Subordinação de jornalistas a não jornalistas

Analisando um caso concreto ocorrido na agência Lusa e que lhe foi apresentado pelo respectivo Conselho de Redacção, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas emitiu um parecer reconhecendo que os jornalistas podem e devem exigir que quem editorialmente os enquadre esteja habilitado com título profissional ou de equiparado.

Assunto: Relação de subordinação de jornalistas a não jornalistas em matéria editorial

Pedido de parecer: O Conselho de Redacção da agência noticiosa Lusa apresentou informalmente um pedido de parecer ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas «sobre se é ética e deontologicamente compatível com a profissão de jornalista pertencer a um serviço dirigido por uma direcção comercial». Não tendo o Conselho de Redacção da Lusa exposto situações concretas que lhe suscitassem dúvidas, entendeu o Conselho Deontológico pronunciar-se de uma forma genérica sobre o relacionamento hierárquico de jornalistas com não jornalistas.

Análise:

1. Entende o Conselho Deontológico que a questão colocada pelo Conselho de Redacção da Lusa só tem sentido se forem de natureza jornalística as funções desempenhadas pelo jornalista. Não o sendo, ele exclui-se automaticamente do quadro legal do exercício da profissão, já não se colocando aí uma questão ética e deontológica mas tão-somente o uso do seu título profissional para fim diverso do que lhe foi atribuído. Nem chega a ser uma incompatibilidade, mas apenas o não preenchimento das condições mínimas para requerer o título profissional.

2. O problema só merece análise na eventualidade de um jornalista, exercendo uma actividade jornalística, depender editorialmente de alguém legalmente não habilitado ao exercício de funções jornalísticas. Colocada assim a questão, ela situa-se mais no campo dos direitos dos jornalistas do que no plano dos seus deveres, a área em que o Conselho Deontológico está, por definição, mais vocacionado para se pronunciar. Em todo o caso, porque pode a situação envolver um entrelaçar de deveres e direitos, não se dispensa o Conselho Deontológico de tornar púbica a sua apreciação.

3. O quadro constitucional e legal em que se define a profissão de jornalista impõe-lhe algumas obrigações e concede-lhe direitos de que ele não pode eticamente prescindir, a saber:

– vincula-o ao cumprimento de um Código Deontológico;

– impõe-lhe um conjunto de incompatibilidades ao exercício da profissão;

– proporciona-lhe o recurso à cláusula de consciência, de modo a que possa rejeitar actos profissionais contrários às suas convicções mais profundas;

– faculta-lhe a possibilidade de ter como referência, no seu vínculo a uma empresa, o respectivo estatuto editorial, o qual, sendo significativamente alterado, pode ser assumido, pelo jornalista, como rompimento sem justa causa do seu contrato;

– permite-lhe integrar e/ou ser representado por um Conselho de Redacção (obrigatório em empresas com mais de cinco jornalistas), com diversos poderes deliberativos e consultivos e cujas reuniões são presididas pelo Director;

– reconhece-lhe o direito ao segredo profissional o que, no Código Deontológico, é transformado em dever.

4. Além disso, a lei estabelece exigências ao Director: este pode não ser jornalista, isto é, pode aceder à Direcção sem primeiro ter obtido o título profissional de jornalista, nos termos do Estatuto, mas assim que assume funções, é-lhe exigido que requeira o título de equiparado a jornalista, passado pela mesma instância e nos mesmos termos que a Carteira Profissional, com, entre outros, os seguintes vínculos:

– não incorrer nas incompatibilidades previstas na lei;

– respeitar o Código Deontológico;

– cumprir o dever legal (aqui já não é só um direito) de não revelar as fontes dos jornalistas seus subordinados.

5. O director que não seja possuidor de, pelo menos, título de equiparado a jornalista validamente passado pela autoridade competente – na circunstância, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, já oficialmente em funções – incorre no crime de usurpação de funções previsto no artigo 358.º do Código Penal. Nos termos deste normativo, quem «exercer profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-lo, quando o não possui ou as não preenche» pode sofrer pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

6. Este feixe de normas para os jornalistas e os seus directores constitui uma resposta directa à perplexidade recentemente manifestada por alguém que assumiu responsabilidades numa empresa de comunicação social. E a resposta é: sim, os jornalistas são, de facto, diferentes dos restantes trabalhadores de uma empresa de comunicação social: não são piores nem melhores, não estão acima nem abaixo – estão tão-somente numa posição diferente e que tem de ser entendida e respeitada. Convirá, portanto, que os responsáveis das empresas compreendam estas especificidades – que são ainda mais do que as citadas, nomeadamente no campo da liberdade criativa – e assim estruturem os órgãos de informação, de modo a não se verem incursos até em delito penal.

7. Finalmente, enunciado o quadro de deveres e direitos que qualificam o exercício da profissão de jornalista e restringem o leque de pessoas que podem enquadrar profissionalmente os jornalistas, cumpre lembrar a imposição constante no artigo 10.º do Código Deontológico: «O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional.»

Assim, entende o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas dever emitir o seguinte

Parecer

1. Os jornalistas têm o direito e o dever de exigir que quem os enquadre profissionalmente no exercício da sua actividade esteja habilitado com título profissional ou de equiparado, com vinculação aos deveres dele decorrentes.

2. Os jornalistas têm o direito e o dever de não aceitar funções que comprometam o seu direito à cláusula de consciência, que lhe frustrem a referência a um estatuto editorial e que lhe cerceiem os direitos a integrar e/ou a ser representado por um Conselho de Redacção onde este for obrigatório.

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