Trabalhadores do “Expresso” contra despedimentos

Os trabalhadores do “Expresso”, em plenário realizado hoje, 27 de Maio, aprovaram por unanimidade e aclamação uma Moção contra os despedimentos de quatro trabalhadores por alegada extinção do posto de trabalho.

No texto, que a seguir se transcreve na íntegra, os trabalhadores lamentam que a Administração “insista no despedimento de quatro dos seus colegas, em vez de tentar soluções menos gravosas, tanto para as pessoas envolvidas como para o ambiente na redação e na imagem pública de um título respeitado e modelar como o Expresso”.

Na Moção apela-se ainda à Administração do jornal para que “faça um derradeiro – mas consciente e rápido – esforço para viabilizar um desfecho não litigioso para estes casos”, pois “só assim será reposto um laço [de confiança] que está a ficar muito ténue”.

O Sindicato dos Jornalistas, que já em comunicado de 19 de Abril havia apelado à unidade e à defesa dos postos de trabalho no “Expresso”, saúda os trabalhadores por esta corajosa manifestação de solidariedade.

MOÇÃO
CONTRA OS DESPEDIMENTOS POR “EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO”

Os trabalhadores do Expresso, reunidos em plenário convocado especificamente para o efeito, discutiram o processo de despedimento de quatro trabalhadores por alegada extinção do posto de trabalho.

Na sequência da posição aprovada em 10 de dezembro de 2012, na qual apelaram à empresa para que não avançasse com a “rescisão coerciva dos contratos” – reafirmada nos pareceres da CT contrários a estes despedimentos, no âmbito na tramitação deste processo –, os trabalhadores do Expresso não podem deixar de lamentar vivamente o estado a que se chegou. A Administração recorre a uma lei com disposições iníquas, como as que enquadram o “despedimento por extinção do posto de trabalho”.

Um dos objetivos do pacto social que viabilizaram o atual Código de Trabalho foi “conseguir finalmente a liberalização praticamente irrestrita do despedimento individual”, deixando os trabalhadores “com um vínculo laboral muito mais frágil”. Eis o que dizia um editorial do Expresso (21/01/2012). Desde então agravou-se ainda mais o quadro legal para os trabalhadores.

Ninguém estaria, portanto, à espera que, pouco mais de um ano volvido, o Expresso engrossasse o lote de empresas que usam todos os trunfos que o Código do Trabalho lhes coloca nas mãos.

Sem particularizar situações, a argumentação usada para justificar os quatro despedimentos assenta no pressuposto de que não há nas secções em causa trabalhadores com “contrato a termo”. O que, como todos sabemos – a começar pela Administração – apenas é verdade numa leitura muito restritiva do Código de Trabalho.

A lei permite invocar “critérios relevantes e não discriminatórios”. Em bom português, isto dá para tudo (uma amplitude fornecida pela lei e aproveitada pela empresa). Só assim se explica que no elenco dos “critérios relevantes e não discriminatórios” surjam, a título de exemplo, razões tão diferentes como:

– o menor nível de avaliação de desempenho durante três anos consecutivos;

– a menor produtividade (avaliada, num caso, pelo número de artigos publicados e assinados na edição impressa do jornal por uma jornalista que, no entanto, pertence à redação online; e noutro pelo número de fotografias produzidas e publicadas);

– o mais alto vencimento pago na respetiva secção.

Não se questiona a validade de alguns critérios, de per si. Mas acontece que a grelha utilizada não é uniforme. A um trabalhador aplicam-se uns critérios; a outro, uma coisa completamente diferente. É como dá mais jeito. Sempre no escrúpulo da lei, registe-se. Mas se a ética precede a lei, há casos, como este, em que isso ainda mais se impõe.

A invocação daqueles critérios deixa uma sensação de arbitrariedade e discricionariedade. Os trabalhadores do Expresso – dos jornalistas aos gráficos, passando pelos demais profissionais envolvidos na produção do melhor jornal português – ficam, portanto, a saber que haverá sempre um argumento dentro dos “critérios relevantes e não discriminatórios”, que pode ser invocado, a qualquer momento, para extinguir um posto de trabalho e despedir quem quer que seja.
Este processo mina um dos bens mais valiosos num órgão de comunicação social: a confiança.

Ao longo de quatro décadas, o Expresso foi construindo um património imaterial único. Em muitos momentos o caminho foi escolhido somente após discussões e negociações – e mais tarde se confirmou ter sido a mais acertada das rotas. Os trabalhadores sempre revelaram sentido de equilíbrio e de realismo. Numa prova de responsabilidade, prescindiram de direitos e regalias, sempre disponíveis para o diálogo e o consenso.

Por isso, os trabalhadores do Expresso lamentam que a Administração insista no despedimento de quatro dos seus colegas, em vez de tentar soluções menos gravosas, tanto para as pessoas envolvidas como para o ambiente na redação e na imagem pública de um título respeitado e modelar como o Expresso.

Numa conjuntura complexa da vida do país, das empresas e sobretudo das pessoas, os jornalistas e demais trabalhadores do Expresso, após serena ponderação, decidem aprovar esta moção. Ao fazerem-no reafirmam o seu compromisso com os sólidos valores da empresa e os perenes princípios do jornalismo e da liberdade de expressão. Uns e outros só podem ser exercidos por mulheres e homens livres. É também uma afirmação de solidariedade para com os trabalhadores – os nossos colegas e todos os outros – atirados para o desemprego sem horizonte nem esperança.

É, por fim, uma garantia clara para todos aqueles que nos leem, num tablet ou em papel: o grau de exigência ética que colocamos na nossa profissão, quando investigamos ou escrevemos sobre terceiros (pessoas ou organizações), é um imperativo que tem de começar por nós e entre nós.

Perante tudo isto, os trabalhadores do Expresso decidem:

– manifestar o seu vivo protesto e a sua indignação pelo processo de despedimento dos quatro trabalhadores;

– exprimir a sua deceção, até pelo facto de ocorrer no ano em que o nosso jornal celebra 40 anos de vida e que deveria ser de festa para todos;

– alertar para as consequências deste processo, na criação de um clima de temor no interior da redação, que pode afetar o exercício de um jornalismo livre, independente e de qualidade;

– contestar o facto de a indemnização estipulada para os quatro trabalhadores não contemplar os anos em que estiveram a recibos verdes. Apesar do vínculo precário, foi tempo de trabalho efetivo (algo que a jurisprudência dos tribunais consagra);

– declarar a sua estupefação pelo facto de a empresa ter decretado o despedimento de um jornalista que no ano passado ganhou o Prémio Gazeta, considerado unanimemente o principal prémio anual de jornalismo em Portugal.

Numa iniciativa que querem seja exclusivamente entendida como construtiva, os trabalhadores do Expresso apelam à Administração para que faça um derradeiro – mas consciente e rápido – esforço para viabilizar um desfecho não litigioso para estes casos. Só assim será reposto um laço que está a ficar muito ténue. Os trabalhadores estarão disponíveis para dar o seu contributo, na base de ideias e sugestões ventiladas mais do que uma vez.

Paço de Arcos, 27 de maio de 2013

Moção aprovada por unanimidade e aclamação

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