A cultura nas capas das newsmagazines

Quantas vezes a Cultura é notícia nas capas das newsmagazines? Em que circunstâncias? Quais são os protagonistas? Uma análise de 20 publicações de cinco títulos diferentes — Visão, Veja, Tiempo, L’Express e Newsweek — revela dados curiosos e sugere a «fórmula ideal» para tornar o tema cultura no rosto preferido de qualquer revista de informação geral. Uma investigação com a assinatura de Carla Rodrigues Cardoso (*).

Nos últimos anos tenho-me debruçado sobre um passado ainda recente: os três primeiros meses de 1999. Encontro-me a analisar as capas de revistas de newsmagazines — ou revistas de informação geral — enquanto dispositivo de comunicação. Do meu corpus empiricus fazem parte cinco publicações diferentes: a Newsweek (Norte-Americana), a Tiempo (Espanhola), a Veja (Brasileira), a L’Express (Francesa) e a Visão. Recentemente, aproveitei esta investigação para partir à descoberta do lugar da Cultura nas capas das Newsmagazines.

A análise parcelar aqui apresentada limita-se ao primeiro mês, ou seja, Janeiro de 1999, que compreende 20 publicações, quatro de cada título mencionado. Deixei também de lado a análise semiológica que constitui o cerne da minha investigação, para procurar ler os resultados quantitativos que resultam do cruzamento das grelhas de análise desenvolvidas.

O SEGREDO DO SUCESSO

Antes de partirmos para a análise dos resultados, importa determo-nos um pouco no conceito de newsmagazine. Este remete, inevitavelmente, para a revista Time, a primeira publicação a merecer esta designação.

A Time foi fundada em 1923 por Henry Luce. Apresentava-se como um produto inovador, capaz de organizar as notícias da semana, independentemente do seu grau de complexidade. Desta forma, todas as notícias se tornavam rapidamente compreensíveis para o homem de negócios, preocupado em manter-se a par das últimas novidades. Surge uma publicação semanal, que intercala notícias com opinião, apostando em reportagens e em histórias com interesse humano. Nasce, assim, uma fórmula de sucesso.

Rapidamente, a Time começa a ser copiada um pouco por todo o Mundo. A Newsweek surge em 1933 e mantém-se até hoje a sua principal rival. Actualmente, as duas newsmagazines norte-americanas partilham a circulação internacional com três concorrentes europeias: The Economist (britânica), Der Spiegel (alemã) e a L’Express (francesa).

Neste enquadramento, o que esperamos encontrar quando se parte para a análise de uma newsmagazine? Em primeiro lugar, informação diversificada, nacional e internacional. Em segundo, uma abordagem séria das problemáticas e um equilíbrio entre o destaque dado aos assuntos. Sendo assim, partimos esperançosos de encontrar uma cobertura razoável do tema Cultura nas capas das newsmagazines analisadas.

74 TEMAS NUM MÊS

A primeira coisa que encontramos é, de facto, quantidade. Ao longo de quatro semanas, as 20 publicações acumulam nas suas capas referências a 67 assuntos diferentes. A segunda semana é a mais rica, com 20 referências de capa, ou seja, 30% do universo considerado. As duas últimas semanas ficam-se pelas 14 referências cada.

Embora a média geral de referências por capa ronde os 3,4 assuntos, é interessante verificar como esta média varia consoante as publicações analisadas. A Newsweek e a Veja ficam abaixo da média, com 2,8, enquanto a Tiempo e a L’Express quase coincidem, com 3,5 cada. Quanto à Visão, distancia-se com 4,3, ou seja, no período de análise, a revista portuguesa oferece sempre uma média superior a quatro referências diferentes por capa.

Entre as 67 referências de capa, algumas encerram mais que um assunto, o que faz subir para 74 o número de temas presentes no rosto das publicações em análise. Bem, pensar-se-á, com 74 assuntos referidos, uma boa parte deles serão, seguramente, culturais.

POLÍTICA NA FRENTE

De facto, é possível dividir os 74 assuntos em algumas temáticas. A mais escolhida, contudo, não é a Cultura, mas sim a Política Nacional, com 20 casos, isto é, cerca de 27%. Logo a seguir vem a Sociedade com 17 casos e depois mais Política — desta vez internacional — e também a Economia Nacional, cada uma com 12.

E a Cultura, onde está? Vem em terceiro lugar, mas apenas com quatro casos, e empatada com a Economia Internacional. Quatro referências a Cultura, ou seja, pouco mais de 5% do universo de 74 assuntos, é muito pouco, de facto.

Analisarmos apenas os temas que fazem o assunto principal de capa também não ajuda. Na verdade, a Cultura marca uma honrosa presença entre as sete temáticas que merecem a honra de corporizar o rosto das publicações. Contudo, entre as 20 capas, só uma é dedicada à Cultura. O tema Sociedade tem direito a sete. A Política Nacional e a Internacional contam com quatro cada — juntas somam oito e ultrapassam a Sociedade.

A «PÉROLA» CULTURAL

Paremos agora a análise quantitativa para olharmos directamente para a nossa pérola: a única capa cultural. Trata-se da 12ª, que corresponde à terceira semana de análise — uma Tiempo, de 18 de Janeiro. Não é uma capa brilhante. O perfil do rosto masculino na penumbra sobre um fundo de grão cinzento não convida a olhar duas vezes. A própria Tiempo deve ter tomado consciência da falta de qualidade da imagem. Resolveu, por isso, atravessá-la não só pelos títulos e antetítulos, como por mais duas referências a temas completamente diferentes. Temos novamente a Economia a chocar-se com a Cultura, sendo a Sociedade o segundo tema invasor.

Deixando a pobreza imagética, mergulhemos no tesouro do conteúdo: “Onde estão os intelectuais?”, pergunta-nos o título expressivo interrogativo, ao qual respondemos, céleres, “Ausentes das capas das newsmagazines!!” Como antetítulos temos mais duas questões: “Ainda existem pensadores?” e “Porque termina o século sem líderes morais?” Em termos culturais, o que temos, agora, é o caldo todo entornado. A única capa dedicada à cultura aborda… a crise da cultura!

ROSTOS ESPECTÁCULO

Deixando para trás o ex-libris da presença cultural nas newsmagazines durante o período analisado, partamos à descoberta das outras três referências, tendo em mente um conceito alargado de cultura que inclua a temática «Espectáculos». A Visão, logo na primeira semana de análise, reserva um espaço no canto inferior esquerdo para o aniversário da Banda de Rock Xutos & Pontapés, que completou 20 anos em 1999. Acompanhada de uma fotografia de estúdio com os quatro elementos da banda, muito sorridentes, como convém à ocasião, esta referência secundária ganha um certo destaque.

Em termos temporais, a primeira de todas as referências culturais pertence à newsmagazine espanhola publicada a 4 de Janeiro, três dias antes da Visão já analisada. Na primeira revista do ano, a Tiempo insere no rodapé mais um título expressivo apelativo: “1999 A Revolução de fim de século”. Este tema desenvolve-se em várias secções dentro da revista, com as previsões para o ano em questão. Entre essas secções está a intitulada “Cultura 1999”.

Por fim, na penúltima semana de análise, a Visão volta à cultura. No canto superior direito, acompanhado de uma das suas fotografias mais carismáticas, surge a celebridade que empresta nome ao título: “Humphrey Bogart, o mito”. Tal como no caso dos Xutos & Pontapés, esta referência cultural marca uma efeméride, neste caso, o centenário do nascimento do conhecido actor de Hollywood.

E assim terminam as referências culturais no corpus empiricus analisado. Ou talvez não…

DESCOBERTAS INESPERADAS

Existe mais uma alusão, se bem que indirecta. No primeiro número analisado da Newsweek temos uma referência de capa no cabeçalho que remete para o espaço intitulado “Perspectivs”, uma secção publicada anualmente, com a revista especial de fim de ano. A “Perspectivs” reúne as melhores frases e os melhores cartoons do ano, organizados por temáticas. Em último lugar, depois de uma secção publicitária especial, surge uma área dedicada ao tema “Sociedade e Artes”.

E como a cultura aparece onde menos se espera, vamos encontrá-la ainda na segunda semana de análise, na capa da Veja de 13 de Janeiro. À primeira vista, o tema de economia brasileira, relacionado com Cecílio Rego de Almeida, o maior latifundiário mundial, não deixa adivinhar onde está a cultura. Mas esta revela-se no interior da revista, quando o fundo da capa é identificado como sendo uma obra de arte — um quadro de Ferreira, intitulado O Caçador de Orquídeas.

HONRAS DE CAPA

Resta agora saber que razões explicam o quase grau zero da cultura nas capas das newsmagazines. E as razões só podem ser encontradas analisando o que foi considerado suficientemente interessante para ter honras de capa. Em termos de temas, já vimos quais são os preferidos: Política e Sociedade. Analisemos agora outros aspectos, canalizando a nossa atenção para os assuntos que dão rosto às publicações em análise.

O dado mais relevante no que toca aos 20 assuntos escolhidos para capa é o facto de os temas estarem directa ou indirectamente relacionados com os países de origem de cada uma das newsmagazines. Isto significa que metade das capas retratam temas nacionais, com envolvimento activo do país.

Os restantes 50% dividem-se por temas internacionais. Contudo, mais de metade dos temas internacionais envolvem os países de origem das newsmagazines. Somando, concluímos que existe uma relação entre o país mãe da revista e o tema de capa em 80% dos casos. Nas Tiempo, Veja e L’Express (que não inclui qualquer referência cultural), a importância deste factor atinge mesmo os 100%.

TRIO EXPLOSIVO

Analisemos agora os principais valores notícia que motivaram as escolhas de capa. Entre os 12 identificados, destaca-se a Proximidade, com 22%. A seguir vem o Interesse Humano a par da Polémica, com 13% cada. O terceiro classificado é a Actualidade, com 11%.

Se agruparmos os valores notícia semelhantes, surge um trio explosivo que, em conjunto, destrona mesmo a Proximidade. Trata-se de Polémica, Sensacionalismo e Escândalo. Unidos contam com 24%, quase um quarto do total. Dilatando um pouco mais o grupo anterior, promovemo-lo a quinteto sob a designação de Valores Notícia Negativos. Alcançamos, assim, os 33%, através da preciosa contribuição de Conflito e Tragédia.

Os Valores Notícia Negativos vivem a sua época áurea durante a terceira semana de análise. Entre 18 e 24 de Janeiro arrecadam 55% do universo de valores-notícia envolvidos nos assuntos de capa.

E, já que falamos de Valores Notícia Negativos, que tal olhar para as capas e ver se o tema escolhido pode ser, genericamente, classificado como positivo ou negativo?

Somente numa situação é impossível aplicar uma destas duas definições. Em contrapartida, 65% das revistas assumem um olhar negativo sobre a realidade. Em números concretos, 13 capas negativas opõem-se a 6 positivas.

PERSONIFICAÇÃO MASCULINA

Por último, registe-se um pormenor interessante. Nas publicações analisadas, 60% optaram por personificar a capa. Atribuíram-lhe, por isso, um rosto humano, notável ou anónimo. Entre as 16 revistas que decidiram fazê-lo, 65% do universo dos retratados é masculino. Neste critério, a mais desequilibrada é a Visão. Dos quatro rostos que foram capa da newsmagazine portuguesa, apenas um é feminino. Nas restantes publicações a relação é de dois masculinos para um feminino, com a excepção da L’Express que consegue o equilíbrio: dois rostos para cada sexo.

Com estes dados apresentados, já é fácil encontrar a «fórmula ideal» para o tema cultura se tornar capa de newsmagazine. Em primeiro lugar, tem de apostar em figuras masculinas. Depois, optar por problemáticas nacionais ou internacionais com alma lusitana, no caso português.

Se não resultar, acrescentar uma pitada de sensacionalismo ou partir para a exposição de todos os aspectos negativos imagináveis. Em último caso, disfarçar-se de Política ou envolver-se com o tema social mais do agrado das newsmagazines no momento.

(*)Versão adaptada da Comunicação proferida a 5 de Maio de 2001, no Encontro Ibero-Americano de Jornalismo Cultural, organizado pelo Centro de Formação de Jornalistas, em parceria com a Associação Ibero-Americana de Comunicação, no âmbito das comemorações oficiais de Porto – Capital Europeia da Cultura.

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