SJ rejeita que o “caso Correio da Manhã” seja pretexto para ataque ao sigilo jornalístico

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) não aceita que qualquer investigação ao caso das gravações pertencentes a um jornalista do jornal “Correio da Manhã” se transforme “numa desenfreada caça às fontes confidenciais de informação”, pondo em causa o sigilo profissional.

Em comunicado divulgado a 11 de Agosto, o SJ alerta que a “publicação de excertos das referidas gravações ou a identificação das pessoas, sem autorização expressa do seu autor e dos seus interlocutores, representa uma inaceitável devassa do sigilo jornalístico”.

Embora admitindo que “as autoridades judiciárias se considerem obrigadas a averiguar a prática de eventuais ilícitos e procedam em conformidade com as normas processuais penais”, o SJ considera que a divulgação dos materiais em causa, para além de agravar os danos às pessoas envolvidas, arrisca fazer “resvalar um grave incidente de arrombamento de sigilo profissional para um ajuste de contas, em degradante gáudio para curiosos”.

Reafirmando a sua firme convicção de que o “sigilo profissional não ilide as responsabilidades civis e criminais pelos actos dos jornalistas”, o SJ apela aos profissionais “eventualmente detentores de elementos sobre as gravações para que resistam à tentação do estímulo à devassa”, e reafirma a sua disponibilidade para colaborar com o Governo e com a Assembleia da República para, com a devida serenidade, estudar as alterações do Código Penal e do Código de Processo Penal que se pretende levar a cabo.

É o seguinte o texto, na íntegra, do Comunicado do SJ:

Comunicado

1. O Sindicato dos Jornalistas tem vindo a acompanhar, até com intervenções em órgãos de informação, as questões suscitadas com o furto, posse por terceiros e mesmo disseminação de gravações pertencentes a um jornalista do jornal “Correio da Manhã”.

2. Desde o primeiro instante, a posição do SJ resume-se às seguintes linhas essenciais:

a) As gravações, independentemente dos fins e da forma como foram realizadas, constituem material legalmente protegido pelo sigilo profissional do jornalista;

b) A realização e a disseminação de cópias – integrais ou parciais – constitui uma intolerável invasão do sigilo profissional do jornalista;

c) A publicação de excertos das referidas gravações ou a identificação das pessoas, sem autorização expressa do seu autor e dos seus interlocutores, representa uma inaceitável devassa do sigilo jornalístico;

d) Sendo eventualmente questionáveis algumas gravações à luz das normas penais, é de ter igualmente presente a exclusão da ilicitude que resulta do quadro de deveres consagrados no Estatuto do Jornalista.

3. Não obstante, assiste-se, nos últimos dias e em crescendo, a um coro de exigências, clamando até o suposto interesse público na divulgação dos materiais referidos e invocando perigosamente o pretenso “direito” a saber-se quem, em violação dos seus deveres, terá passado informações ao jornalista.

4. O SJ admite que as autoridades judiciárias se considerem obrigadas a averiguar a prática de eventuais ilícitos e procedam em conformidade com as normas processuais penais e em respeito pelos direitos das pessoas envolvidas. Mas já não aceita que qualquer investigação – de natureza judiciária ou outra – transforme o caso numa desenfreada caça às fontes confidenciais de informação e faça resvalar um grave incidente de arrombamento de sigilo profissional para um ajuste de contas, em degradante gáudio para curiosos.

5. O SJ também não aceita que, ao mesmo tempo que se afirma que as gravações eventualmente ilícitas atingem valores protegidos das pessoas nelas intervenientes, se defenda a ampliação dos danos, procedendo à sua difusão.

6. O Sindicato dos Jornalistas compreende os sentimentos de pessoas directa ou indirectamente envolvidas nos factos e aceita que estes podem gerar incompreensão naqueles que se consideram no direito de esclarecer tudo o que possa comprometer o seu bom nome. Mas considera que a divulgação reclamada causaria irreparáveis danos a um valor que, longe de ser pertença gratuita dos jornalistas, constitui uma garantia fundamental de realização livre e responsável da informação: o sigilo profissional.

7. Reafirmando a sua firme convicção de que o sigilo profissional não ilide as responsabilidades civis e criminais pelos actos dos jornalistas, o SJ apela aos profissionais eventualmente detentores de elementos sobre as gravações para que resistam à tentação do estímulo à devassa que tal clamor possa representar.

8. A pretexto do mesmo incidente, o Governo apressou-se a apelar à celebração de um pacto de regime sobre as “grandes questões da Justiça” e com incidência no Código Penal e no Código de Processo Penal.

9. Tal como noutras ocasiões de episódica dramatização, o SJ apela à ponderação do poder legislativo e das entidades que com ele colaborem, para que fujam à tentação demagógica de reformas a quente, sabendo-se como tais iniciativas casuísticas perdem em eficácia o que parecem ganhar em projecção mediática.

10. Tal como noutras ocasiões, o SJ reafirma a sua disponibilidade para colaborar com o Governo e com a Assembleia da República na discussão serena destas matérias, mas reafirma a sua oposição à discussão apressada – ao ritmo da notícia! – de problemas tão complexos.

11. Com efeito, uma intervenção séria, eficaz e duradoura nestas matérias carece de discussão, de reflexão e de maturação que não podem ceder à tentação do tempo mediático.

Lisboa, 11 de Agosto de 2004

A Direcção

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