Queixa de uma leitora contra o jornal Postal

Conselho Deontológico

Queixa nº 19/Q/2023

 

Queixa de uma leitora contra o jornal Postal

 

Natureza da queixa

A 02/09/23 o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD) recebeu uma queixa assinada por Marta Neves, que se identifica como “leitora do jornal regional Postal, de Tavira”, solicitando ao CD uma “análise para os conteúdos por eles publicados e denunciados por tantos leitores. Notícias falsas, difamações unilaterais contra hospitais, tudo mal escrito por miúdos e em língua brasileira [SIC]”. A leitura da queixa revelava ainda que “o diretor abandonou o jornal” e que ”há muito que deixaram de fazer notícias, agora é só lixo de publicidade, conteúdos patrocinados, falsas notícias e publicações de lixo, como por exemplo: ‘quer comunicar com o além? Pague esta aplicação’”. Concluindo que se trata de uma “vergonha”, a leitora pede mais uma vez a intervenção do CD.

Procedimentos

A 04/09/23 o CD enviou a Marta Neves a seguinte mensagem: “A queixa, tal como a enviou ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, estaria melhor dirigida à Entidade Reguladora da Comunicação, cuja esfera de atuação envolve a certificação dos próprios órgãos de comunicação social e respetivos diretores. O Conselho Deontológico, tal como o nome indica, analisa questões deontológicas na produção jornalística, pelo que, se entender reafirmar a referida queixa, deverá fazer acompanhá-la de um conjunto de artigos onde essas falhas, na sua perspetiva, sejam evidentes (dois ou três são suficientes) e concretizar, se possível, as falhas, ao abrigo do Código Deontológico dos Jornalistas. Deverá também enviar-nos os respetivos links, tratando-se de uma publicação online”.

A leitora respondeu a 22/09, enviando os seguintes links

https://postal.pt/sociedade/ja-pode-falar-com-jesus-cristo-maria-madalena-ou-ate-mesmo-adao-e-eva-por-apenas-299e/

https://postal.pt/sociedade/de-que-forma-as-casas-de-apostas-personalizam-promocoes/

https://postal.pt/saude/beba-estes-chas-se-quer-perder-peso-sem-esforco-de-forma-saudavel/

mas sem detalhar que eventuais falhas deontológicas estariam em causa.

A 25/09 o CD contactou também por meio eletrónico o diretor do jornal Postal, identificado no site do jornal como Henrique Dias Freire, com as seguintes questões:

– Como é que as peças identificadas pela leitora que fez a queixa se enquadram com o v/ Estatuto Editorial?

– No caso deste texto, e tratando-se de assuntos de saúde, que fontes são usadas?

– Apesar do v/ Estatuto Editorial não fazer qualquer referência ao sensacionalismo, existe no Postal a preocupação de o combater?

A 12/10/23 o CD voltou a contactar o diretor da publicação, que respondeu, prometendo enviar a informação solicitada nos dias seguintes. Tal não aconteceu.

Análise

Não estando em causa uma avaliação da simplicidade ou complexidade subjacente ao texto recebido, a análise da mesma fica prejudicada quer porque a queixa da leitora está incompleta, porque limitada a 3 links quer porque, das afirmações por si feitas, não se inferem diretamente falhas deontológicas (à luz do Código Deontológico), e também porque não obteve explicações por parte do diretor da publicação.

O CD entendeu, ainda assim, haver matéria para análise, tendo decidido não alargar a pesquisa.

Relativamente, ao primeiro link enviado pela leitora (“Já pode falar com Jesus Cristo, Maria Madalena ou até mesmo Adão e Eva por apenas 2,99€”), trata-se de uma notícia sobre uma aplicação informática, criada por Inteligência Artificial (IA), que “permite que os utilizadores escolham a personagem bíblica com que pretendem falar”. A peça é escrita num tom que parece noticioso e termina com esta advertência: “Em suma, enquanto celebramos as conquistas notáveis que a IA possibilita, é essencial reconhecer que a sua implementação também traz consigo desafios complexos. À medida que avançamos, é imperativo que encontremos maneiras de orientar o seu desenvolvimento de maneira ética e inclusiva”, conclusão que também o CD saúda. Ainda assim, o título e os primeiros parágrafos parecem credibilizar algo que na verdade não passa de um ‘diálogo’ com um chat de IA (como o chat GPT).

O segundo link (“De que forma as casas de apostas personalizam promoções?”) responde à questão do título da seguinte forma: “Por isso, não deve preocupar-se com os dados que uma casa de apostas recolhe para lhe conceder promoções personalizadas e melhorar a sua experiência”. À primeira vista trata-se de um texto com caráter pedagógico, ou pelo menos informativo, mas com apenas uma fonte ligada. Tratando-se de um tema bastante sensível, o recurso a fontes que credibilizassem as afirmações era o caminho correto. De outra forma, pode não passar de um texto de opinião, que aliás não está assinado. Nesta peça, ainda, há uma referência (no antetítulo) a ‘patrocinado’, mas não é claro quem é o patrocinador da peça. Se o patrocinador é uma casa de apostas, as conclusões acima anteriormente deixam ainda mais dúvidas.

Finalmente, a leitora escolheu a peça com o título “Beba estes chás se quer perder peso sem esforço de forma saudável”, que é baseada numa recomendação feita pelo “nutricionista Matheus Motta (…) em artigo ao portal Alto Astral”. A peça em causa não é muito diferente de centenas de outras que hoje se publicam, sobretudo na Internet, inseridas naquilo que se convencionou chamar “life style”. Apesar de se fazerem afirmações como “Os chás são excelentes aliados para quem está a tentar emagrecer”, sem referência a fontes, a peça é relativamente neutra.

 

Deliberação

Apesar do Postal continuar a publicar notícias relacionadas com o Algarve, abundam textos que se situam entre o ‘fait divers’ e o ‘life style’. O CD não tem, nem pode ter, qualquer posição sobre essa opção editorial dos responsáveis do Postal. Apenas alerta para a necessidade de recorrer ao máximo de fontes que sejam credíveis e credibilizem efetivamente as afirmações proferidas nos textos (“Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público”, artigo 1º do Código Deontológico), combatendo ao mesmo tempo o sensacionalismo (visível em alguns títulos, como o do primeiro link enviado pela leitora). Os textos analisados pelo CD revelam-se superficiais e, em temas como a saúde, merecedores de mais cuidado na sua execução.

O CD recomenda também que o Postal seja mais transparente na informação sobre conteúdos patrocinados.

O CD sugere ainda aos responsáveis do Postal que o acesso à leitura do Estatuto Editorial não seja menorizado através do link ‘política de privacidade’, que não permite essa associação imediata

Lisboa, 20 de Outubro de 2023

O Conselho Deontológico

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