Reestruturação da RTP SGPS desarticulada doutras medidas

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) enviou aos Grupos Parlamentares, a 11 de Dezembro, a sua apreciação sobre a Proposta de Lei para a reestruturação da Concessionária do Serviço Público de Rádio e de Televisão. O SJ lamenta que a iniciativa do Governo não tenha sido “articulada com a apreciação de outras medidas legislativas”,

No documento, o SJ explica por que considera que a revisão do Estatuto das concessionárias dos serviços públicos de Rádio e de Televisão apareça como “um acto isolado”, em vez de, como seria desejável, “parte de um processo coerente e integrado de iniciativas”.

Para o SJ, teria “sido mais útil uma abordagem integrada do objectivo de reestruturação da RTP, SGPS, que permitisse discutir as várias dimensões da inserção do operador de serviço público no contexto do sector audiovisual”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do parecer do SJ:

Apreciação do Sindicato dos Jornalistas à Proposta de Lei N.º 106/X (GOV) que procede à reestruturação da Concessionária do Serviço Público de Rádio e de Televisão

I – Introdução

O presente documento constitui a primeira apreciação do Sindicato dos Jornalistas à Proposta de Lei que aprova a Lei que procede à reestruturação da Concessionária do Serviço Público de Rádio e de Televisão, cuja discussão na generalidade pela Assembleia da República se encontra agendada para o próximo dia 14 de Dezembro.

Assinala-se que, tendo o SJ recebido, em 9 de Novembro, um pedido de parecer do Ministro dos Assuntos Parlamentares sobre o anteprojecto da mesma Proposta de Lei, veio a verificar-se que o prazo para a sua entrega correspondia à véspera da aprovação do diploma em Conselho de Ministros, o que inviabilizou qualquer oportunidade de o Sindicato se pronunciar, como lhe compete.

Por conseguinte, tendo sido efectivamente prejudicada a participação do SJ na consulta prévia do referido diploma e preterida pelo Governo a oportunidade do Sindicato de carrear as suas contribuições para o processo legislativo, destina-se o documento a habilitar os Deputados à Assembleia da República com as opiniões da organização representativa dos jornalistas.

A apresentação do documento não prejudica a disponibilidade do Sindicato para os esclarecimentos que os Senhores Deputados considerem úteis, designadamente através da realização de reuniões que os respectivos Grupos Parlamentares entendam convocar e, sobretudo, da audição do SJ em sede de discussão do diploma na especialidade.

Do mesmo modo, não prejudica as iniciativas que o Sindicato entenda tomar aos mais variados níveis, inclusivamente junto da Assembleia da República.

II – Considerações prévias

1. A Proposta de Lei em apreço antecipa-se a uma discussão que se antevia mais vasta e articulada com a apreciação de outras medidas legislativas, de modo a que a revisão do Estatuto das concessionárias dos serviços públicos de Rádio e de Televisão não fosse um acto isolado, mas parte de um processo coerente e integrado de iniciativas.

2. Em concreto, verifica-se que a apresentação e discussão da presente Proposta de Lei antecedeu a apresentação e discussão da nova Lei da Televisão prevista no Programa de Governo, bem como a revisão do contrato de concessão do serviço público de rádio e de televisão, entre outros assuntos, como o da implantação da televisão digital terrestre.

3. Teria sido mais útil uma abordagem integrada do objectivo de reestruturação da RTP, SGPS, que permitisse discutir as várias dimensões da inserção do operador de serviço público no contexto do sector audiovisual.

4. Nota-se que o anteprojecto da Proposta de Lei surgiu pouco mais de um mês depois da aprovação, em 22 de Setembro p.p., pelo Conselho de Administração da Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA de uma deliberação relativa à reestruturação institucional do grupo, ainda sob a orientação do chamado projecto “Fénix II” e com objectivos e metas muito claros.

5. O surgimento “desgarrado” do referido anteprojecto pode traduzir-se numa intervenção avulsa, quando, pelo contrário, deveria assentar numa estratégia clara para o serviço público em todas as suas dimensões e implicações, inclusivamente de natureza económico-financeira.

6. Com efeito, o Governo deve libertar-se da obsessão de realizar uma gestão dos serviços públicos de rádio e de televisão como se de iniciativas privadas se tratassem. Por definição, o serviço público deve constituir uma referência para os demais operadores, não tendo – não devendo – competir com eles. Deve essencialmente prestar serviços livres da lógica mercantil baseada predominantemente nas audiências.

7. O Sindicato dos Jornalistas acompanhará com a maior atenção o processo legislativo e, especialmente, a aplicação da deliberação da Administração da RTP SGPS supra referida, particularmente no que diz respeito às suas implicações para os jornalistas e para a qualidade do seu trabalho.

III – Apreciação em concreto

1. Na Proposta de Lei (Art.º 2, n.º 3), o Governo garante a “plena autonomia editorial” dos serviços públicos de rádio e televisão, o que se saúda, em princípio, pois parece pôr em causa, e bem, a tendência de fusão orgânica e funcional de redacções e delegações.

2. Salienta-se, no entanto, a necessidade de tornar tal autonomia efectivamente expressa nos Estatutos. Em concreto, propõe-se o aditamento de um número ao artigo 4.º dos Estatutos que consagre o princípio da autonomia orgânica e funcional das redacções dos serviços de rádio e de televisão, traduzido na existência de quadros redactoriais próprios e na impossibilidade de utilização recíproca de criações jornalísticas, salvo mediante acordo e devida retribuição dos respectivos autores.

3. A Proposta de Lei (n.º 4 do Art.º 2) e a proposta de Estatutos (n.º 3 do Art.º 2) afastam a criação de empresas regionais encetada pelos governos suportados pela anterior maioria parlamentar, o que é positivo e se saúda. Deve ser assegurada a autonomia das redacções dos distintos serviços de rádio e de televisão.

4. Por outro lado, uma vez que os centros regionais da RTP e da RDP já se encontram – e continuarão a estar – dotados de elevado grau de autonomia, face à Direcção “central” de informação, quanto mais não seja na condução dos serviços informativos regionais, deve ser assegurado aos jornalistas o direito constitucional de participação na sua orientação.

5. Nestes termos, os Estatutos da RTP devem prever conselhos de redacção próprios para os serviços regionais de rádio e de televisão.

6. A Proposta de lei (Art.º 3, n.º 3) mantém a nomeação da Administração pelo Governo, ainda que através de um representante dos direitos do Estado.

7. O Sindicato dos Jornalistas tem defendido a nomeação da Administração pelo Parlamento, por maioria qualificada de dois terços, com mandato não coincidente com o da legislatura em que ocorra, e após audições aos candidatos e da obtenção de parecer do Conselho de Opinião.

8. Trata-se de uma via de desgovernamentalização da nomeação e legitima com maior clareza a parlamentarização mitigada do controlo da sua actividade que a proposta de diploma contempla (Art.º 5.º, n.º 1 dos Estatutos).

9. A Proposta de Lei (Art.º 5) mantém apenas um Conselho de Opinião, prolongando assim a visão da anterior maioria parlamentar.

10. O SJ gostaria de conhecer a avaliação da experiência de um CO único e considera que deve ser feita a ponderação com o eventual retorno baseado num CO para a rádio e outro para a televisão.

11. A Proposta corrigiu ligeiramente a noção de “responsabilidade pelos conteúdos” (Art.º 4, n.º 1 dos Estatutos), introduzida na versão de anteprojecto, que era inaceitável e ilegal, pois entendia que as competências dos directores não prejudicava as competências de outros órgãos, quando, na verdade, no que à informação diz respeito, só os directores podem ser responsáveis!

12. No entanto, a nova versão acrescentou um novo número – o n.º 2 – que carece de cabal esclarecimento quanto à natureza e limites das “orientações de gestão prosseguidas pelo conselho de administração”, sob pena de colocar em causa a independência dos directores.

13. A Proposta mantém afastada da norma legal a figura concreta do Director de Informação (idem, n.º 2).

14. O SJ tem defendido, em anteriores pareceres, a consagração expressa desse órgão. Como acontece na Lei de Imprensa, na qual aliás as normas sobre director e conselho de redacção preenchem o capítulo “Organização das empresas jornalísticas”.

15. A Proposta introduz uma forma mitigada de parlamentarização do controlo do mandato da gestão (Art.º 5, n.º1 dos Estatutos), apesar da nomeação do CA pelo Governo.

16. Insiste-se que, para a tornar mais consequente, deveria ser consagrada a designação da Administração, nos termos referidos no n.º 7.

17. A Proposta introduz uma audição anual dos directores no Parlamento (idem, n.º 2).

18. O SJ discorda destas audições, por representarem um risco de politização do controlo da actividade editorial. De resto, a Lei Fundamental já comete a uma entidade reguladora eleita pelo Parlamento a função de velar pela independência dos órgãos de informação detidos pelo Estado. E a proposta de Estatutos prevê igualmente a audição dos directores pelo Conselho de Opinião (alínea c), n.º 1 do Art.º 22.º)

19. São ainda introduzidas alterações na composição do Conselho de Opinião (Art.º 21.º dos Estatutos).

20. É positiva a exclusão de representantes do Governo, mas discorda-se do reforço da extracção parlamentar dos seus membros, que mantém o quase domínio de representantes do poder político (12 em 25, ou seja, quase metade!).

21. No caso da Assembleia da República, os seus representantes duplicam mesmo (de cinco para dez). Tal peso é incompreensível e inaceitável quando o diploma já prevê a parlamentarização do controlo da gestão.

22. Por outro lado, exclui os representantes eleitos pelos trabalhadores, o que se não pode aceitar, pois representa um retrocesso do seu direito de participação democrática no acompanhamento da acção da empresa.

23. Discorda-se igualmente do afastamento do representante do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, pois empobrece a capacidade colectiva de apreciação do desempenho dos serviços públicos, dada a ausência da contribuição da Universidade.

24. Discorda-se ainda da exclusão de um representante do sector cooperativo e social. Trata-se de uma realidade crescentemente importante na sociedade portuguesa que deve gozar pelo menos de paridade em relação ao sector privado da economia, o qual conta aliás com dois representantes no CO.

25. É manifestamente útil a inclusão de representantes das organizações de pessoas portadoras de deficiência e incapacidades, da juventude e da secção de organizações não governamentais do Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.

26. Mas já se questiona a manutenção de um representante das associações de protecção da família, por estar garantida a representação das associações de pais, e por a natureza, âmbito, representatividade e legitimidade democrática daquelas associações carecerem, em nosso entender, de ser adequadamente justificados.

27. Embora constasse do anteprojecto de Proposta de Lei, não se compreende por que razões desistiu o Governo da ideia original de indicar a designação de um representante o Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração, na medida em que a actual composição da população do território justifica uma atenção especial às comunidades e aos cidadãos estrangeiros que residem em Portugal.

28. Ainda que a proposta evolua da mera representação da confissão religiosa maioritária para a designação de um representante das principais confissões, a representação religiosa deveria ser afastada, pois, se os serviços públicos de rádio e de televisão assegurados num Estado laico, as suas preocupações de isenção e independência devem ser plenamente asseguradas num contexto de liberdade de culto, de pluralidade de confissões e de opção não religiosa de significativa porção da população.

29. As competências previstas na Proposta (Art.º 22, n.º 1) correspondem, no essencial, às que se encontram previstas no diploma em vigor (Lei n.º 33/2003, com redacção pela Lei n.º 2/2006, de 14 de Fevereiro), mas com uma diferença substancial radicada na alínea c) da supra referida disposição, porquanto pretende balizar as apreciações do CO às “bases gerais da programação e planos de investimento” e confere a este órgão a faculdade de ouvir “os responsáveis pela selecção e pelos conteúdos da programação e da informação” da Empresa.

30. O reforço desta competência é aceitável e, concomitantemente, torna excessivo o “controlo” dos “conteúdos” pelo Parlamento previsto no n.º 2 do Art.º 5.º).

31. No domínio das competências, e em coerência com o que ficou dito acima, o SJ defende que o CO deveria elaborar parecer prévio sobre o perfil e os curricula dos candidatos à eleição, pela Assembleia da República, para os cargos de administração.

32. Finalmente, e a bem da transparência, o diploma deve consagrar o princípio da publicidade do controlo exercido pelo CO, designadamente através da afixação dos respectivos pareceres no sítio da RTP na Internet e, ainda, da publicitação, por igual forma, de um relatório anual de actividades.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2006

A Direcção

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