Queixa contra a revista Valor Magazine por fazer depender entrevistas de apoios monetários

Conselho Deontológico

Queixa nº 29/Q/2024

 

Queixa de Sofia Ventura contra a revista Valor Magazine por fazer depender entrevistas de apoios monetários

A queixa

A 12 de abril de 2024 a advogada Sofia Ventura enviou ao Sindicato dos Jornalistas um e-mail em que dá conta de um contacto da revista Valor Magazine, distribuída mensalmente com o jornal Nascer do Sol, em que, relata, “supus que estivesse a ser abordada para dar entrevista relativa ao assunto em epígrafe [Transferência de Competências: Que análise ao relatório do Tribunal?], no entanto, ao chegar ao final, li: “Com a ressalva que solicitamos sempre um apoio institucional que varia consoante o espaço a ocupar na edição, ficamos a aguardar por um feedback, estando naturalmente disponíveis para qualquer outro esclarecimento.” – ou seja, a pessoa que me interpela sugere que eu pague para ver uma entrevista minha publicada num meio de comunicação social”.

De acordo com a queixosa “Esta prática – além das dúvidas que me suscita do ponto de vista deontológico, enquanto advogada, porquanto configura uma forma encapotada de publicidade – não pode deixar se ser objeto de censura pelos órgãos cometidas da função de  garantir o cumprimento do Código Deontológico dos jornalistas, uma vez que ao leitor é apresentada uma opinião técnica de um profissional sem qualquer referência ao facto da publicação ter sido paga, fazendo-o supor que o critério de seleção do entrevistado adotado pelo jornalista/meio de comunicação foram os seus especiais conhecimentos na matéria”.

Sofia Ventura anexa na mensagem o email da Valor Magazine onde se pode ler nomeadamente “Para ilustrarmos aos portugueses a realidade apresentada pelo Tribunal de Contas, em nome da Valor Magazine (SOL), solicitamos a presença da Dr.ª Sofia Ventura na edição de abril, em forma de entrevista” e mais à frente que “Com a ressalva que solicitamos sempre um apoio institucional que varia consoante o espaço a ocupar na edição, ficamos a aguardar por um feedback, estando naturalmente disponíveis para qualquer outro esclarecimento”.

A 16 de abril o Conselho Deontológico (CD) contactou a advogada no sentido de pedir uma confirmação do interesse em que a queixa fosse analisada e se teria havido algum contacto, para além do descrito no referido e-mail.

Sofia Ventura respondeu no dia seguinte, reafirmando esse interesse e informando que “Quanto a interações com a Valor Magazine, no passado havia já recebido as duas mensagens eletrónicas que anexo, nunca lhes tendo oferecido qualquer resposta”.

Procedimentos

A partir deste momento, o CD deu início à análise do caso, começando por confirmar que, de acordo com a ficha técnica da Valor Magazine, não existe nenhum jornalista nos quadros (designados, em alternativa, por “Gestores de Comunicação”), até por ser propriedade de uma agência de comunicação. Ainda assim, o Estatuto Editorial online diz que “A revista Valor Magazine compromete-se, deste modo, a respeitar o Código Deontológico dos Jornalistas” e que pautam o trabalho “por critérios de rigor, transparência, honestidade e idoneidade”.

A seguir, foram enviadas algumas questões ao seu diretor, que respondeu a 18 de abril (seguem-se as perguntas e as respetivas respostas de José Moreira):

1) Como funciona a escolha dos entrevistados e de que forma o ‘apoio institucional’ (financeiro, deduz-se) é decisivo para a escolha dos temas e entrevistados?

“O processo de trabalho da Valor Magazine começa pela escolha dos diferentes temas, para cada edição. Tal decisão é tomada tendo por base a atualidade – alterações legislativas, notícias recentes, novidades que surjam nas mais variadas áreas – tecnologia, direito, saúde, indústria, serviços, recursos humanos…  Após a escolha do tema, procuramos por profissionais – empresas ou profissionais em nome individual que integrem a respetiva área e que possam, com base na sua experiência, responder a algumas perguntas que elucidem o leitor sobre o tema em causa. A revista Valor Magazine não tem preço de capa, sendo os anúncios institucionais a única forma de sustentar a edição na sua elaboração e distribuição.  Ainda assim, caso consideremos que a participação e a intervenção de uma determinada entidade é decisiva e importante para o tema, o artigo avança ainda que sem qualquer apoio institucional”

2) Como interpretam a queixa de que “a pessoa que me interpela sugere que eu pague para ver uma entrevista minha publicada num meio de comunicação social”?

“Conforme explicado anteriormente, a única forma de sustentação do projeto é através do apoio institucional de quem nele participa – tal traduz-se na compra de espaço de anúncio institucional. Não é a entrevista que é paga, mas o espaço de anúncio institucional a publicar. “

3) A queixosa fala numa forma encapotada de publicidade”; como comentam?

 “Encapotada” foi a forma como a queixosa optou por fazer uma queixa, sem nunca antes se ter dirigido à Valor Magazine – via contacto geral ou diretamente ao account responsável pelo envio do email (cuja assinatura de email contém todos os contactos) para pedir mais esclarecimentos. Se o tivesse feito, teria percebido, cremos, que somos claros na forma de levar a cabo o nosso trabalho. O que fizemos foi uma proposta de trabalho, que pode ser aceite ou recusada, depois de bem esclarecida. A confirmar isso, não temos assinalados quaisquer problemas até à data com os participantes nas edições, ao longo dos anos. Este facto é demonstrativo da nossa relação com o mercado e os nossos clientes, que já são significativos. Gostaríamos também de deixar nota que, da área da pretensa queixosa (Direito), já tivemos a presença, ao longo das edições, de um número assinalável de colegas da dita queixosa e escritórios sem qualquer problema a registar. Pelo contrário, temos registo de feedback positivo. 

4)  Os textos por vós publicados fazem alguma referência ao facto de haver ou não um patrocínio subjacente (por uma questão de transparência, como referem no Estatuto Editorial)?

Todos os participantes nas edições, conforme descrito atrás, estão cientes da forma de participação e o anúncio institucional vem, não raras vezes, a acompanhar o artigo do próprio. 

 5) Se não empregam jornalistas, como podem respeitar o Código Deontológico e como fazem para o respeitar?

Questões de ética no tratamento da informação que nos é facultada, a transmissão dos factos e a comunicação correta do que nos foi relatado por quem participa nas nossas edições é algo que cabe a todos os que são formados em Comunicação. Quem lê deve ter acesso a informação correta, facultada pela voz daqueles que são profissionais das respetivas áreas e devemos ter o cuidado de transmitir a informação de forma correta e não abusiva. Os artigos só são publicados após uma revisão prévia por parte dos participantes. 

6) Qual é a relação com o jornal Nascer do Sol?

“A revista Valor Magazine é distribuída através do semanário Nascer do Sol, mensalmente. Este título é o nosso meio de distribuição, sendo este o nosso único elo de ligação.”

Em paralelo foram enviadas duas questões ao diretor do jornal Nascer do Sol:

1) Qual a relação entre o jornal e a revista, nomeadamente ao nível de conteúdos?

2) Temem que possa haver alguma confusão, nos leitores e nos hipotéticos entrevistados, entre os conteúdos e as opções (eventualmente comerciais) da Valor Magazine?

Mário Ramires respondeu a 29 de abril, começando por afirmar que “A revista Valor Magazine é distribuída como encarte juntamente com o jornal por mim dirigido Nascer do Sol” e que “conforme podem verificar na ficha técnica disponível, a entidade proprietária e direção pertencem a entidades distintas do “Nascer do Sol”. Ainda assim, afirma o diretor do semanário, “o teor do email remetido por Fernando Costa, da Valor Magazine, é manifestamente um uso abusivo da marca “Nascer do Sol”, tal como entretanto, e a meu pedido, já lhe foi devidamente comunicado”.

Análise

Não sendo a Valor Magazine uma publicação jornalística (antes, como assinalado pelos próprios, propriedade de uma agência de comunicação) nem tendo jornalistas a colaborar (apenas ‘gestores de comunicação’), é difícil ao CD intervir numa área estranha, e até incompatível, à sua.

Ainda assim, existem dois pontos em que o CD entende poder dar um contributo, respondendo às solicitações da queixosa:

  1. a) é clara a forma como a Valor Magazine associa a escolha dos entrevistados aos apoios institucionais (financeiros)?
  2. b) que sentido faz a referência ao Código Deontológico, se estamos perante uma revista não jornalística e sem jornalistas?

Relativamente à primeira questão, entende o CD que seria do interesse de todos, Valor Magazine e potenciais entrevistados, que no primeiro contacto houvesse uma explicação que não desse azo a equívocos, como os que a queixosa invoca. O teor do email enviado à queixosa, até pela referência ao jornal Nascer do Sol, permite essa confusão. Regista-se a reação do diretor do jornal neste aspeto em concreto.

Relativamente à segunda questão, a Valor Magazine pode e deve ser o mais rigorosa no tratamento e transmissão das entrevistas que realiza, mas invocar na sua página online o Código Deontológico aumenta os equívocos referidos no parágrafo anterior. O trabalho realizado pela Valor Magazine está nos antípodas de diversos artigos do referido Código, pela simples razão de que não se trata de jornalismo, mas de publicidade paga (partindo o CD do pressuposto de que o leitor percebe que existe uma relação entre o entrevistado e o patrocínio – a esse propósito, da consulta feita pelo CD a vários números online conclui-se que na maior parte das entrevistas há uma menção publicitária, regra geral na parte inferior da página).

Deliberação

O CD entende que a Valor Magazine só terá a ganhar se for mais clara na forma como se relaciona com os seus entrevistados (e leitores) na parte das contrapartidas monetárias e insta a publicação a retirar qualquer referência do Código Deontológico dos Jornalistas da sua página oficial.

O CD decidiu também dar conhecimento desta deliberação à Entidade Reguladora para a Comunicação Social para eventuais medidas consideradas competentes.

 Lisboa, 9 de maio de 2024

O Conselho Deontológico

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