SJ envia carta de protesto à Embaixada dos EUA em Lisboa

O Sindicato dos Jornalistas (SJ), à semelhança de muitos outros sindicatos de jornalistas em todo o mundo, entregou a 7 de Abril uma carta na Embaixada dos Estados Unidos da América em Lisboa, em protesto pela impunidade das mortes de jornalistas no Iraque.

A carta foi elaborada pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) e assumida pelos sindicatos que se associaram à campanha de 8 de Abril. Também a Federação Europeia de Jornalistas (FEJ), na sua assembleia anual, a 3 e 4 de Abril, aprovou uma resolução reiterando a condenação das mortes e raptos de jornalistas no Iraque.

Publica-se na íntegra, e na versão em Português, a carta que foi entregue na Embaixada dos EUA, dirigida a Adrienne S. O’Neal, Chargé d’Affaires ad interim, por ausência de Embaixador em Lisboa:

Em nome dos jornalistas de Portugal, representados pelo Sindicato dos Jornalistas, vimos por este meio dar conta da nossa preocupação sobre o papel dos Estados Unidos na crise de impunidade relativa às mortes de jornalistas e pessoal dos média no Iraque.

Todos os anos muitos jornalistas e profissionais dos média são assassinados, muitos dos quais devido à acção de criminosos e terroristas impiedosos. Segundo a Federação Internacional de Jornalistas, o ano passado foi um dos piores de sempre, com mais de 130 jornalistas e pessoal dos média mortos.

Infelizmente, em muitos destes casos pouco pode ser feito e apoiamos plenamente os esforços de países democráticos em proteger os civis de actos indiscriminados de violência.

Porém, hoje, no segundo aniversário do ataque de forças dos Estados Unidos ao Hotel Palestina, em Bagdade, queremos recordar um acontecimento que tem vindo a simbolizar a impunidade dos ataques a jornalistas e profissionais da comunicação no Iraque e em todo o mundo.

Os próprios Estados Unidos são acusados de não cumprirem as suas obrigações de fazer justiça e tratar dignamente as vítimas da violência dos seus próprios soldados.

O ataque ao Hotel Palestina levou à morte de dois jornalistas, José Couso, do canal espanhol Telecinco, e Taras Protsyuk, um operador de câmara ucraniano ao serviço da Reuters. Na mesma manhã, forças dos Estados Unidos atacaram as instalações da Al-Jazeera em Bagdade, matando o repórter Tareq Ayoub.

Nenhum destes ataques foi investigado de forma independente, nem as mortes por eles causadas foram devidamente explicadas aos familiares, amigos e colegas das vítimas.

Neste dia, também, recordamos 11 outros casos que envolvem jornalistas e pessoal dos média mortos desde Março de 2003 às mãos de soldados dos EUA. Em todos estes 14 casos, a odisseia de familiares e amigos prossegue, enquanto esperam por uma investigação credível e relatórios honestos por parte das autoridades sobre a forma como e por que morreu quem lhes era querido.

E não morreram apenas correspondentes estrangeiros. Aliás, dois anos após a invasão do Iraque, a dor deste conflito é profundamente sentida por jornalistas e pessoal dos média, sobretudo entre os profissionais iraquianos, que vivem nas sombras de uma profissão que, além de relatar a guerra, é uma das suas principais vítimas.

Hoje, o Sindicato dos Jornalistas junta-se aos jornalistas do Iraque e a outros grupos de jornalistas de todo o mundo num protesto contra a impunidade continuada do assassinato de profissionais da comunicação social.

Não conseguimos compreender o falhanço dos Estados Unidos, que sempre actuaram em nome da democracia e da defesa dos direitos humanos, em levar a cabo uma investigação adequada e independente a incidentes que envolveram os seus soldados.

Acreditamos que não basta os militares realizarem investigações internas.

Os relatórios sobre as mortes realizados até ao momento pelos Estados Unidos – e em alguns casos nem sequer se produziram relatórios – seguem o mesmo padrão pouco convincente: o segredo é preferido ao detalhe e à natureza do relatório, não se examinam todas as provas, há desconsideração e um arrependimento cruelmente insensível, além de uma total exoneração de responsabilidade do pessoal norte-americano em todos os níveis de comando. Não têm credibilidade e configuram uma negação de justiça a uma escala chocante.

Vimos, por exemplo, o relatório do Pentágono de Novembro de 2004 sobre o ataque ao Hotel Palestina e, como outros grupos de defesa da liberdade de imprensa, como o Comité para a Protecção dos Jornalistas, de Nova Iorque, consideramo-lo com falhas e pouco convincente.

Não podemos aceitá-lo como última palavra sobre este lamentável incidente. Solicitamos aos Estados Unidos que honrem o seu compromisso para com a democracia, os direitos humanos e a justiça para todos, revelando toda a verdade em todos os casos em que profissionais da comunicação social foram mortos em circunstâncias ainda por explicar.

Junto enviamos uma lista de casos que devem ser sujeitos a análise pelas autoridades dos Estados Unidos. Todos eles precisam de ser sujeitos a um processo de investigação convincente, envolvendo a avaliação exaustiva das provas relevantes e a revelação total dos testemunhos.

Muitos dos jornalistas que morrem todos os anos são alvo de extremistas cruéis, com os quais é impossível apelar à moral. Condenamos sem reservas esses ataques e as pessoas por detrás da actual onda de sequestros que levou ao rapto dos nossos colegas Florence Aubenas, do “Libération”, e do seu motorista, e dos repórteres romenos Marie Jeanne Ion, Sorin Dumitru, Ovidiu Ohanesian e do seu guia iraquiano.

Iremos fazer uma campanha vigorosa pela sua libertação e pela identificação, prisão e julgamento de todos os responsáveis pelo assassinato e rapto de jornalistas.

No entanto, também usamos esta oportunidade para pedir aos Estados Unidos que actuem na defesa das suas tradições de liberdade e justiça, respondendo às preocupações dos jornalistas de todo o mundo acerca da não assumpção de responsabilidade pelas mortes de jornalistas e pessoal dos média no Iraque.

Uma resposta imediata e convincente às questões levantadas por estas mortes irá acabar com a especulação sobre o alvejar de jornalistas e fornecerá provas irrefutáveis, para os jornalistas iraquianos e para o povo do Iraque, de que a democracia que está a ser criada pretende fazer justiça para todos.

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