«Compatível, disse ela»

Ainda no âmbito da polémica sobre jornalistas e política, o director-adjunto do Público, Nuno Pacheco, escreveu naquele jornal, em 21 de Fevereiro de 2002, com o título em epígrafe. Um breve comentário a declarações feitas por Maria Elisa ao Diário Económico, na sua qualidade de candidata a deputada pelo PSD pelo círculo eleitoral de Castelo Branco.

Se amanhã um deputado manifestasse desejo de passar a ser também jornalista, havia de levantar-se um coro de vozes indignadas e a coisa morreria aí. Mas, pelos vistos, os jornalistas têm direitos que os deputados não têm. A julgar pela entrevista que Maria Elisa concedeu na passada terça-feira ao “Diário Económico”, “é perfeitamente possível conjugar estas duas facetas”. Maria Elisa diz que, como está “habituada a trabalhar muito”, tenciona exercer o cargo de deputada (ao qual é candidata, como independente, pelo PSD) juntamente com o cargo de jornalista na RTP, onde, segundo diz, “gostaria de fazer entrevistas muito mais intelectuais”. Se a promessa se concretizar, e já que a lei não a contraria, Maria Elisa ressuscitará um hábito da arqueologia democrática portuguesa: a do jornalista-deputado. Alguém que, provando que exerce o jornalismo “como ocupação principal, permanente e remunerada” (condição básica para o exercício da profissão, segundo o Estatuto do Jornalista; isso e a posse da carteira profissional, que Maria Elisa terá de renovar), acumulará o jornalismo com o cargo de deputada porque não vê nisso “nenhuma incompatibilidade”. Preparem-se, pois, intelectuais portugueses (Maria Elisa já garantiu que não entrevistará políticos; e compreende-se, naturalmente): por uma daquelas bizarrias da nossa legislação, vão ter o privilégio de ser entrevistados por uma jornalista-deputada! E prepare-se também a RTP: pode ser que, por mais de uma vez, tenha de pôr alguém (ideal seria mesmo um jornalista-intelectual) a entrevistar uma deputada também jornalista. Quem disse que já tínhamos visto tudo?

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