Ser jornalista é um privilégio a usar com rigor, disse Ana Sousa Dias ao receber o Prémio Gazeta 2003

“Ser jornalista é ter um acesso directo aos que fazem o mundo acontecer e ter a possibilidade de contar as novidades aos outros. É um privilégio, é assim que o entendo, e deve ser usado com sensibilidade e rigor” – afirmou Ana Sousa Dias na cerimónia de entrega do Prémio Gazeta 2003, a 13 de Setembro, que lhe foi atribuído pelo programa “Por Outro Lado”, que conduz desde Janeiro de 2001, na RTP 2.

Ao agradecer a distinção, Ana Sousa Dias deu de certo modo a receita do sucesso do seu programa ao sublinhar que os jornalistas nunca devem perder de vista que são “os contadores da história”. “Como numa música ou num texto literário, a técnica deve estar toda lá dentro mas deve ser invisível, tal como nós próprios temos de ter em conta que o nosso papel é acessório. Esta é a forma de fazer jornalismo da larga maioria dos jornalistas, dos que não são reconhecidos na rua, dos que não se colocam nos bicos dos pés mas que diariamente estão no cerne da nossa profissão – a notícia. Boa ou má, a notícia é essencial para que nós todos, cidadãos, possamos tomar decisões”.

Sem passagem de testemunho

A premiada com o Prémio Gazeta 2003 lembrou os primeiros passos dados no jornalismo, já lá vão 30 anos, numa altura em que “não existiam cursos superiores de jornalismo em Portugal”, pelo que a aprendizagem se fazia “na redacção, no dia-a-dia”, sob a orientação dos “mais velhos”. A evocação – uma tocante homenagem a quantos lhe mudaram “os poréns”, lhe “riscaram os textos” e a obrigaram a “reescrevê-los”, dando-lhe o saber que agora aplica na sua profissão -, levou Ana Sousa Dias a lamentar que os últimos anos tenham sido “marcados nas redacções pelo precipitado afastamento dos ‘mais velhos’ que eram, como em todas as profissões e actividades humanas, os garantes da passagem do testemunho”.

“Fica mais caro pagar um redactor ou um copy-desk experientes, capazes de dizer não a uma ordem errada, de resistir a pressões exteriores e de corrigir erros, do que a cinco estagiários que, mesmo que sejam óptimos, são substituídos por outros cinco daí a uns meses”, sublinhou a jornalista.

Deplorando que das universidades estejam a “chegar às redacções jovens preparados à luz dos melhores princípios mas que, em muitos casos, ficam pendurados em situações precárias e começam a profissão a fazer o que aprenderam que não deve ser feito”, Ana Sousa Dias fez notar que “o problema é que o preço mais alto está a ser pago por todos: está na perda da qualidade do resultado, na quebra das regras mais simples e sensatas, numa espécie de mata-e-esfola do pior que a actualidade nos traz”.

Procurar o caminho

Num tempo em que se tornou banal dizer mal dos profissionais dos média, Ana Sousa Dias fez questão de salientar que, se é verdade que “há culpas e erros, saltos para fora dos limites das regras deontológicas”, não é menos verdade que “as responsabilidades não são só de alguns maus da fita” e que a irresponsabilidade está “na base de muitos dos problemas, funciona como mancha de óleo que alastra e parece definitiva”.

Reconhecendo que “por cima dos critérios jornalísticos paira a exigência de cumprimento de metas de audiências”, Ana Sousa Dias considerou que esse é um critério com que no fundo todos estão de acordo. As divergências, disse, são quanto à maneira de lá chegar: “Pelos escândalos e a exploração dos comportamentos mais primários? Por caminhos complicadíssimos, chatíssimos e indecifráveis de uma suposta cultura hiper-selectiva? E que tal procurar tornar simples as coisas mais complexas e extraordinárias da humanidade?”.

Para a vencedora do Prémio Gazeta 2003, a questão está em conseguir “encontrar o sentido” do que se faz, descobrir “o caminho que avança por entre as armadilhas e desgraças de que a nossa profissão fatalmente se alimenta, ver para lá do que está mesmo à frente dos olhos”.

Congratulando-se por ter como companheiros dos Prémios Gazeta um jornalista da sua geração, Carlos Fino, e uma jovem, Liliana Garcia, “que encontrou na redacção do Jornal do Centro, também premiado, condições para exercer a profissão com qualidade, entrega e criatividade”, Ana Sousa Dias referiu-se ainda à sua condição de jornalista freelance – um “estatuto que não é compreendido nem aceite por muitos dos nossos pares” -, não para falar de “coisas desagradáveis” mas para sublinhar o apoio recebido por quantos têm tornado possível o seu trabalho e nele colaboram.

Sampaio apela ao equilíbrio entre média e Justiça

A cerimónia de entrega dos Prémios Gazeta contou com a presença do Presidente da República, Jorge Sampaio, que apelou a todos os jornalistas portugueses para que procurem um “novo equilíbrio” na relação entre os média e a Justiça, considerado fundamental “para a saúde da democracia”.

“O que mais interessa é ter verdade, debate e pluralismo”, afirmou o chefe de Estado, sublinhando a necessidade de os jornalistas distinguirem “o que é facto, notícia e opinião”.

Jorge Sampaio sublinhou ainda a importância da imprensa regional como “alternativa” no desenvolvimento das cidades médias, contribuindo para a “qualificação do país no seu todo”.

Para além de Ana Sousa Dias, que recebeu um prémio monetário de 20 mil euros, o júri distinguiu o jornalista Carlos Fino, que recebeu o Prémio Gazeta de Mérito pela sua carreira, na qual sobressaem as reportagens da guerra no Iraque para a RTP, e Liliana Garcia, a quem foi atribuído o Prémio Gazeta Revelação, pelo artigo “Prisioneiros da Serra Sobreviveram com Gelo e Laranjas”, publicado no “Jornal do Centro”, órgão que arrebatou o Prémio Gazeta de Imprensa Regional.

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