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O fascínio da notícia «on-line» — ainda mais rápida do que na rádio, onde há horários para a informação –, analisado por quem experimentou mudar para a net e gostou, não obstante a «ansiedade controlada» que tomou o sector. Um texto de Luís Sobral, que critica o à-vontade com que alguns média tradicionais «picam» informação nos digitais sem se darem ao trabalho de citarem a fonte.

«Estou a ligar-te só para te dizer que acabas de me estragar a manchete de amanhã». A confissão, entre irritada e conformada, provocou em mim um encolher de ombros sorridente. Afinal, era também para chegar primeiro que há uns meses decidira trocar oito anos num jornal tradicional e estável por um projecto novo e arriscado.

O telefonema, naquele dia, confirmava o que tinha podido constatar antes, embora menos vezes do que desejava, certamente mais do que a maioria esperaria de um jornal novo, feito por uma equipa pequena e sub-33: na internet andamos muitas vezes na cabeça do pelotão.

Esse é o fascínio para quem gosta de notícia. Só a rádio se assemelha e mesmo aí existem os noticiários com hora marcada e, como se sabe, as noticías «não escolhem hora certa». Por vezes sentimo-nos tão à frente que achamos velha à tarde uma informação da manhã.

Mas se é assim tão gratificante ser um «jornalista de internet», por que gastei os primeiros três parágrafos com uma história que, à primeira vista, se assemelha de forma grosseira com elogio em causa própria? Talvez porque muitos de nós continuem a duvidar.

Duvidar de quê? Da viabilidade dos projectos em que estamos envolvidos, claro. Mas também da própria vertigem da notícia, das vantagens do meio, da visibilidade da net, da credibilidade dos jornais «on-line». Nunca, em momento algum, da seriedade com que somos vistos pelos colegas dos meios tradicionais. Até porque quase todos acabam por ser jornalistas de net, tal a utilização que dão à tecla w do seu computador.

AS DÚVIDAS

A viabilidade financeira dos projectos «on-line» continua a ser como uma segunda pele que todos nós, os da net, vestimos. Compreende-se. Depois da euforia que fez profissionais com anos de carreira e licenciados entusiasmados mergulhar na world wide web, a ressaca. Aconteceu em momentos diferentes para projectos distintos, mas aconteceu. A todos um pouco.

Com dimensões e formas distintas, a internet encolheu-se. Todos sabem porquê. A uma conjuntura geral pessimista juntou-se o flop da nova economia, pelo menos como nós a conhecíamos há dois, três anos.

A conjuntura foi responsável pelo crescimento insuficiente (quando não decréscimo) das receitas publicitárias. A perda de fé na nova economia congelou investimentos ou desviou-os para outras áreas. Resultado: alguns projectos fecharam, outros efectuaram cortes e redimensionaram-se, não poucos ficaram por abrir.

Tudo junto, havia notícia. Hoje, até porque os índices económicos e financeiros não são agradáveis, persiste a ideia de crise no sector. Claro que as más notícias foram isso mesmo e ninguém tem o direito de tentar convencer um jornalista despedido, ou sequer desiludido, de que existe algo mais. Nem sequer é legítimo recordar as dificuldades que alguns meios tradicionais também não escondem.

No entanto, a verdade é que nem tudo têm sido más notícias. A taxa de penetração da internet em Portugal cresceu, os projectos jornalísticos «on-line», de uma forma geral, registaram aumentos de «page views», logo dimensão, mais gente a ver. Pode parecer estranho, mas continuou a haver crescimento. Mais experientes, os jornalistas desta área fazem cada vez melhor trabalho, também porque mais identificados com o meio. Alguns jornais apostaram em novas funcionalidades, novos «designs», novas ideias.

Os recentes atentados nos Estados Unidos provaram a força da informação «on-line», em Portugal e no Mundo, com a generalidade dos «sites» a submergir face a tamanha procura.

Tudo somado, fica a sensação de que era difícil ter feito melhor. Num sector novo, onde o jornalista por vezes não tem mais espaço e força que um programador ou «webdesigner», os projectos estão mais atraentes, têm maior qualidade. Não certamente por acaso, há cada vez mais pessoas a lê-los.

ANÚNCIOS DE DIFERENÇA

Mas no entanto as dúvidas subsistem. O sector vive, e vai viver nos próximos meses (anos?), num estado que caracterizaria de ansiedade controlada. Por um lado ansiosos por não ver o fim do túnel, por outro conscientes de que existe muita gente (nos mais diversos locais) a procurar descobrir a luz ao fundo.

A grande questão, para os jornalistas de net, é que nesta altura o sucesso do projecto em que estão não depende só deles. Qual a diferença em relação aos que trabalham em jornais, rádios e televisões? Anos de diferença. E também anúncios de diferença.

Nos dias bons, pensamos nos telefonemas que nos alimentam o ego jornalístico, no prazer de chegar longe, cada vez a mais gente, às vezes primeiro. Nos dias maus, desconfiamos de a razão ter chegado antes do tempo, com as dores conhecidas. A qualidade das edições e o número de pessoas a que chegam ainda não foi acompanhada pelo correspondente investimento publicitário, crucial num meio que oferece ao leitor o seu trabalho sem nada cobrar em troca. Entre uns e outros dias, concentramo-nos nas outras dúvidas, as verdadeiramente jornalísticas.

O acesso às fontes, por exemplo. Como muitas vezes, o futebol funcionou um pouco como espelho. Com apenas dois meses de existência, o Maisfutebol ficou à porta de um estádio, por não ser reconhecido como órgão de informação. Jornalistas com carteira profissional ficaram à porta de um estádio. Mas foi o suficiente. Nunca mais aconteceu.

Hoje ainda subsistem organizações que não disponibilizam informação para jornais «on-line», mas o número é diminuto. Mesmo marcas especificamente net, como Diário Digital, PortugalDiário ou Maisfutebol são reconhecidas como projectos jornalísticos. Óbvio? Hoje talvez, há escassos meses não. Tudo por causa da natureza da internet, onde cada pessoa pode colocar o que bem entende, com a confusão que se compreende.

Todos nós, os da net, estamos conscientes de que temos alguma responsabilidade na aceleração da notícia. Porque vasculhamos constantemente os «sites» em outros pontos do Globo, mas também porque a tentação de recolher a informação e escrevê-la de imediato é enorme. Por vezes, a vantagem do meio é a sua desvantagem e todos sabemos como é difícil escapar a algumas tentações.

Por entre as dúvidas e a ideia instalada de crise, há sinais encorajadores. Como o «Público», um dos primeiros a constituir uma redacção autónoma e a editar no papel artigos assinados por fulano de tal, público.pt. Um sinal evidente de respeito pelos profissionais da edição «on-line» e um reconhecimento do seu trabalho. Importante também pelo exemplo. Pode parecer estranho, mas nas redacções «tradicionais» ainda há quem olhe para os jornais começados por www como instrumentos de trabalho e por isso se dispense de citar a origem da fonte. O que, enfim, vem provar que nem só a internet carece de alguma regulação.

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