SJ responsabiliza Governo pela situação de jornalistas no Iraque

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) considera que o Governo é o principal responsável pela falta de condições de segurança dos jornalistas portugueses no Iraque, que levaram ao sequestro de Carlos Raleiras, ainda desaparecido, e ao ferimento de Maria João Ruela, que foi operada a uma perna. Em comunicado, de 15 de Novembro, o SJ alerta ainda para a necessidade de as empresas garantirem aos jornalistas uma melhor preparação para este tipo de missões.

Tendo ponderado todas as informações e, inclusive, feito contactos com jornalistas no Iraque, o SJ concluiu que por mais que o Governo e a GNR “procurem eximir-se às suas responsabilidades” não restam dúvidas que os profissionais portugueses foram abandonados à sua sorte.

O SJ salienta a necessidade de as empresas e os jornalistas planearem e prepararem de modo cuidadoso este tipo de missões, que têm um elevado potencial de risco, e afirma a intenção de alargar as possibilidades de formação específica para estas missões.

É o seguinte, na íntegra, o comunicado do Sindicato dos Jornalistas de 15 de Novembro de 2003:

Quem é responsável pelos acontecimentos no Iraque

1. O Sindicato dos Jornalistas, que acompanha activamente e com grande preocupação, os dramáticos acontecimentos no Iraque envolvendo profissionais portugueses, reafirma publicamente a sua solidariedade para com os repórteres vítimas do assalto de ontem e para com as redacções e as empresas ao serviço das quais aqueles se encontram, ao mesmo tempo que responsabiliza o Governo português pela insegurança da missão em causa.

2. Pela sua longa experiência e pela experiência de muitos dos jornalistas que são ou foram membros dos seus corpos gerentes, o SJ tem consciência de que o teatro onde os factos aconteceram é, por definição, uma zona de elevado risco para o exercício da missão de informar em que os enviados portugueses generosamente se encontram empenhados.

3. Mas o Sindicato também sabe que tal missão acontece num contexto de actualidade política e da própria situação do sector da comunicação social em Portugal que deve ser levado em conta, sobretudo em alturas dramáticas como esta, e do qual, forçosamente, devem extrair-se consequências.

4. Por mais que o Governo, através do Ministério da Administração Interna, e a Guarda Nacional Republicana procurem eximir-se às suas responsabilidades, não restam hoje quaisquer dúvidas de que o Estado português deveria ter assumido desde o primeiro minuto a sua responsabilidade em assegurar condições de segurança aos jornalistas.

5. Sendo os órgãos de informação os olhos e os ouvidos da opinião pública portuguesa e revestindo a missão do Agrupamento Alfa da GNR a importância nacional que reveste – independentemente, agora, das posições que sobre ela foram tomadas – o Estado deveria ter garantido condições para que os jornalistas portugueses acompanhassem aquela força militarizada sem qualquer risco de os abandonar à sua sorte, como veio a acontecer.

6. Os factos, que ainda hoje o SJ pôde comprovar, através de contactos com profissionais no Iraque, evidenciam uma flagrante falta de planificação adequada para a componente jornalística que a operação deveria contemplar, não porque a sua cobertura represente uma ofensiva de propaganda mas porque aos jornalistas cabe assegurar o escrutínio público da missão decidida pelo poder político.

7. É grave, por exemplo, que só praticamente nas proximidades do Iraque os jornalistas tivessem tido conhecimento de que não poderiam prosseguir com o Agrupamento Alfa até ao seu destino; não é aceitável que tenham sido abandonados à sua sorte; e é incompreensível que, não obstante o já prolongado envolvimento de Portugal no conflito, não lhes tenham sido asseguradas condições de evacuação através da fronteira com o Koweit.

8. Ao mesmo tempo que as autoridades portuguesas não podem declinar as suas responsabilidades, as empresas e os jornalistas devem reflectir sobre as actuais condições de produção dos média e a imperiosa necessidade de prepararem a tempo e aprofundadamente as missões em teatros de guerra.

9. Os factos provam que não chega a disponibilidade, a coragem e a generosidade manifestada pelos jornalistas para a realização de missões como esta, assim como não basta às empresas procederem pontualmente a investimentos elevados nos encargos que tais reportagens representam, sendo necessários:

a) Um investimento criterioso na preparação específica de jornalistas a deslocar para teatros de conflito ou de risco em geral, designadamente através da frequência de acções de formação e de adestramento;

b) Uma planificação rigorosa das missões, com o estudo o mais detalhado possível das condições no terreno, da existência de dispositivos de segurança e de apoio já disponíveis e/ou das alternativas de recurso em situações de emergência ou de ineficácia dos primeiros.

10. Trata-se de um desafio que deve unir todas as partes – em particular as empresas e os jornalistas – e no qual o Sindicato vai continuar a investir, usando toda a sua experiência e todos os seus meios e instituições onde intervém ou com as quais se relaciona.

11. Assim, o Sindicato vai propor aos seus parceiros nas acções de formação que tem realizado neste domínio o alargamento das competências adquiridas nos “estágios de sobrevivência” em zona de risco à própria planificação das missões dos enviados especiais e a formação de um grupo de análise das experiências e prospecção de riscos.

12. Por outro lado, no âmbito das negociações das convenções colectivas de trabalho, o Sindicato proporá às associações patronais e às empresas com instrumento regulamentador próprio a fixação de regras específicas relativas à formação e capacitação de jornalistas para o desempenho de missões em teatros de conflito e de risco.

Lisboa, 15 de Novembro de 2003

A Direcção

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