em causa e cederá à tentação do «furo» se tal fizer perigar a justiça que se procura.

“Um jornalista profissional, dotado de conhecimentos jurídicos elementares, perceberá como funciona toda a estrutura judicial, as competências e limitações de cada um dos seus operadores, os interesses em causa, as deficiências do sistema, as barreiras que inocentemente, ou não, se lhes coloca.

“Esse jornalista é bem-vindo e encontrará receptividade junto dos Juízes.

“Mas muito ainda há a fazer junto dos Juízes, e também nessa vertente trabalha o Movimento Justiça e Democracia, constituindo este Curso uma oportunidade para desmistificar a profissão do jornalista, assim o consigam transmitir e ensinar aos vossos formadores.

“Por fim e, uma vez mais, tal como tive oportunidade de o fazer quando me convidaram para a abertura do primeiro e já velho Curso de Jornalismo que começou em Abril deste ano, uma palavra de sincero agradecimento à Universidade Católica , na pessoa do Exmo. Sr. Director da Faculdade de Direito, Professor Doutor Rui Medeiros, por ter acreditado no nosso projecto e ao Exmo. Sr. Presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia, e ao Exmo. Sr. Director do Cenjor, Dr. Fernando Cascais, por fazerem o favor de nos acompanharem e cobrirem com o seu manto de prestígio.”

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