Sabemos demasiado ou demasiado pouco sobre o que se passa?

O caso das escutas levadas a cabo pelo “News of the World” que tem agitado as águas mediáticas nas últimas semanas tem levado responsáveis de diversas organizações de defesa da liberdade de imprensa a reflectir acerca da ética jornalística, do conceito de interesse público e de princípios como a transparência e a prestação de contas em sociedades democráticas.

Segundo o Instituto Internacional de Imprensa (IPI), quando jornalistas são acusados de falsificar notícias ou fontes, a descredibilização geral que isso acarreta prejudica não só todos os jornais e toda a classe como também a própria luta pela liberdade de imprensa, pois “com demasiada frequência, os governos e outros actores destacam a baixa qualidade do jornalismo e a necessidade de proteger o público como motivos para limitar os direitos dos meios de comunicação”.

Porém, como adverte John Kampfner, dirigente da Index on Censorship, se se impuserem mais obstáculos ao jornalismo de investigação “os únicos beneficiados serão os poderosos e aqueles que tenham algo a ocultar”, lembrando as “imaginárias armas de destruição massiva de Tony Blair ou as práticas drásticas dos banqueiros” e apelando ao questionamento: “Como sociedade, sabemos demasiado ou demasiado pouco sobre o que se passa?”.

As escutas telefónicas são apenas um dos muitos métodos censuráveis que os jornalistas de investigação usam para desenterrar actos indevidos. Por isso, o que é necessário, segundo a Index on Censorship, é prestação de contas e uma definição adequada de jornalismo pelo interesse público.

Citando o especialista em ética dos media Bob Steele, Rohan Jayasekera, da Index on Censorship, diz que as organizações noticiosas devem aplicar uma prova de seis pontos para decidir se o “o dever ético do jornalista em revelar verdades importantes” justifica quebrar a lei.

São eles: a informação é de interesse público vital, isto é, revela uma grande falha do sistema ou impede danos profundos em indivíduos?; todas as outras alternativas de obter a mesma informação foram analisadas e esgotadas?; o jornalista está disposto a revelar os seus métodos e as razões para as suas acções, incluindo a violação da lei?; o jornalista e o órgão estão decididos a dedicar o tempo e o dinheiro necessários em ir atrás da história de forma total e justa?; foram pesadas todas as potenciais consequências positivas e negativas em todos os interessados?; o jornalista e a organização noticiosa estão dispostos a acarretar com as consequências que a investigação lhes pode trazer a eles, à profissão e à opinião pública?

E, nos casos em que haja conflitos, os tribunais devem decidir o que é interesse público e o que meramente interessa ao público, caso a caso, como tem acontecido. “A tarefa que se coloca à investigação é ajudar a fomentar um novo jornalismo como um desafio intrépido e doloroso para a autoridade, que cometa erros, que saia dos limites, irrite e ofenda, mas ao qual seja possível pedir contas pelas suas acções”, afirmou John Kampfner.

Três questões fundamentais

Para o Presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia, o caso “News of the World” coloca em discussão “três vertentes fundamentais – a das práticas profissionais; a concentração da propriedade dos meios de informação; e as relações entre os media e o poder político e a polícia”.

“A primeira vertente – refere – põe em evidência o problema do recurso a métodos ilícitos e desleais, como as escutas telefónicas, usados aliás em larguíssima escala neste caso e atingindo pessoas de estratos diferentes, de crianças anónimas a altas figuras do Estado”.

Uma situação que segundo Alfredo Maia não se regista em Portugal: “Gostaria de tranquilizar os portugueses, garantindo que tais métodos de recolha de “informação” não são usados entre nós e que as práticas tablóides de países como a Inglaterra não fazem parte da nossa cultura. No entanto, é conveniente uma vigilância permanente – pelos jornalistas e pelos cidadãos – face a riscos de deriva impostos pela luta desenfreada pelas audiências”.

Para o dirigente do SJ, a segunda vertente “sublinha os riscos da concentração da propriedade dos meios de informação, até para os próprios grupos”. “É já manifesto – diz Alfredo Maia – que o escândalo terá repercussões ainda incalculáveis sobre o gigantesco grupo – aliás de escala planetária – do sr.Murdoch, designadamente pela desconfiança gerada pelo escândalo na opinião pública, que receia estar a ser instrumentalizada por métodos desleais”.

Finalmente, sublinha, a terceira vertente “relaciona-se directamente com a última: a concentração da propriedade de meios de informação, ainda por cima na dimensão do super-grupo News Corporation, e a ligação promíscua nomeadamente com o poder político, representa um extraordinário poder de intervenção no espaço público (neste caso, insiste-se, à escala planetária), ou seja, um real poder de influência sobre larguíssimos milhões de pessoas.”

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