A intervenção de Afonso Henrique no colóquio “Os Média e a Justiça”

O juiz Afonso Henrique, secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), defendeu no colóquio “Os Média e a Justiça” que a preservação do dever de reserva dos juízes passa pela criação nos tribunais de estruturas de contacto com os média e considerou que os jornalistas devem respeitar “a presunção de inocência dos arguidos e a reserva de intimidade da vida privada e o bom nome dos cidadãos”.

Afonso Henrique interveio no painel “Direitos das partes no processo, princípio da publicidade e direito de informação e o princípio da reserva do juiz”. Eis o texto integral da intervenção do secretário-geral da ASJP no colóquio interprofissional “Os Média e a Justiça”, que decorreu a 30 de Novembro, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa:

“Tendo estado com os outros colegas da Direcção da A.S.J.P. na génese deste colóquio interprofissional não posso deixar de dar uma pequena explicação sobre o mesmo.

“Os juízes portugueses tiveram a coragem de eleger o tema “Justiça e Opinião Pública” para o seu último Congresso, em Aveiro no fim do ano passado.

“E disse coragem porque muitos acharam que ao questionar-se nesse Forum as nossas funções e as dos jornalistas corríamos grandes riscos.

“Íamo-nos “meter” com os jornalistas!

“Somos dos que pensamos que da discussão nasce a luz e que numa sociedade aberta não há tabus.

“Achamos até que há um fim último que estes dois poderes perseguem que é o da verdade material.

“Só que a Justiça normalmente não pode ser imediatista, exige o contraditório e há direitos de defesa que não podem ser derrogados.

“Numa palavra o tempo da Justiça não é necessàriamente o tempo da notícia.

“De qualquer modo numa sociedade de informação mas ainda não de formação temos que adaptar as instituições à vertigem dos tempos modernos.

“Comparando o poder /dever de informar com o poder/dever de fazer Justiça ressalta, desde logo, que no primeiro caso tal poder dever se exerce em tempo real e no segundo caso tenta-se reconstituir a história.

“Para o jornalista que não seja de investigação a verdade é o acontecimento nu e cru, é o acesso imediato ao facto.

“O juíz tenta entender a realidade a partir do que deve ser, faz um juízo crítico dessa mesma realidade.

“O julgador é livre de decidir mas não segundo os seus critérios, antes segundo os critérios prèviamente definidos na lei pelo Legislador.

“É sempre bom lembrar que o juíz não é escravo da lei, mas também não se pode substituir ao outro poder democràticamente eleito a quem incumbe a feitura das normas legais e que tem maior expressão no Parlamento que é entre nós a Assembleia da República.

“Chegado aqui não posso deixar de abordar a “vexata quaestio” da legitimidade, mais precisamente, da legimitação do poder judicial.

“Nunca é demais frisar que a legitimação dos juízes decorre da própria Constituição e que a democraticidade da Justiça nada tem a ver com serem os aplicadores do direito eleitos directamente pelo povo.

“É o cidadão representado pelo cidadão constituinte quem exige que os juízes formem um corpo único e tenham um Estatuto que garanta a sua independência e permita tratar de igual modo o rico e o pobre, o que tem poder e o que não tem poder , o protegido e o desprotegido.

“Não é a eleição pelo povo, a regra da maioria que garante a imparcialidade do juíz. É o seu posicionamento de homem livre, que pode decidir segundo a sua consciência que dá essa garantia de isenção e de Justiça.

“Mas não é uma consciência formada com base nas suas próprias referências como já se aludiu. É a sociedade organizada que define o seu ordenamento jurídico, expressando na lei os valores que quer ver tutelados e as condutas a adoptar no nosso relacionamento pessoal, económico e social.

“Confunde-se, por vezes propositadamente, entrando-se no discurso perigoso da deslegitimação do poder judicial, não serem nem terem de ser os juízes eleitos por sufrágio directo pelos cidadãos, com o necessário controlo do poder judicial.

“Os juízes são os primeiros – e esta tem sido a conduta da direcção da A.S.J.P. – a exigirem pleno funcionamento desse controlo.

“Por isso consideramos que os membros do Conselho Superior da Magistratura não juízes devem exercer essa sua importante missão a tempo inteiro e com o regime de incompatibilidades dos próprios juízes. Isto para, com maior profundidade, e disponibilidade de tempo acompanharem as actividades dos Tribunais em termos de gestão e disciplina, mas também como salvaguarda institucional, assegurando um desempenho sem pressões por parte dos magistrados judiciais.

“Mas é nos próprios Tribunais que os juízes têm que ter condições para exercer a nobre missão de julgar.

“E esse desiderato só se consegue se formos libertos do trabalho processual burocratizante, dando-nos tempo para julgar, o que compreende a discussão exaustiva da matéria de facto (o que as inspecções tantas vezes esquecem) e a boa aplicação do Direito.

“Sendo as Audiências de Discussão e Julgamento públicas e incidindo a administração da Justiça sobre pessoas há que criar regras claras de convivência entre quem julga e quem informa, os profissionais da informação, os jornalistas.

“Estes têm que respeitar como limite ao seu exercício profissional a presunção de inocência dos arguidos e a reserva de intimidade da vida privada e o bom nome dos cidadãos.

“E com se concluiu no falado Congresso de Aveiro a

“credibilização da Justiça e da Comunicação Social perante a opinião pública implica a criação de gabinetes de Imprensa junto dos tribunais, de modo a assegurar uma informação isenta, objectiva e responsável, assim preservando o dever de reserva dos juízes.”

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