Jornalista defina-se

A definição de jornalista é motivo de permanente controvérsia, suscitando discussões inconclusivas sempre que o SJ é chamado a pronunciar-se sobre o assunto. O Estatuto do Jornalista tem uma definição que não satisfaz, mas tem força de lei. Na altura do debate, Avelino Rodrigues elaborou um texto sob o título em epígrafe, que continua a valer como contributo para a caracterização profissional do jornalista,

1. DEFINIÇÃO SEMÂNTICA

A melhor definição de “jornalista” poderia ser assim : jornalista é o redactor de notícias. Toma-se aqui a notícia no sentido objectivo de “algo que começa a ser conhecido” (novidade) e não tanto no sentido mediático de “relato de um facto socialmente relevante.” Seria uma definição clara, mas muito genérica. Se quisermos caracterizar a actualidade da notícia, então diríamos: “jornalista é o redactor de efemérides” . Toma-se aqui a palavra efeméride no sentido semântico do original grego : algo que é efémero ou que dura um dia (heméra). Daí, a efemeris grega, já com o sentido de memorial ou registo quotidiano ou a nossa efeméride com o sentido de acontecimento do dia ou notícia diária. Da mesma palavra grega também nos ficou a hemeroteca e o hemerológio (calendário), mas o nosso jornal vem da raiz latina.

O nosso diário /quotidiano ou jornal equivale ao italiano giornale (adjectivo derivado do substantivo giorno/dia ou talvez já do adjectivo latino diurnale). Tanto o giorno (leia-se djorno com a pronúncia italiana ou brasileira) como a portuguesíssima jorna são evoluções populares do mesmo adjectivo latino diurnus e diurna , que por sua vez provém do radical clássico dies (substantivo que já no latim vulgar se transformou em dia). O primeiro jornal do mundo, criado por Júlio César em meados do séc. 1º antes de Cristo, chamava-se precisamente “Acta Diurna” (actos ou factos ou feitos diários). Do giorno italiano derivou o giornalista, como do nosso diário veio o diarista, que ninguém usa. Mas a jorna ou salário diurnal (que antigamente também se chamou jornal) não deu o jornal diário nem o jornalista – deu a jornada de trabalho do jornaleiro (o que trabalha nos campos e o que vende jornais). Só tardiamente é que o nosso jornal e o nosso jornalista vieram do giornale italiano, parece que através do journal provençal ou francês, primeiro como adjectivo (papier journal) e depois perdendo o papier para fixar-se como substantivo comum.

Semanticamente, o jornalista seria pois o redactor do jornal, que regista efemérides, notícias do dia, novas ou novidades. A definição serve para a imprensa escrita diária, mas não abrange a evolução da profissão, em especial nos meios audiovisuais e electrónicos.

2. DEFINIÇÃO FUNCIONAL

Uma definição profissional só poderá fazer-se a partir da função jornalística. Neste sentido, o jornalista é um profissional de informação (diária ou, pelo menos, de actualidade) que investiga ou trabalha factos e acontecimentos. Parece que está lá tudo, mas não é assim.

O investigador académico e o polícia da PJ também investigam factos e acontecimentos, embora com intuitos diferentes do jornalista. O cientista investiga-os para aprofundar conhecimentos e talvez guardá-los em segredo ou vendê-los a uma empresa, ou quanto muito, divulgá-los entre uma elite selecta, quando for oportuno. O detective investiga-os para apurar a responsabilidade criminal, fugindo à sua divulgação, por exigência do segredo de justiça. Por seu lado, o jornalista investiga os factos para a sua divulgação social, o que implica que o seu trabalho seja vertido em forma de mensagem imediata. E ainda não é tudo.

Também o publicitário e o propagandista trabalham factos e conhecimentos, com vista à sua divulgação, dando-lhes forma de mensagem. Só que na publicidade e na propaganda a mensagem é um meio ao serviço de fins externos, ou seja, ao serviço de interesses subjectivos que, por sinal, tendem a subjugar o público. Se o interesse é externo à mensagem, esta terá que ser adaptada ou mesmo distorcida até ser capaz de atingir o efeito que interessa ao investidor. Pelo contrário, no jornalismo a mensagem não é um meio ao serviço de interesses externos, ela já é objectivamente um fim, esgotando-se em si mesma, embora só ganhe sentido quando é assimilada na consciência do sujeito. A mensagem jornalística é uma mensagem objectiva, no sentido de que vale por si mesma, como imagem ou forma da realidade. Na sua forma acabada, a mensagem é essencialmente uma aproximação da verdade das coisas e, portanto, só é mensagem na medida em que é verdade.

O jornalista é um artífice humilde, porque sabe que procura um ideal talvez inatingível, tendo como defesa técnica o rigor da investigação e, como defesa moral, o desprendimento de interesses subjectivos. E assim se pode dizer que o jornalista trabalha para a objectividade da mensagem. Não trabalha a mensagem para servir os seus interesses pessoais nem para servir o interesse dos clientes. Nem sequer tem que satisfazer os interesses do público, que também não tem direito senão à verdade. Mas, estando ao serviço da verdade, como testemunha do que viu ou foi capaz de ver, o jornalista serve o direito do público à verdade dos factos. E por isso se diz que o jornalista procura a objectividade, enquanto o político ou o publicitário procuram condicionar subjectivamente o púbico para o consumo de produtos vendáveis.

Definido segundo a sua função no espaço público, o jornalista é um profissional (e não um amador sem enquadramento sociológico) de informação (e não de outras áreas do saber e da técnica) que trabalha ou manipula factos de interesse social (e não especificamente científicos ou comercias ou políticos, senão na medida do seu relevo social) dando-lhes forma de mensagem objectiva (que vale por si mesma e não para servir interesses subjectivos, como a publicidade e a propaganda) sob sua responsabilidade editorial (ou seja, responsabilizando-se pela verdade do conteúdo perante o jornal e o público) com  vista à divulgação nos meios de comunicação social ( ou seja, destinada ao espaço público e não  confinada a uma conferência especializada, a uma base de dados, a um relatório discriminado do cientista ou do detective). Assim, chegamos à nossa definição funcional:

Jornalista é o profissional de informação com responsabilidade editorial, que trabalha factos, acontecimentos e conhecimentos, com vista à divulgação em órgãos de comunicação social, sob a forma de mensagem objectiva.

 

Texto reproduzido com a autorização do autor

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