Subjornalismo e devassa da intimidade

A propósito de um conjunto de manifestações subjornalísticas de devassa da intimidade, veiculadas sob o pseudónimo «Dantas» no «Semanário», o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas decidiu tornar pública a sua posição de repúdio não só por esta forma de antijornalismo, mas também pelo antijornalismo dos que lhe deram repercussão.

1. Com uma peculiar insistência, o Conselho Deontológico foi criticado por não ter tomado posição pública sobre a recente proliferação de manifestações de subjornalismo anónimo ou pseudónimo que aposta na devassa da intimidade de pessoas com maior ou menor relevo social. Esse silêncio oficial formal foi deliberado – não foi distracção: distracção terá havido nos órgãos de informação que deram guarida a críticas ao Sindicato e não lhes ocorreu a obrigação ética de ouvir o Sindicato. O silêncio oficial formal foi deliberado – mas não o foi por cumplicidade com os autores de tão rasteiras violações da ética: cumplicidade objectiva houve, sim, no vertiginoso totobola de nomes a que se assistiu, na tentativa de acertar em quem era quem, descontando, em grotesco, a gravidade de se terem atingido pessoas e reputações – combateu-se o antijornalismo com antijornalismo!

Quatro razões sustentaram a posição formal do Conselho Deontológico:

– uma intervenção oficial do Conselho, nesta matéria, não conteria nada que não fosse já do sobejo conhecimento de todos os jornalistas portugueses, incluindo os que têm violado a ética; em questões desta gravidade, não há lugar para ignorância ou boa-fé – há apenas despudor e propósito de facturar à vista com o delito;

– por outro lado, pretendeu evitar-se o contraproducente efeito de beneficiar o infractor, aumentando-lhe a notoriedade e a audiência pelo aguçar da curiosidade pública;

– além disso – e esta consideração pesou sobremaneira -, corria-se o risco de ainda mais vitimar os ofendidos, eventualmente de uma forma irreparável;

– por fim – e este ponto merece reflexão séria nas redacções – a experiência recente evidencia que, infelizmente, a comunicação entre o Sindicato dos Jornalistas e a opinião pública tem sido curto-circuitada em órgãos de informação importantes, nuns casos por patente hostilidade para com o Sindicato, noutros por um excesso de escrúpulo em noticiar assuntos que só aparentemente pertencem à vida interna da classe: nos últimos meses, a opinião pública foi desapossada do direito de conhecer dois pareceres genéricos e três recomendações do Conselho Deontológico que melhor a preveniriam contra violações de regras de conduta dos jornalistas. Em todo o caso, procurando contornar o muro de silêncio, em momento algum os dirigentes sindicais se furtaram a prestar declarações públicas, nomeadamente sobre este tema, sempre que solicitados.

2. O facto de não ter tomado uma posição formal pública, pelas razões atrás expostas, não significa que o Conselho Deontológico não age, de um modo firme e tão eficaz quanto possível, sempre que pontualmente solicitado pelas vítimas, como, aliás, o tem feito noutras ocasiões. O Conselho presta todo o aconselhamento e apoio àqueles que se sintam vítimas de insinuações ou devassas à sua intimidade: os casos são estudados um a um, tendo sempre como objectivo a reparação das ofensas sem exposição pública escusada dos atingidos. Por isso, não se espere que, nesta matéria, o Conselho dê conhecimento público das queixas que recebe.

3. O Conselho Deontológico recorda que os seus meios directos de intervenção, decididos por unanimidade no II Congresso dos Jornalistas Portugueses, se limitam à reprovação, discreta ou pública, consoante a gravidade dos casos. Não estão ao alcance do Conselho, nem este as deseja, medidas administrativas de interdição do exercício da profissão. Mesmo a Comissão da Carteira – instância não sindical, como se sabe – só pode suspender o título profissional em casos descritos na lei como exercício de actividade incompatível.

No entanto, o Conselho admite a hipótese, em casos particularmente graves de violação contumaz da ética profissional, de propor às estruturas sindicais competentes que, na acção judicial a mover, com apoio do Sindicato, seja requerida a pena acessória de inibição do exercício da profissão, por tempo a decidir pelo tribunal.

Além disso, nos termos dos Estatutos do Sindicato dos Jornalistas, o Conselho Deontológico poderá propor sanções disciplinares a associados, incluindo a expulsão. Para não associados, o Conselho admite propor aos órgãos sindicais a declaração de «persona non grata» à classe, sem possibilidade de filiação futura no Sindicato.

Em toda esta matéria, cumpre também interpelar as entidades patronais sobre como pensam agir relativamente aos jornalistas indignos: é já tempo de a opinião pública saber quais os padrões éticos que as entidades patronais se comprometem a respeitar.

4. O jornalismo anónimo ou pseudónimo sem um rosto identificável é, à partida, uma modalidade perigosa e pouco transparente, constituindo uma porta entreaberta à irresponsabilidade. O Conselho Deontológico considera que os jornalistas devem, com serenidade e sem preconceitos, reabrir o debate sobre esta questão, nomeadamente no âmbito do III Congresso, em face dos resultados verificados nos últimos anos.

5. Por fim, a opinião pública precisa de saber que o resvalamento de algum jornalismo anónimo ou pseudónimo para situações delituosas tem uma relação estreita com a considerável perda de poder dos jornalistas nas redacções e com a destruição de organismos prestigiados de magistratura moral na informação, nomeadamente o Conselho de Imprensa: na última década, sucessivas modificações legislativas, facilitadas por uma irresponsável revisão constitucional, visaram acabar com o jornalismo dos jornalistas para dar lugar ao jornalismo escravo das audiências. Os resultados estão à vista e os culpados são conhecidos.

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