Perante um conjunto de situações em que cidadãos comuns foram submetidos a pressões de jornalistaqs que não respeitaram o seu direito à imagem, ao bom nome e à reserva da intimidade, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas considerou-se na obrigação de formular doutrina numa recomendação a propósito.
Assunto: Exposição pública de cidadãos comuns que nada fizeram para serem objecto de notícia
Exposição: De diversas proveniências têm chegado ao Conselho Deontológico manifestações de crítica ou, pelo menos, de estranheza, pelo modo como, crescentemente, jornalistas usam do seu poder para «forçarem» pessoas comuns a assumir papel activo em notícias, tanto pela via da pressão psicológica exercida sobre gente desprevenida, como pela exposição pública de alguém que se recusou a prestar declarações sem que qualquer dever ou interesse público o vinculasse a prestá-las.
Análise: 1. Os cidadãos comuns só podem ser objecto de notícia se fizerem alguma coisa para o serem e, mesmo assim, se os termos da notícia lhes não violar os direitos à imagem, ao bom nome e à reserva da intimidade. À partida, as pessoas são uma não-notícia: é preciso uma razão substancial (que, em princípio, lhes seja atribuível) para serem objecto de notícia. Assim, todo o cidadão tem direito a não ver o seu nome e/ou imagem incluído em lista de pessoas que não quiseram responder, excepto se existia uma obrigação específica de prestar declarações, em virtude de cargo, posição ou protagonismo.
2. Mesmo as personalidades públicas só podem ser objecto de notícia se a razão de noticiar estiver relacionada com as causas da notoriedade que obtiveram. O simples facto de se tratar de uma personalidade conhecida não legitima que seja abordada, para efeitos noticiosos, sobre todo e qualquer ângulo que ocorra ao jornalista. O direito à imagem, ao bom nome e à reserva da intimidade vale também para as personalidades públicas.
3. Nem sempre os jornalistas demonstram ter a noção desses direitos, a que corresponde o dever de uma abordagem leal, com respeito pela vontade do interlocutor e tendo em atenção as condições de serenidade, responsabilidade e liberdade da pessoa contactada.
4. No caso de um cidadão comum, ele não é obrigado a deixar-se expor publicamente só pelo facto, por exemplo, de ser vizinho ou parente de uma personalidade pública e de haver um jornalista que queira saber como é essa personalidade no quotidiano informal. Se tal vizinho ou parente se recusar a prestar declarações, mesmo que o faça em termos considerados pouco correctos, prevalece o seu direito a não ser incomodado. A eventual indelicadeza ou mesmo violência da negativa pode ser discutida em sede de responsabilização, mas não transforma a negativa indelicada ou violenta em facto digno de ser noticiado.
5. O cidadão comum tem o direito a que o jornalista não o aborde de câmara ou gravador a funcionar, exigindo-lhe uma opinião ou informação – e muito mais tem o direito a não recear que uma sua negativa lhe crie uma imagem antipática aos olhos da opinião pública.
6. O princípio de não ser abordado por jornalista de câmara ou gravador a funcionar vale para as personalidades públicas, excepto nos casos e locais em que estas já deviam estar prevenidas de que iriam ser solicitadas a prestar declarações. No entanto, mesmo em tais ocasiões, não é leal, por parte do jornalista, confrontar a personalidade com questões que visam apenas obter uma reacção de surpresa, embaraço ou agastamento da personalidade desprevenida.
Assim, entende o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas dever emitir a seguinte
Recomendação
1. Os jornalistas têm o dever de efectuar uma abordagem leal às pessoas – cidadãos comuns ou personalidades públicas – que deseja contactar, respeitando, em todos os casos, o direito à imagem, ao bom nome e à reserva da intimidade.
2. No caso de abordagem a cidadãos comuns não habituados a contactos com jornalistas em serviço, a lealdade deve ser entendida como um dever de informá-los de que não são obrigados a exporem-se publicamente e que nenhum prejuízo lhes advirá de não o fazerem.
3. Os jornalistas têm de assegurar-se de que existe um interesse público relevante para o contacto que desejam estabelecer e obter autorização expressa das pessoas contactadas para o registo de declarações, som e imagem, excepto nas circunstâncias e locais em que essas pessoas já deviam estar prevenidas para tal eventualidade e as razões da sua notoriedade justifiquem o ângulo de abordagem.
4. Os jornalistas devem proibir-se de tirar qualquer partido da posição privilegiada que detêm junto da opinião pública para forçar a boa-fé ou o temor de pessoas de modo a expô-las publicamente contra a sua vontade.
5. Os Conselhos de Redacção devem exercer uma vigilância crítica constante no sentido de impedir a prática de deslealdades no relacionamento entre jornalistas e pessoas contactadas.