A Informação e a guerra do Golfo

O tratamento mediático da guerra do Golfo é o tema analisado por Dominique Wolton no livro «War Game: línformation e la guerre», editado em Paris pela Flammarion em 1991. Qual o interesse do livro e as questões que levanta, eis o propósito de uma recensão crítica de Carla Baptista.

Dominique Wolton, professor com funções directivas no CNRS (Centre National de Recherche Scientifique), escreveu este livro «a quente» ou, para usar uma metáfora jornalística, «em directo», em plena guerra do Golfo. O «timing», mais próprio da missão jornalística do que da distância crítica que se pede a um cientista social, foi propositado: o autor quis intervir criticamente a partir do próprio interior do paradigma informativo que modela toda a sociedade ocidental, definida como um «universo hipermediatizado».

Fazer a análise do acontecimento ao mesmo tempo que este ocorria, e se fazia história a partir da televisão, permitiu, desde logo, sistematizar diversas interrogações e paradoxos.

A primeira foi a constatação de que a multiplicação de informações não permite compreender melhor a História. Wolton fala mesmo de um sentimento de «perda de racionalidade» proporcional ao aumento do número de elementos informativos que supostamente ajudariam a compreendê-la. A segunda, particularmente perturbadora para o autor, atribui à informação omnipresente e circulante, um papel absolutamente dominante no sistema de apreensão do mundo, do qual releva a possibilidade mesma de qualquer reflexão teórica. E, no entanto, acrescenta o ensaísta, esta informação chega-nos aparentemente neutra, isenta, natural, desenraizada, apresentada como objectiva e não como parte integrante de um sistema de mediação.

O «triunfo da informação», que serviu ao público ocidental uma guerra em directo e em contínuo, foi acompanhado, na perspectiva de Dominique Wolton, por um sentimento de saturação.

A «overdose» informativa, desde logo motivada pelo número recorde de jornalistas no terreno (só os Estados Unidos tinham 1 400 profissionais creditados), que passaram mesmo a apresentar-se meramente como «enviados especiais» em vez do tradicional epíteto de «correspondente de guerra», contribuiu para banalizar a sua presença no écrã e esquecer o carácter excepcional do seu trabalho. Estar na frente de batalha, um lugar mal definido, onde pouco de relevante parecia passar-se e que apenas o uso e a repetição de determinados clichés permitia identificar como tal – como, por exemplo, a indumentária típica do repórter de guerra – tornou-se, de repente, acessível a demasiadas pessoas.

Esta «perda da aura», reforçada pela estratégia adoptada pelas estações temáticas, lideradas pela CNN, que ao reduzirem toda a programação ao assunto da guerra, invariavelmente contribuíram para a sua dramatização, levaram a que o público rejeitasse a informação-espectáculo.

Talvez seja neste ponto que o livro de Wolton revela a fragilidade das circunstâncias da sua produção. Face àquilo que é hoje a programação da maioria das estações televisivas, a explosão do «infotainment», a proliferação e o sucesso de programas como o «Big Brother» em diversos países europeus, a própria experiência de cobertura jornalística da Guerra da NATO contra a ex-Jugoslávia, que em muitos aspectos radicalizou as tendências já apontadas durante o conflito no Golfo, seria ainda possível afirmar, como fez Wolton em 1991, que «la plus grande victoire de l’information s’est retournée contre ses artisans. Et ce retournement de confiance vient du public qui dès l’automne 1990, et à fortiori aprés le début de la guerre, le 17 Janvier, a rejeté l’ information-spectacle. Cette guerre qui devait permettre ao public d’ être enfin, totalement et en permanence., informé, fut au contraire le prélude d’une crise de confiance à l’ègard des médias et des jorunalistes» (pág. 17)?

A reflexão aqui apresentada é, no entanto, precursora em muitas das questões que hoje atravessam o debate sobre as relações entre média e democracia. Nomeadamente, a conclusão, retirada pelo autor, de que a sofisticação tecnológica pode implicar, paradoxalmente, um sentimento de sub-informação. «L’information est un bien culturel et symbolique, jamais une entité technique», escreve Wolton (pag. 78). E ainda a constatação de que devem existir limites à lógica do directo e à subordinação total ao acontecimento, já que essa parece servir mais os interesses dos jornalistas, dos militares e dos políticos do que propriamente as necessidades informativas e de conhecimento do grande público.

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