OSCE apresentou “caixa de ferramentas” para a segurança dos jornalistas

A Organização para a Segurança e Cooperação Europeia (OSCE) apresentou uma caixa de ferramentas para a defesa dos jornalistas, revelada durante a conferência “A democracia e a segurança dos jornalistas”. Organizado pelo CoLabor, em parceria com o Sindicato dos Jornalistas, o encontro juntou, em Lisboa, especialistas nacionais e europeus em questões dos media, num debate sobre as ameaças à profissão, aos profissionais do setor e à sociedade.

Goran Tanevski, assistente de projeto da OSCE, abriu a “toolbox”, uma ferramenta em atualização permanente e que será tanto melhor quanto mais contributos tiver, e apresentou um microsite sobre a segurança dos jornalistas. Cecilia Lagomarsino, responsável do Projeto de Liberdade dos Media da mesma organização, explicou como se chegou a esta caixa de ferramentas e sublinhou o cuidado que a organização teve em cobrir todos os ângulos.

Tânia Morais Soares, diretora do Departamento de Análise de Media e Unidade de Literacia Mediática da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), disse que “toolbox” é uma “ferramenta orgânica que se faz com a atualização continuada”. É fundamental que “ajude o jornalista a perceber, rapidamente, estando num cenário de guerra, como pedir ajuda e quem o pode socorrer, por exemplo, ou que mecanismos tem do ponto de vista legal” em casos de assédio.

“Não temos problemas de perseguições, agressões e mortes, mas há sinais de alarme”, disse Pedro Coelho, jornalista da SIC. “Esta caixa de ferramentas é importante, temos de pensar na segurança dos jornalistas”, acrescentou, lembrando que um partido com assento parlamentar “normalizou o discurso de ódio nas redes sociais, contaminou a política e assim a sociedade”.

Liberdade dos media contribui para a segurança das pessoas

Teresa Ribeiro, representante no Fórum Liberdade dos Media na OSCE, sublinhou que “a liberdade dos media é um elemento constitutivo de segurança” mundial. “A liberdade dos media e de informação são importantes para a confiança das pessoas, o que diminuiu os conflitos, promove a segurança e a democracia”, acrescentou.

Por isso, sublinhou, a “liberdade dos media é um alvo prioritário dos populistas”, que usam a descredibilização dos jornalistas para “calar as críticas”. Nos EUA e na Suíça, a credibilidade dos media está a ser atacada por fundos financeiros abutres, que compram órgãos de comunicação social (OCS) credíveis. “Não é para fazer negócio, é um investimento em bens que não são tangíveis”, observou Teresa Ribeiro, alertando que o mundo está na “terceira fase da autocratização”. Atualmente, “71% da população mundial vive em regimes autocráticos”, sublinhou a representantes da OSCE.

Com um gráfico, a diretora-executiva da “Free Press Unlimited”, Ruth Kronenburg, mostrou o mesmo número, referente a 2023, e fez uma comparação com o estado do mundo atual. “Em 2023, 50% das pessoas viviam em regimes autocráticos”. Agora são 71%. Segundo aquela investigadora neerlandesa, “cobrir notícias está cada vez mais perigoso” em quase todo o Mundo. “A liberdade de imprensa está sob ameaça”, vincou.

“A segurança dos jornalistas é importante para a liberdade de imprensa e entronca em algo fundamental, a segurança das pessoas”, disse Ruth Kronenburg. Segundo a diretora-executiva da “Free Press Unlimited”, o jornalismo está em perigo por causa do “trabalho precário e das ameaças aos jornalistas, sejam verbais, físicas ou judiciais”, especialmente as mulheres. “Cerca de 50% das jornalistas são perseguidas online”, muitas desistem da profissão e outras admitem que se autocensuram. “As mulheres jornalistas têm de ter outro enfoque, estão mais ameaçadas”, concorda Teresa Ribeiro.

“É possível dar a volta”, assevera Ruth Kronenburg, advogando um trabalho conjunto entre jornalistas, que têm de defender e pugnar pela qualidade do trabalho que fazem, e dos cidadãos. “As pessoas têm responsabilidade de apoiar os media, começando a pagar por notícias de qualidade”, disse, deixando uma máxima que serve para leitores, como contorno à desinformação, e para jornalistas, como lema de trabalho. “Uma só fonte, é nenhuma fonte”.

“Não basta manter jornais, temos de agir ao nível do consumo, porque muitos já nem leem os jornais, mesmo oferecidos”, observou Teresa Ribeiro, durante a conferência, que debateu os problemas do jornalismo e da comunicação sob vários ângulos, e a que só faltaram os jornalistas, numa sala bem compostos na Fundação Portuguesa das Comunicações, em Lisboa. Patrocinado pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Governo anuncia cobertura total do território em novembro

O evento foi encerrado pelo secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, que anunciou a intenção do Governo de voltar a levar publicações periódicas a quatro concelhos que estão atualmente desertos: Alcoutim, Freixo de Espada à Cintra, Marvão e Vimioso. “Em novembro, vamos ter condições para que voltem a ter distribuição” de jornais e revistas, anunciou o governante. “Vamos fazer uma campanha nesses territórios, com as câmaras”, acrescentou.

Sustentando a especificidade do mercado da distribuição em Portugal, um “monopólio natural, porque os concorrentes desistiram”, disse ainda que a VASP se comprometeu em não deixar mais nenhum concelho, enquanto negoceiam a melhor forma para estimular a cobertura total, uma vez que “só é rentável numa pequena faixa litoral entre Porto e Lisboa”.

No fim do dia em que um dos pratos fortes servidos foi o Plano de Ação Para a Comunicação Social, apresentado na semana passada pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, o secretário de Estado diz que quando tomou conta da pasta encontrou “um marasmo” no setor. “O objetivo do plano não foi fazer uma revolução, mas acabar com a inação”, acrescentou Carlos Abreu Amorim.

“As medidas representam uma visão sobre alguns problemas do setor”, estarão em avaliação e podem ser afinadas. “Isto é um pontapé de saída. Não vamos ficar por aqui”, asseverou Carlos Abreu Amorim. Segundo o secretário de Estado, em 2021, o PS defendia o fim gradual da publicidade na RTP. “Vamos compensar a RTP com o que nos foi pedido: um plano de rescisões amigáveis”, que vai “reduzir os custos de contexto da RTP em 7,3 milhões de euros anuais”, acrescentou.

Carlos Abreu Amorim sustentou que a compra da Lusa “é um sinal” e “uma afirmação de uma política pública” para o setor, que vive com uma precariedade laboral “quase endémica” e a “ser tida como um facto natural”, alertando que isso debilita o jornalismo. “Um setor enfraquecido não garante a sua função na democracia”, acrescentou.

Precariedade num ciclo de otimismo cruel

José Nuno Matos, investigador da Universidade Nova de Lisboa, reconheceu que “o regime de fragilidade faz com que haja uma menor capacidade de resistência” dos jornalistas às pressões externas. Sinalizando a “proletarizarão do jornalismo”, o estudioso lembrou o ciclo de otimismo cruel em que se afundam muitas vidas. “Tendo um contrato precário, fazem tudo o que podem para garantir a continuidade deste contrato e isso implica trabalhar mais, trabalhar mais depressa”, mas sem garantias de futuro.

“A precariedade é maior neste setor do que em qualquer outro em Portugal”, observou o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Filipe Simões. “A crise no jornalismo acompanha-nos toda a vida, mas agora é mais do que isso: o jornalismo está em perigo”, alertou.

“Somos um exército de precários”, observou o presidente do V Congresso dos Jornalistas, Pedro Coelho. “Jornalismo precário é um jornalismo mais frágil. Estamos muito frágeis enquanto edifício da democracia”, acrescentou.

“Apoiar o jornalismo é ajudar os jornalistas”, disse Pedro Coelho, lamentando a forma como o Plano de Ação foi apresentado pelo primeiro-ministro. “Perante uma assistência necessitada, fez críticas aos jornalistas e apresentou um plano que são umas migalhas”, disse o jornalista da SIC. “Um programa para as empresas jornalísticas, não para o jornalismo”, sublinhou.

Marisa Torres da Silva, professora universitária e investigadora do ICNOVA/NOVA FCSH, concorda “que não há medidas para os jornalistas, que são para o jornalismo” e que o Plano do Governo é um conjunto de “remendos, não tem propostas estruturais”.

O fim da publicidade na RTP e a crise dos modelos de negócio

O fim gradual da publicidade na RTP “é um clássico de redução de rendimentos”, que pode levar à inevitabilidade da privatização. “A crise do modelo de negócio assenta no modelo de propriedade dos media”, defendeu Marisa Torres da Silva, em favor de novas formas de propriedade, como cooperativas, abertura a pequenos acionistas, que tenham uma palavra a dizer na administração e criação de um fundo de apoio público ao jornalismo.

“A crise no modelo de negócio do jornalismo tem uma retórica que devemos ter cuidado”, avisou Diogo Silva da Cunha, Investigador do CoLabor e assistente convidado do ISCTE-IUP. “Se podemos falar de alguma coisa sobre o modelo de negócio é que é um modelo de baixo custo”, acrescentou.

No entender daquele investigador, o plano “não é novo, é só mais um passo no caminho da liberalização do mercado”, como parece indicar a proposta de rescisão de 250 trabalhadores na RTP com a contratação de cerca de 125, com perfil digital, no que Carlos Abreu Amorim classificou de estratégia de modernização e rejuvenescimento do canal público de rádio e televisão.

Serviço Público não pode ser o parente pobre

“O serviço público não pode ser o parente pobre deste plano”, alertou Pedro Delgado Alves, do Centro de Investigação “Lisbon Public Law”. Reconhecendo que há algumas medidas da proposta do Governo que emanam da União Europeia e outras de índole nacional, o também deputado do PS lembrou que está escrito na Constituição da República Portuguesa o “dever do estado apoiar” a comunicação social.

“Se o apoio for objetivo, com regras claras, transparentes, então é fundamental à sobrevivência do ecossistema da comunicação social”, disse Pedro Delgado Alves, com um alerta. “Caso contrário, só quem tem capacidade é que vai produzir as notícias que lhe interessam”, acrescentou.

“A liberdade de Imprensa é muito sensível ao quadro político e numa democracia é preciso ter atenção do ponto de vista do plano jurídico. Há uma série de exemplos que mostram que, mesmo num quadro democrático, a liberdade de imprensa está sob ameaça”, alertou Pedro Rita, investigador do CoLabor.
 
Pensando nas condições dos jornalistas, há pelo menos duas áreas da legislação que interferem com o trabalho. “Uma relacionada com propriedade dos media e a transparência dos donos” e outra o Código Trabalho. “É difícil pensar numa liberdade plena, exercida com todos os direitos, se os trabalhadores enfrentam constrangimentos na vida profissional e pessoal”, sublinhou Pedro Rita.
 
Telmo Gonçalves, vogal da ERC, sublinhou que “há necessidade sempre de atualização do edifício regulatório legislativo em qualquer área, mas na Comunicação Social ainda mais, porque tem sofrido uma transformação quase diária a todos os níveis”. Segundo aquele responsável, há uma área “em que é difícil intervir, que é a da propriedade dos media”. Exemplos recentes, como a compra da Global Media por um fundo sem rosto, evidenciaram que “há limites de intervenção que podem ter de ser repensados”.
 
A conferência alertou, ainda, para a desinformação e a emergência da Inteligência Artificial. Dois desafios para o jornalismo, e por consequência para a democracia, que podem ser confrontados com uma aposta na Literacia Mediática – um assunto também merecedor de destaque e debate.
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