Estratégias da programação em Televisão

Os quês e os porquês da programação da televisão ao alcance do grande público através de dois livros: «La Estrategia de la seducción», de Jose Angel Cortés, ed. Universidade de Navarra, Pamplona,1999, e «La Programación de Televisión», de Jose Miguel Contreras e Manuel Palacio, ed. Sintesis, Madrid, 2001. Recensão crítica de Felisbela Lopes.

Não se trata propriamente de livros que nos devolvem a poção mágica que nos transformam em programadores televisivos de sucesso. Ambos apresentam estratégias conhecidas, apesar de nem sempre terem alcançado grande sucesso no Panorama Audiovisual Português. Pelo meio, salienta-se um conjunto de expressões anglo-saxónicas que renovam a linguagem da programação televisiva.

Para quem não está familiarizado com a evolução da paleo para neo-TV, José Ángel Cortés relembra, logo no primeiro capítulo, o significado dos conceitos de Umberto Eco, o que ajuda a perceber melhor a natureza do audiovisual que as estações privadas fez emergir. Não teria sido reprovável ir um pouco mais longe para explorar os modelos fomentados por esta neo-TV, aproveitando, por exemplo, os trabalhos de Dominique Mehl, uma ausência notada na extensa bibliografia citada. Com a leitura, percebe-se que Cortés tem subjacente ao seu raciocínio uma televisão relacional («o objectivo do programa é estabelecer uma relação mediata e, se possível, fiel com o espectador», p.115).

Não se pense que este livro anseia assumir uma função pedagógica para com os directores de programas, mas seria aconselhável que quem dirige um canal televisivo lhe prestasse alguma atenção. É certo que um director de televisão pode ver nos «critérios que tornam possível a viabilidade de uma empresa» (pp. 99-105) um tom «naïf», mas, por vezes, o óbvio torna-se também o mais ignorado.

É, no entanto, àqueles que vêem televisão, ou seja, a todos nós, que o livro se dirige. À medida que ultrapassamos cada página, percebemos que, por detrás da TV que consumimos, se ergue uma complexa engenharia de programação (pp. 120-127). Os dias, as semanas e mesmo as estações do ano obrigam os criadores de uma grelha televisiva a exercícios distintos, impensáveis para um telespectador mais incauto.

No último capítulo (pp. 217-243), o livro fixa um conjunto de conceitos que nos fazem perceber que nem sempre falamos com correcção daquilo que vemos. Apoiando-se em Blum e Lindheim, Cortés lembra, por exemplo, que, quando utilizamos a expressão «contra-programação», falamos da emissão de um programa que tem um atractivo para uma audiência distinta da do canal rival. No caso de haver uma mudança inesperada de um programa para desestabilizar a concorrência, estamos já perante uma estratégia de «stunting». Se o mal do vizinho nos tranquiliza, podemos ficar menos apreensivos com os nossos erros já que, como sublinha o autor, em Espanha a confusão entre estes dois conceitos é frequente.

Tal como a de Cortés, também a obra de José Miguel Contreras e Manuel Palacio fixa uma panóplia de expressões para falar de estratégias de programação. Quase todas norte-americanas, o que não nos deve espantar, se tivermos em conta o alerta deixado pelos autores no início do livro: «São os EUA que estabelecem as formas de organização da actividade de programação» (p.27). Por exemplo, em termos de estratégias de localização de programas, temos o «stripping» (programa-se o mesmo produto para a mesma hora em cada dia da semana), o «checkerboarding» (programam-se produtos diferentes em cada dia da semana, à mesma hora, mas dirigidos ao mesmo target) ou o «hammock» (coloca-se um programa novo ou de audiência débil entre outros de comprovada eficácia).

Mais recente, o livro de Contreras e Palacio detém-se, no último capítulo, na programação dos novos média (pp. 219-234). Apesar do tom contido quanto ao caminho a trilhar pela televisão digital, os autores arriscam a configuração da TV temática: enunciam os cuidados a ter no desenho de uma grelha segmentada (p. 222-228) e não deixam de apontar as formas de financiamento possível para quem se alberga no cabo (pp. 229-231).

Numa obra que dedica a primeira parte à «teoria e história da programação», espera-se encontrar uma análise diacrónica deste campo. Os autores não defraudam as nossas expectativas. São abundantes as referências aos percursos das grelhas de programação quer no continente norte-americano, quer no continente europeu. Esta tendência espalha-se por todo o livro, às vezes com algumas falhas. Nas parcas referências a Portugal, diz-se que o «mercado televisivo é claramente dominado pela SIC (controlada maioritariamente pelo grupo brasileiro Globo e pelo ex-primeiro ministro Pinto Balsemão) que tem 50% da audiência» (p.114).

Com uma diferença de dois anos, estes livros não são, na essência, muito diferentes. Também o percurso dos respectivos autores não é assim tão díspar. Cortés é professor de «Políticas de programação televisiva» na Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra, tendo sido programador na TVE, na Tele 5 e na Antena 3. Contreras e Palacio são professores da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade Compultense de Madrid, constando do curriculum do primeiro a fundação do Canal +, a direcção de programação do canal público Telemadrid, a criação da empresa de investigação de audiências GECA e, actualmente, a direcção geral de Onda 6, a primeira televisão digital terrestre a operar em aberto.

Para os três, o estudo da realidade portuguesa seria um bom exercício para reconsiderarem algumas ideias. Por exemplo, todos defendem que o cancelamento ou mudança de horários poderão ser mortíferos para um canal. Bastaria analisar o «prime-time» português para perceberem aquilo a que Rey Morató chama «o mistério das audiências». Uma boa pista para os investigadores portugueses seguirem

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