Instituições globais devem controlar multinacionais

A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) apoia a exigência dos sindicatos no sentido de serem criadas instituições que controlem a actividade das multinacionais que dominam os mercados à escala planetária. Este é um dos temas centrais da declaração da FIJ para a Cimeira de Joanesburgo.

É o seguinte o texto integral da declaração da FIJ:

“Os jornalistas do mundo inteiro pensam que a Cimeira Mundial de Joanesburgo para o desenvolvimento sustentável representa uma ocasião sem precedentes para mudar as coisas, mas os altos objectivos da Cimeira nunca serão atingidos se não existir uma nova vontade, a nível internacional, de garantir a liberdade de Imprensa e a democracia.

“A magnífica intenção dos organizadores de querer salvar o ambiente e erradicar a pobreza não se tornará uma realidade sem uma vontade de envolver todos os cidadãos – incluindo os mais pobres do planeta – no debate sobre a mudança. A ordem do dia dos média deve ser mais pluralista e não pode ser dominado pelos interesses comerciais dos grandes grupos internacionais.

“Os direitos do Homem, a democracia e a liberdade de expressão não estão à margem do combate pelo desenvolvimento sustentável. Todos os seres humanos devem ser livres de dizer o que pensam. Devem ter acesso à informação de que necessitam para tomar decisões sobre o futuro. Essas questões são importantes para definir e construir uma sociedade decente, como são importantes e necessários serviços públicos equilibrados e de boa qualidade, como os sistemas audiovisuais públicos centrados nos cidadãos. Em inúmeras regiões onde os desafios são os mais difíceis – África, América Latina e os países muito povoados da Ásia – os média não são livres, a profissão de jornalista é perigosa e comporta inúmeros riscos. O desenvolvimento sustentável não pode ser atingido quando os povos vivem num contexto de ignorância, de corrupção e de medo.

“São muitos os jornalistas a recear que a Cimeira de Joanesburgo não seja mais do que uma conversa vã. Se pretende ser séria, a Cimeira deve enfrentar a crise da democracia e dos direitos do Homem e garantir que as campanhas para o desenvolvimento sustentável, a redução da pobreza e a protecção do ambiente sejam acompanhadas da construção de sociedades democráticas e pluralistas. A liberdade de Imprensa e o pluralismo devem ser campos de acção prioritários.

“Uma segunda ameaça que pesa sobre o sucesso da Cimeira é o combate de ideias sobre o futuro do comércio internacional. Seria uma tragédia mundial se os interesses do livre mercado dominassem a ordem do dia em Joanesburgo. Na era da liberalização dos mercados, existem grupos internacionais cada vez maiores e mais poderosos e muitas questões pertinentes são colocadas quanto à forma como essas organizações são dirigidas, quem as controla e quais as instâncias às quais devem prestar contas.

“A crise de confiança causada pelos recentes escândalos que atingiram certas companhias não representa senão uma dimensão da impossibilidade de controlar as sociedades transnacionais que dominam o processo de mundialização do comércio.

“Não é suficiente apelar a melhor critérios contabilísticos ou a restrições quanto às falsas declarações das companhias; hoje, é urgente combater o falhanço das sociedades, quando estas têm de responder pelas suas responsabilidades em relação aos funcionários que empregam, ao ambiente e às comunidades locais onde estão inseridas. A FIJ apoia os apelos dos sindicatos em todo o mundo a favor de novos mecanismos para os grupos internacionais, grupos que estão activos no domínio dos média, no sentido de estes grupos terem a quem prestar contas. Influenciar a ordem do dia das sociedades é essencial numa época onde as companhias privadas, incluindo as que têm interesses importantes no campo dos média, têm um controlo cada vez maior sobre bens e serviços públicos essenciais.

“A companhia francesa Vivendi, por exemplo, é um dos maiores grupos activos no domínio dos média, a nível mundial, além de fornecer a 110 milhões de pessoas o mais essencial de todos os bens públicos, a água. É uma companhia com um passado e um presente perturbadores. A FIJ nota que, em 2001, em Itália, os média revelaram que um quadro superior da Vivendi fora condenado por ter subornado o presidente do Conselho Municipal de Milão e que, em 1997, o ministro francês Jean-Michel Boucheron fora condenado por corrupção, após ter recebido dinheiro da Compagnie Générale des Eaux, a sociedade que hoje é a Vivendi. Para mais, as “performances” ambientais da Vivendi em algumas regiões pobres do globo são colocadas em questão. Por exemplo, os serviços de água e dos sistemas sanitários Puerto Rico Aqueducts and Sewers Authority (Autoridade para os Aquedutos e Esgotos de Porto Rico) foram comprados pela Vivendi, em 1995. Desde então, a sociedade foi alvo de dois relatórios muito críticos do Bureau de Controlo de Porto Rico e foi obrigada a pagar multas num valor superior a seis mlhões de dólares, por diversas violações das leis ambientais.

“As sociedades que fazem jogo duplo com os investidores e o processo político negligenciam igualmente as suas responsabilidades em relação ao ambiente e ao seu pessoal. É necessário encontrar uma solução que permita o controlo destas sociedades, que inclua novas missões para os respectivos directores e quadros. Chegou o tempo de criar uma cultura de cidadania empresarial, impondo aos directores das empresas que tomem em consideração os efeitos das suas acções sobre o ambiente, os direitos do Homem, as comunidades locais e a mão-de-obra. É necessário criar novas instituições a nível mundial para defender os direitos das várias partes, promover o desenvolvimento da democracia e limitar o poder da élite não eleita, composta por dirigentes de empresas, que domina o comércio mundial.

“Joanesburgo representa uma ocasião sem precedente para colaborar e trocar experiências e aspirações a um nível prático, mas se os governos que privam as suas populações dos direitos fundamentais não são combatidos e se os grupos internacionais não são reconduzidos a uma certa disciplina, então a Cimeira de Joanesburgo será uma oportunidade perdida”.

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