Queixa do jornalista Carlos Ferro sobre direito ao bom nome profissional

 

Conselho Deontológico

Queixa nº 5/Q/2025

Queixa sobre reportagem da SIC intitulada “Jornal Tal&Qual usado para difamar e denegrir”

 

A queixa:

O Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas recebeu uma queixa do jornalista do Diário de Notícias (DN) Carlos Ferro sobre a reportagem “Jornal Tal&Qual usado para difamar e denegrir”, que foi transmitida no decurso do Jornal da Noite do canal de televisão SIC, no dia 1 de maio de 2025. O queixoso pede ao CD que analise o teor da investigação transmitida pela SIC.

Carlos Ferro (CF) considera-se atingido por essa reportagem e afirma na sua queixa: “A determinada altura, é feita uma referência ao DN e em que o meu nome surge visível, numa atitude que considero colocar em causa o meu profissionalismo e a minha ética profissional”.

 

Procedimentos:

  1. Os membros do CD visionaram a reportagem dos jornalistas Pedro Coelho, Filipe Teles e Micael Pereira transmitida pela SIC no dia 1 de maio de 2025.
  2. O coletivo do CD começou por dirigir um mail ao queixoso para confirmar se este tinha sido contactado pelos jornalistas da SIC responsáveis pela reportagem, apesar de CF afirmar na sua queixa: “Nunca fui contactado por nenhum dos autores da Investigação. O que não me parece, no mínimo, ético”, apesar de ser o seu trabalho “que estava em causa nessas imagens” e de ser o seu nome que está visível na reportagem “Jornal Tal&Qual usado para difamar e denegrir”.
  3. Em paralelo, o coletivo do CD retomou a discussão interna sobre os pedidos de escusa que tinham surgido quando Carlos Teixeira enviou uma queixa ao CD sobre uma reportagem assinada pela mesma equipa de jornalistas da SIC, sobre quem estava por detrás do “World Opportunity Fund (WOF) que controlava o Global Media Group”.

Os três elementos do CD que trabalharam ou trabalham no grupo Impresa e no Diário de Notícias mantiveram a determinação de manterem o pedido de escusa, mas isso não inviabiliza que estes elementos deem algum contributo para agilizar o andamento da análise redigindo, nomeadamente, pedidos de esclarecimento que seriam enviados ao jornalista queixoso e aos jornalistas visados pela queixa em que CF se sente lesado no direito ao bom nome profissional porque a sua assinatura na entrevista que realizou à então presidente da Câmara Municipal de Portimão, Isilda Gomes, surge numa das página do Diário de Notícias que foi exibida pela SIC na reportagem.

  1. No dia 9 de maio, o CD enviou seis perguntas aos três jornalistas responsáveis pela reportagem transmitida pela SIC e publicada pelo semanário Expresso; uma delas visava obter esclarecimentos sobre o que consideravam ser uma “entrevista simpática”.
  2. No seguimento das perguntas enviadas pelo CD, os jornalistas Pedro Coelho, Micael Pereira e Filipe Teles pediram acesso ao teor da queixa de CF (como é de seu legítimo direito) e teceram alguns comentários sobre o dever de alguns elementos do CD pedirem escusa, o que já tinha sido decidido por esses três membros – entre os quais a presidente – e aceite pelo coletivo.
  3. O trabalho de análise e redação das conclusões ficou inicialmente atribuído a um elemento do CD que viria a pedir escusa posteriormente, por trabalhar no grupo Media Capital que também é referido na reportagem.
  4. Em nome da transparência de procedimentos o coletivo do CD decidiu mencionar todos os pedidos de escusa por eventuais incompatibilidades e as dificuldades que redundaram num atraso da análise deste processo.

 

Contexto:

  1. A divulgação da investigação na SIC, também publicada no jornal Expresso, motivou uma Nota da Direção do DN, no dia 2 de maio. A direção deste jornal considerou que tinham sido feitas “insinuações graves” que justificavam uma tomada de posição, apesar de estar em causa uma entrevista publicada durante o mandato da direção anterior. A direção do DN referiu que, mais de dois anos depois, desconhecia “se a entrevista em causa partiu de alguma proposta” recebida pelo jornal, acrescentando: “Mas basta ler o texto para constatar que teve – e continua a ter -interesse e relevância do ponto de vista jornalístico.”
  2. O mesmo trabalho de investigação originou ainda um Direito de Resposta da TVI/CNN, por força da Deliberação ERC/2025/227 (DR-TV), de 9 de julho, em que a empresa rejeitou “em absoluto as informações e insinuações tecidas a seu respeito pelos jornalistas e terceiros”: “Se a SIC tivesse feito o que lhe era deontologicamente exigível, ou seja, tivesse procurado a reação da TVI sobre o que se preparava para divulgar, teria tido, a tempo e horas, uma resposta que evitaria a propagação de informação falsa e caluniosa”, acrescenta.

 

Análise:

  1. A reportagem de investigação emitida pela SIC mostra uma página do Diário de Notícias com uma entrevista assinada por Carlos Ferro à então presidente da Câmara de Portimão, Isilda Gomes. Os autores da reportagem mencionaram na peça que esta entrevista era “simpática” para a autarca de Portimão, na altura em que é mostrada a página do DN com a assinatura do jornalista Carlos Ferro, que afirma na queixa que dirigiu ao CD sentir-se atingido no seu bom nome profissional.

Carlos Ferro acrescenta: “Em momento algum desta parte da investigação se refere que a entrevista, publicada a 4 de outubro de 2022, teve como objetivo falar com a pessoa que no dia 5 desse mês ia tomar posse como presidente da Comissão da Comissão de Recursos Naturais do Comité das Regiões na Comissão Europeia”, sendo este o motivo que invoca para a publicação da entrevista a Isilda Gomes. Carlos Ferro sentiu-se atingido por considerar que a equipa de jornalistas que assina a reportagem emitida pela SIC e, posteriormente publicada no Expresso, tentou estabelecer um nexo de causalidade entre essa entrevista e um contrato celebrado entre a então presidente da Câmara de Portimão e um empresário de uma empresa de assessoria de comunicação que viria a ter ligações ao DN posteriormente.

  1. A equipa de jornalistas que assina a reportagem emitida pela SIC respondeu às questões enviadas pelo CD no dia 20 de maio, começando por afirmar: “As dúvidas do CD sobre o nosso trabalho, que resultam da queixa apresentada pelo nosso camarada Carlos Ferro, são legítimas e, pela nossa parte, temos todo o interesse em esclarecê-las”. Perguntaram quem iria ser o relator responsável pela queixa, atendendo às possíveis incompatibilidades que o CD já havia discutido e menciona no ponto 3.
  2. Os jornalistas da SIC/Expresso dizem também: “Carlos Ferro não é o visado da investigação e, por isso, não foi contactado. Segundo o ponto 1 do Código Deontológico do Jornalistas, “os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso.” E o que “noticiámos foi a existência de uma entrevista no período em que José Paulo Fafe prestou serviços a Isilda Gomes, que nos foi alertada pela própria em “on”, não tecendo qualquer consideração sobre o autor ou sobre a forma como a entrevista surgiu”, referem os jornalistas que assinam a reportagem.
  3. Na perspetiva dos autores da reportagem, “em causa não estava a credibilidade e reputação de Carlos Ferro, mas o acesso que Luís Bernardo e José Paulo Fafe tinham aos órgãos de comunicação social do grupo Global Media”, acrescentando que tais factos “foram largamente comprovados” ao longo da investigação: “Esse acesso, registe-se, pode ser feito de muitas formas que nada têm que ver com o jornalista Carlos Ferro, nem mesmo em relação à entrevista” citada na investigação, disseram.
  4. Os autores da reportagem SIC/Expresso referem ter noticiado na investigação “a existência de duas notícias da TVI/CNN e do i muito semelhantes ao caso do DN”, explicando que também não pediram o contraditório das jornalistas em causa porque não eram as pessoas visadas pela investigação.
  5. Posteriormente, o CD perguntou a Carlos Ferro se a entrevista a Isilda Gomes foi realizada na sequência de uma proposta do jornalista ou por sugestão da chefia hierárquica? O jornalista do DN respondeu afirmando: “Não existe, nem nunca existiu, qualquer interferência editorial no DN por parte da chefia hierárquica, quer direta quer indireta. Faço notar inclusivamente que o Sr. José Paulo Fafe só veio a integrar o órgão de administração da entidade proprietária doa publicação periódica em 6/09/2023, portanto, um ano depois da entrevista em causa ter sido publicada.”

 

Conclusão:

  1. Face às respostas dos autores da investigação, o jornalista Carlos Ferro – cujo nome não é enunciado verbalmente, mas apenas exibido como autor da entrevista publicada pelo DN – surge como suspeito de executor, voluntário ou involuntário, de uma promessa de acesso ao jornal resultante de um contrato entre o consultor e a câmara de Portimão, porque a então autarca, Isilda Gomes; afirma em ‘on’ – no decurso da reportagem – que o consultor José Paulo Fafe lhe ofereceu a publicação de artigos no T&Q e pelo menos um no DN.
  2. Durante a vigência do contrato do consultor José Paulo Fafe com a Câmara Municipal de Portimão, a entrevista de Carlos Ferro foi o único trabalho sobre Isilda Gomes publicado pelo DN, de acordo com a reportagem da SIC. Isto, independentemente de a entrevista realizada pelo jornalista, com aquelas ou outras perguntas, ter a justificação editorial de que a autarca iria assumir funções no âmbito do Comité das Regiões no dia seguinte à sua publicação.
  3. Ao verificarem que a entrevista de 4 de outubro de 2022 foi o único trabalho sobre Isilda Gomes publicado no DN durante a vigência do contrato do consultor com a Câmara Municipal de Portimão, os três jornalistas que assinam a reportagem emitida pela SIC optaram por acusar indiretamente outro jornalista de participação consciente ou inconsciente na execução do já mencionado contrato.

 

Recomendação

  1. O CD reconhece a relevância da investigação assinada pela equipa de jornalistas da SIC/Expresso, mas também reconhece o direito de Carlos Ferro se sentir lesado no seu bom nome profissional, por ver o artigo que assina à cabeça do texto ser mencionado sem o devido enquadramento do contexto em que foi realizada a entrevista. O CD reconhece como válidas as razões que Carlos Ferro para se sentir atingido o seu bom nome e ética profissional.
  2. O CD entende que a equipa de jornalistas que assina a reportagem SIC/Expresso deveria ter ouvido a posição do jornalista queixoso Carlos Ferro, nos termos do ponto 1 do Código Deontológico referente à audição das “partes com interesses atendíveis no caso”.
  3. O CD recomenda à equipa autora da reportagem de investigação que contacte o jornalista do DN para tentar dirimir um conflito entre camaradas de profissão em que todos tinham subjacente a intenção de fazer um trabalho rigoroso.
  4. O CD entende que a formalização de um contacto entre as partes pode colmatar o facto de Carlos Ferro não ter sido contactado pelos seus pares como deveria ter acontecido, de acordo com o artigo 1º do Código Deontológico dos Jornalistas.
  5. O CD recomenda à equipa autora da reportagem SIC/Expresso que dirija um pedido de desculpas a Carlos Ferro, justificando claramente que a reportagem não procurava atingir o bom nome do jornalista do Diário de Notícias.

 

Lisboa, 8 de outubro de 2025

 

O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

 

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