SJ subscreve co-regulação na imprensa e deixa alertas

O presidente da Direcção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) considerou hoje a assinatura de um acordo sobre classificação de publicações um “passo inaugural na co-regulação do sector”, pediu um “olhar mais agudo” sobre o panorama da Imprensa e chamou a atenção para as transformações no sector.

Intervindo na cerimónia de assinatura do acordo, entre a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), a Associação Portuguesa de Imprensa (API) e o SJ, Alfredo Maia alertou para os riscos de uniformização da informação e da despersonalização dos órgãos de informação, com a criação de estruturas centralizadas de produção para várias “marcas”, chamando também a atenção para as consequências do desinvestimento na distibuição física de publicações.

Intervenção integral

A primeira pergunta para a qual muitos esperarão, agora, uma resposta talvez seja esta: que passo se segue?

De facto, ao outorgar o presente Acordo de Co-regulação, o Sindicato dos Jornalistas tem consciência de que ele tem um âmbito limitado.

Tem, no entanto, o mérito de constituir um primeiro passo na co-regulação do nosso sector, ainda que possa parecer que mais responde a um estado de necessidade do que corresponde a um estádio de responsabilidade. Veremos do que somos capazes de fazer.

O mais importante a assinalar é, pois, este facto: o Regulador – a ERC – , a associação mais representativa dos proprietários de publicações e a associação sindical dos jornalistas deram enfim um passo no sentido da co-regulação.

Talvez um passo pequeno, talvez um passo tardio, mas é um começo. Esperemos agora que prossiga com passos firmes e reflexão permanente sobre os resultados e sobretudo sobre as possibilidades que esta experiência em construção permite augurar.

Este acto ocorre num contexto que suscita, desde logo, a questão de saber se, na actual situação e perante a perspectiva de novas e mais profundas alterações no sector, faz sentido dedicar esforços suplementares a actos que as designadas mudanças de paradigma podem tornar obsoletos e, quiçá, inúteis.

Porém, deve dizer-se já, e sem hesitações, que faz realmente falta olhar para a paisagem mediática com um olhar mais agudo e peneirar melhor as pilhas de papel impresso à disposição do público, quantas vezes explorando a confusão de conceitos, apresentando como informação jornalística o que não passa de apresentação comercial de produtos, marcas e serviços.

O Conselho Regulador deu já um passo muito significativo com a aprovação da directiva sobre publicidade nas publicações periódicas, mas é necessário ir mais longe e discutir fronteiras que desejamos mais claras se queremos ser construtores de um sistema mediático mais credível.

E será útil que o façamos primeiramente entre nós, a indústria regulada e os jornalistas que nela trabalham, porventura com a colaboração do Conselho Regulador, mas com o propósito de antecipar qualquer medida que o poder político seja tentado a impor. Este é, aliás, o segredo – e a vantagem – a co-regulação.

Embora reconheça que não é esta, talvez, a oportunidade mais azada para o fazer, peço licença para partilhar duas ou três preocupações do momento.

Justamente a pretexto deste Protocolo, pode discutir-se se podemos falar de verdadeiras publicações periódicas no caso de modelos de produção informativa em linhas de fabrico centralizadas para ser disponibilizada ao público sob chancelas distintas – ou “marcas”, como sói dizer-se -, pondo em crise a sua própria identidade e arriscando a relação com os leitores.

Não será que, além de causas educativas, culturais e económicas que certamente estão na origem das quebras de vendas de publicações, a descaracterização e a despersonalização dos jornais – e falo da sua alma e não do seu espelho – estarão a contribuir também para afastar os leitores?

Um jornal não é uma mera e ocasional justaposição de textos e imagens, mas sim uma obra colectiva que tem identidade própria e com a qual os leitores se identificam.

Um jornal, como uma revista, é um ente único, irrepetível, com personalidade própria, cujo pulsar quotidiano flui da respiração e do sangue daqueles que compõem o seu corpo redactorial indivisível, cada qual olhando e escutando a seu modo, segundo a sua capacidade e condicionado pela sua mundividência, animado por um projecto e balizado por uma disciplina editorial comum.

Há também quem questione a própria sobrevivência física das publicações periódicas no contexto de um mercado digital crescente. Parece não haver dúvidas de que cresce, mas convém ter em conta que o mercado está para as necessidades informativas como a manta estreita para a cama larga.

Por vezes, puerilmente deslumbrados com as chamadas novas tecnologias, esquecemos que há muitos milhões de pessoas que não têm acesso às tecnologias de informação e comunicação ou que nem sequer dominam as fórmulas de acesso e a sua linguagem, para não falar das que ainda nem sequer sabem ler e escrever.

Desinvestir na distribuição física de publicações periódicas pode ser uma opção aceitável à luz de critérios meramente económicos e desprover essa actividade de qualquer sentido de serviço público poderá trazer alguns resultados financeiros, mas significa também condenar à exclusão informativa milhões de seres humanos.

A eliminação desse gueto cívico deve constituir uma preocupação central de governos, associações empresariais, sindicatos, universidades, associações culturais e cívicas, devendo colocar-se na ordem do dia o reforço e racionalização dos apoios à distribuição e à leitura de publicações periódicas e até à necessidade de um serviço público de imprensa.

Num contexto de contínua mudança no sector e até de experimentação dramática de soluções para a melhoria de resultados financeiros, os cidadãos são muitas vezes esquecidos e são postergadas algumas funções dos media que são a razão da nossa existência – proprietários das publicações periódicas e os jornalistas ao seu serviço.

Mas estes serão temas para nos ocupar em futuras etapas da co-regulação que, espero sinceramente, havemos de percorrer.

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