Fundação Ilídio Pinho e SJ lançam prémio de Jornalismo Científico

Um prémio de Jornalismo Científico foi apresentado, em 30 de Junho, pela Fundação Ilídio Pinho e pelo Sindicato dos Jornalistas, que assinaram um protocolo para a sua criação. A cerimónia, efectuada no Porto, teve a presença do primeiro-ministro, José Sócrates.

O prémio tem o valor de 50 mil euros e será atribuído anualmente a um trabalho jornalístico em língua portuguesa sobre Ciência, “privilegiando aqueles que favoreçam a ligação entre a investigação e a inovação e desenvolvimento empresarial, levada a cabo pelas Universidades e Centros de Investigação”, como se salienta no Regulamento (em ficheiro anexo a esta notícia).

O presidente da Fundação, Ilídio Pinho, justificou o seu interesse na criação do prémio por considerar que “é tarefa de todos os portugueses sem excepção, colaborarem activamente no enorme esforço que está a ser necessário realizar-se para colocar o país no caminho da modernização”.

Salientou Ilídio Pinho que “o jornalismo poderá ter um papel extremamente importante na informação dos acontecimentos e na sensibilização e mobilização dos portugueses, para que passem a participar no projecto de modernização de Portugal”.

O primeiro-ministro, José Sócrates, felicitou a Fundação Ilídio Pinho e o Sindicato dos Jornalistas pela instituição do prémio e afirmou a sua convicção de que contribuirá para a divulgação e o desenvolvimento da Ciência em Portugal.

Rigor e responsabilidade

O presidente da Direcção do Sindicato dos Jornalistas (SJ), Alfredo Maia, salientou que o prémio “reconhece a função mediadora dos jornalistas na promoção e na difusão do conhecimento do conteúdo, objectivos, práticas e efeitos da actividade científica”.

Este desafio, considerou Alfredo Maia, levanta a necessidade de “uma reflexão urgente sobre a capacitação dos jornalistas para dar respostas a desafios noticiosos cada vez mais exigentes e complexos” e sobre o “rigor e o escrúpulo desse poder de mediação”.

Para a primeira, defendeu a “aposta na formação contínua dos jornalistas, a qual convoca, a um tempo, a disponibilidade e entrega dos profissionais, o compromisso das empresas jornalísticas, o empenhamento da comunidade e o apoio do Estado”.

Relativamente à segunda, Alfredo Maia salientou a sua “actualidade numa altura em que o Parlamento se prepara para discutir a Proposta de Lei de Revisão do Estatuto do Jornalista”.

Proposta que, “entre outros aspectos negativos, introduz a perigosa possibilidade de a hierarquia das redacções alterar trabalhos dos jornalistas contra a sua vontade”.

Pelo que, disse Alfredo Maia, “é justo é justo lavrar protesto público na eventualidade de tal norma vir a ser aprovada”, e acrescentou, dirigindo-se aos presentes na cerimónia: “É razoável pedir que nos ajudem a evitar semelhante calamidade”.

É a seguinte, na íntegra, a intervenção do Presidente da Direcção do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia

O Sindicato dos Jornalistas acolheu com simpatia a ideia de apoiar o Prémio de Jornalismo Científico Fundação Ilídio Pinho, empenhando-se neste mais do que em qualquer outro, pelo carácter verdadeiramente singular que reveste.

A sua singularidade não reside no valor pecuniário do prémio em si mesmo, embora este seja realmente extraordinário e digno de menção, pelo estímulo que representa.

A sua singularidade reside sobretudo na importância, mais do que simbólica, que atribui aos padrões de exigência pelos quais, hoje mais do que nunca, os jornalistas são convocados a exercer a sua profissão. Sobretudo quando se posicionam como actores decisivos em processos de transformação.

Em primeiro lugar, este Prémio valoriza o papel do jornalista enquanto agente promotor do conhecimento, pela comunidade, do labor científico das universidades e dos centros de investigação.

Por outro lado, sublinha o papel de “testemunha profissional” dos progressos e transformações que tal trabalho induz nos mais variados domínios, em particular no que diz respeito à transferência de conhecimentos, métodos e tecnologia para a indústria.

Mas, fundamentalmente, ao reconhecer a função mediadora dos jornalistas na promoção e na difusão do conhecimento do conteúdo, objectivos, práticas e efeitos da actividade científica, esta iniciativa conduz-nos a uma reflexão urgente sobre:

– a capacitação dos jornalistas para respostas a desafios noticiosos cada vez mais exigentes e complexos

– a legítima expectativa do público que servem num exercício rigoroso e escrupuloso desse poder de mediação.

Na verdade, a velocidade instantânea a que circulam hoje informações – nem sempre validadas de forma adequada… – sobre progressos científicos e tecnológicos e a necessidade editorial de fazê-las acompanhar de pormenores e comentários que melhor as expliquem ao público levantam problemas a que nem sempre os jornalistas estão em condições de responder.

A mera recolha apressada de depoimentos de especialistas, tantas vezes amputados por redução à expressão mais simples de umas quantas centenas – ou mesmo dezenas – de caracteres, ou a impossibilidade de assimilar, compreender e tornar-se capaz de explicar em tempo útil informações e conceitos reservados a pessoas que os estudaram ou aprofundaram anos a fio, são apenas dois deles.

Esse é um dos riscos da persistência de modelos refractários à especialização dos jornalistas em certas áreas e ao tratamento mais cuidado da informação, por conseguinte exigindo mais conhecimentos, mais tempo e mais ponderação.

Felizmente, porém, muitos jornalistas são hoje reconhecidos por cientistas e investigadores como interlocutores competentes, com os quais vale a pena partilhar conhecimentos e descobertas. E com os quais vale o investimento em tempo mais longo do que aquele que seria suficiente para o breve depoimento, para a frase com efeito ou para conferir força à manchete.

Isso acontece graças, tantas vezes, ao investimento pessoal e quase solitário desses jornalistas, que se preparam para o tratamento competente dos temas, aprofundando o seu estudo e cultivando os seus conhecimentos, bem como à confiança que o seu profissionalismo vem granjeando nomeadamente junto dos cientistas e investigadores enquanto fontes e/ou objecto do seu trabalho.

Mas, por mais gratificante que seja esse esforço perseverante na capacitação individual e os resultados do diálogo contínuo entre os jornalistas e os cientistas, os padrões de exigência a que devemos obrigar-nos reclamam novos e mais firmes passos.

Um desses passos é, sem dúvida, a aposta na formação contínua dos jornalistas, a qual convoca, a um tempo, a disponibilidade e a entrega dos profissionais, o compromisso das empresas jornalísticas, o empenhamento da comunidade e o apoio do Estado.

Dirigindo-nos hoje a tão qualificado auditório, cabe-nos perguntar se, além do nosso empenhamento (enquanto entidade outorgante) no âmbito do Cenjor – Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas e das propostas que temos feito de valorização da qualificação na carreira profissional, poderemos vir a contar:

– com as empresas jornalísticas, para a valorização efectiva da formação contínua;

– com o mundo empresarial, para o patrocínio de bolsas de formação especializada;

– com o mundo académico, para o desenvolvimento de linhas de formação especializada de jornalistas;

– com o poder político, para a consagração de dispositivos de estimulem e protejam a formação contínua destes profissionais.

Chegados a este ponto, passemos à segunda nota de reflexão já proposta – a legítima expectativa do público que os jornalistas servem num exercício rigoroso e escrupuloso do poder de mediação de que se encontram investidos.

O que chega aos olhos e aos ouvidos dos leitores, dos espectadores e dos ouvintes é apenas o resultado final de um processo muito complexo de recolha e tratamento de informação, no qual o jornalista individualmente considerado investe não só os seus conhecimentos e capacidades, mas também a credibilidade de que goza nomeadamente junto das fontes e/ou pessoas ou entidades objecto do seu trabalho, por um lado, e do público, por outro.

Por conseguinte, tal resultado exprime forçosamente este ou aquele grau de fiabilidade das informações, este ou aquele nível de crédito do trabalho e tal ou tal medida da credibilidade do jornalista envolvido, cujo nome se encontra irrevogavelmente associado ao “produto final”.

É certo que mesmo aquele cientista, que caiu no ridículo porque certo jornal o apresentou como estando a inventar algo tão inverosímel que nunca sonharia alcançar, pode ser condescendente a ponto de reconhecer que o chamado “produto final” impresso não corresponde ao material entregue pelo autor e de admitir que alguém alterou sentidos, amputou explicações ou introduziu disparates para tornar a “estória” mais vendável ou, na melhor das hipóteses, para a tornar “mais compreensível” ao comum dos mortais.

Mas a verdade é que a confiança do órgão de informação a que se destina certa informação ou certa confidência é frequentemente antecedida – diria garantida – pela confiança que inspiram muitos dos seus profissionais, pelo que se justifica plenamente o contrato de lealdade tacitamente assumido. Ou seja, certas informações, conhecimentos e explicações são transmitidos no pressuposto de que o autor do trabalho final será rigoroso no seu tratamento. Por isso reivindicará muito justamente os louros do mérito que lhe possam atribuir; e também por isso aceitará carregar sobre os ombros os erros e omissões que lhe caibam.

Esta reflexão reveste plena actualidade numa altura em que o Parlamento se prepara para discutir a Proposta de Lei de Revisão do Estatuto do Jornalista, recentemente aprovada pelo Governo, diploma que, entre outros aspectos negativos, introduz a perigosa possibilidade de a hierarquia das redacções alterar trabalhos dos jornalistas contra a sua vontade.

É certo que a norma, que o legislador justifica à luz de critérios de “necessidades de dimensionamento” ou de “adequação ao estilo” do órgão de informação, também reconhece aos autores a licitude na recusa de associação do respectivo nome “a uma peça jornalística em cuja redacção final se não reconheçam ou que não mereça a sua concordância”.

De nenhum consolo nos serve, porém, tal escapatória legislativa, nem servirá de lenitivo para jornalistas em risco de ver comprometida a sua credibilidade, na medida em que não afasta, antes agrava, os riscos da degradação da qualidade e do exercício responsável do jornalismo.

Com efeito, assusta-nos, como jornalistas e como cidadãos, que um trabalho realizado sob um contrato de lealdade com as fontes e entidades objecto do trabalho, de respeito pelo sentido das informações e explicações recebidas e pelo objectivo genuíno dos projectos e iniciativas, de avaliação ponderada dos efeitos da sua difusão, enfim, de rigor e profissionalismo possa ser anulado por terceiros e que se conceda ao autor o triste “privilégio” de parecer lavar as mãos das consequências advenientes.

Não é em vão que o Código Deontológico dos jornalistas portugueses postula de forma tão solene: “O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais, assim como promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas. O jornalista deve também recusar actos que violentem a sua consciência”.

Tomando a palavra num momento tão importante no diálogo complexo e exigente entre jornalistas, cientistas e investigadores e empresários que o lançamento deste prémio representa, e reafirmando o nosso compromisso para com a informação rigorosa e responsável, a liberdade de criação e de publicação e o respeito pelos direitos de autor, é justo lavrar protesto público na eventualidade de tal norma vir a ser aprovada. E é razoável pedir que nos ajudem a evitar semelhante calamidade.

Partilhe