SJ propõe quatro princípios fundamentais em defesa da liberdade de imprensa

O Sindicato dos Jornalistas (SJ), em documento entregue na Assembleia da República, defende alterações das leis penais no sentido de clarificar o âmbito do segredo de justiça; de consagrar a audição do Conselho Deontológico pelos tribunais sempre que estejam em causa regras e práticas profissionais; de garantir a protecção do sigilo profissional em todas as circunstâncias; e de corresponsabilizar as empresas jornalísticas pelo trabalhos dos profissionais ao seu serviço.

No parecer apresentado na audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, em 16 de Março, o SJ reafirma a sua convicção de que as “limitações e restrições à liberdade de imprensa são já suficientes, pelo que não deverão ser alargadas”, antes importando “conformar a prática com as disposições legais” existentes.

O que justifica a alteração, segundo o SJ, é o enquadramento jurídico respeitante ao segredo de justiça, designadamente através da “clara exclusão da ilicitude na revelação de matéria em segredo de justiça – actos processuais e documentos incluídos – quando se trate comprovadamente de denúncia de irregularidades e/ou atentados a direitos fundamentais”. Esta medida, como o SJ sublinha, não exclui obviamente a “responsabilização penal do jornalista, caso a pretendida denúncia venha a revelar-se calúnia infundada e infamante”.

Outra matéria que deve merecer a atenção dos legisladores é a “previsão expressa do recurso, pelos tribunais, à intervenção pericial do órgão representativo dos jornalistas com competência na deontologia profissional”. O objectivo, alega o SJ, é habilitar os tribunais a compreenderem melhor as regras e práticas jornalísticas, a exemplo do que já acontece, de resto, com outras actividades de especial complexidade.

A revisão do regime do sigilo profissional do jornalista é outro aspecto a exigir alterações, designadamente de forma a garantir que “em circunstância alguma” o jornalista será obrigado a violar este dever.

O SJ advoga ainda a alteração do n.º 2 do Art.º 29.º da Lei de Imprensa, “no sentido de reforçar o nível de responsabilidade dos órgãos de informação e de impor às empresas jornalísticas a responsabilidade civil solidária com o autor”. Trata-se, na prática, de ter em conta que “o jornalista é um elemento que se insere na estrutura organizativa da redacção”, pelo que não se pode admitir que “a omissão do director ou do seu substituto venha premiar a empresa que o jornalista serve”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do documento do SJ:

O Sindicato dos Jornalistas e as alterações às leis penais

Audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República

1. Introdução: a oportunidade e o contexto

A pretexto de alguns “desvarios” da Comunicação Social em matérias relacionadas com a actividade judiciária, temos vindo a assistir à expressão de opiniões no sentido da alteração do quadro jurídico em que uma e outra interagem.

Tais opiniões são produzidas ora por profissionais do foro, ora por comentadores do quotidiano, ora por responsáveis políticos. Entre estes, contam-se alguns deputados da Assembleia da República e o próprio Chefe de Estado.

Independentemente das razões e das motivações na origem de múltiplas análises e propostas, o Sindicato dos Jornalistas retém, das reflexões conhecidas, a necessidade de avaliar:

i) Como os media fazem o escrutínio da actividade judiciária;

ii) Como o teatro processual se desloca por vezes para os media;

iii) Como os media podem estar a colocar em crise direitos e garantias das partes;

iv) Como podem estar a ser violados direitos essenciais das pessoas;

v) Como podem jornalistas e meios de comunicação social estar a violar disposições legais relativas ao segredo de justiça;

vi) Como, enfim, poderemos estar a assistir a uma confrontação histórica entre dois valores igualmente protegidos pela Constituição da República Portuguesa.

A discussão actual caracteriza-se, genericamente, ora por uma certa tendência para limitar mais a liberdade de imprensa, com o pretexto de uma maior eficácia no resguardo dos direitos das pessoas objecto da atenção mediática, ora por uma posição aparentemente conservadora, no sentido de considerar desnecessária qualquer alteração às inúmeras disposições jurídicas com incidência no trabalho dos jornalistas e na actividade da comunicação social.

Tal discussão encontra caminho num contexto de discussão, muito mais ampla, no âmbito da revisão do Código Penal, do Código de Processo Penal e da própria Constituição da República Portuguesa.

Consequência da extraordinária exposição, nos meios de comunicação social, de alguns processos judiciais e mesmo da revelação de pormenores ainda protegidos pelo segredo de justiça, a discussão de temas como os fundamentos e a extensão deste acabou por centrar-se com grande insistência no problema vinculação aos jornalistas ao segredo.

Do mesmo modo, ganhou nova acuidade o problema dos limites da própria liberdade de imprensa, quando confrontada com episódios de risco de dano para o direito ao bom nome, à dignidade e à esfera da vida íntima.

Neste contexto, à questão de saber se é necessário alterar as leis em vigor, o Sindicato dos Jornalistas tem respondido que:

a) A Constituição, as leis penais, o Estatuto do Jornalista e os demais diplomas que regulam a actividade dos jornalistas e da comunicação social contêm já limites suficientes à liberdade de imprensa;

b) Os jornalistas não vivem à margem das leis nem gozam – nem querem gozar! – de qualquer espécie de imunidade penal;

c) As penas para os crimes cometidos através dos meios de comunicação social são já agravadas;

d) Qualquer discussão sobre a eventual necessidade de revisão legislativa neste domínio – como seguramente noutros igualmente complexos – deve ser feita num ambiente de serenidade e reflexão ponderada e não ao ritmo da notícia.

2. O que está em causa

O Sindicato dos Jornalistas não ignora o que está em causa nem tão-pouco as análises e contribuições de ilustres juristas e outros autores para esta discussão. Mas considera que vale a pena discutir se as normas em vigor são já suficientes ou não para proteger valores susceptíveis de serem ofendidos pela actividade jornalística.

Em concreto:

2.1. O problema dos limites à liberdade de imprensa

Ao instituir como direito fundamental a liberdade de expressão e de informação (Cfr. Art.º 37.º, n.º 1), a Constituição da República Portuguesa não o erigiu como valor absoluto isento de responsabilização civil e criminal (ibidem, n.º 3).

Desde as suas primeiras formulações que a Lei de Imprensa deixou sempre claros os limites, que ainda hoje se mantêm: “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática” (Cfr. Art.º 3.º, Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro).

O Estatuto do Jornalista (Cfr. Art.º 14.º, Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro) não só sublinha os deveres deontológicos dos profissionais, como fixa claramente um conjunto de “deveres fundamentais” que traduzem, na realidade, limites à sua liberdade, a saber, designadamente:

“c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;

“d) Não identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, bem como os menores que tiverem sido objecto de medidas tutelares sancionatórias;

“e) Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em função da cor, raça, religião, nacionalidade ou sexo;

“f) Abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a dignidade das pessoas;

“g) Respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas;

“h) Não falsificar ou encenar situações com intuitos de abusar da boa fé do público;

“i) Não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique.”

Outro limite evidente é o que resulta da exclusão de determinadas matérias do direito de acesso às fontes de informação. De facto, dispõe o Estatuto (Cfr. Art.º 8.º, n.º 3): “O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual.”

Do exposto resulta que a Lei fundamental e as leis ordinárias fixaram já os limites suficientes à liberdade de imprensa, a qual se exerce, por vezes, em situação de tensão entre certos valores ou mesmo de risco de violação de normas quando se julga impor-se, como valor superior, o desiderato constitucionalmente protegido do direito a informar e a ser informado (Cfr. Art.º 37.º, n.º 1 da CRP).

2.2. As formas de responsabilização

Ao mesmo tempo que estabelece o princípio da liberdade de imprensa, a CRP não ignora que o exercício desta não está isento de riscos. Por isso, as infracções cometidas no seu exercício “ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei” (Cfr. Art.37.º, n.º 3).

Por consequência, “a todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (ibidem, n.º 4).

Destas normas constitucionais derivam assim três níveis de responsabilização dos jornalistas e dos órgãos de informação, os quais se complementam: o instituto do direito de resposta, a responsabilização criminal e o ressarcimento cível.

O instituto do direito de resposta encontra-se largamente regulado, quer nos diplomas que regulam as actividades de imprensa (Artigos 24.º a 27.º da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro), rádio (Artigos 58.º a 62.º da Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro) e televisão (Artigos 59.º a 63.º da Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto), quer a Alta Autoridade para a Comunicação Social (leis 43/98, de 6 de Agosto, 8/2002, de 11 de Fevereiro, e 18-A/2002, de 18 de Julho).

Independentemente da satisfação do direito de resposta como meio imediato e expedito de reposição da verdade e de minimização pública do dano porventura causado às pessoas ou entidades visadas nos trabalhos jornalísticos, quis o legislador, e bem, que os autores de crimes cometidos através dos meios de comunicação social – portanto, com claro efeito amplificador do crime – fossem demandados e, uma vez confirmada a sua culpa, sancionados precisamente pela amplitude que tal prática adquiriu.

É nesse sentido que vão as disposições do Código Penal que cominam de forma agravada os crimes de difamação e injúrias cometidos através dos meios de comunicação social (Cfr. Art.183.º, n.º 2), sendo especialmente agravadas (Cfr. Art.º 184) se a vítima for membro de órgão de soberania, Conselho de Estado, ou investido funções públicas, designadamente (Cfr. Art.º 132, n.º 2, alínea j).

É nesse mesmo sentido que marcham as disposições das leis ordinárias que regem a comunicação social já referidas, as quais consagram normas específicas sobre a reparação cível do dano e também sobre a sanção penal. Vejamos, por exemplo, o que dispõe a Lei de Imprensa:

a) Sobre a amplitude da responsabilidade civil: “No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado (Cfr. Art.º 29.º, n.º 2).

b) Sobre a responsabilização criminal: 1 – A publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do disposto na presente lei, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais. 2 – Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo” (Cfr. Art.º 30.º).

c) Sobre a publicidade da decisão judicial: “As sentenças condenatórias por crimes cometidos através da imprensa são, quando o ofendido o requeira, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, obrigatoriamente publicadas no próprio periódico, por extracto, do qual devem constar apenas os factos provados relativos à infracção cometida, a identidade dos ofendidos e dos condenados, as sanções aplicadas e as indemnizações fixadas” (Cfr. Art.º 34.º).

É legítimo concluir, assim, que uma vez assumido o risco – consciente ou inconscientemente – de agir nos limites da lei e de ser perseguido e sancionado por esta, o jornalista submete-se às decisões que recaiam sobre os actos por si praticados. Mesmo que porventura tenha cometido um delito em nome de um valor que acredita ser superior, como a denúncia de uma injustiça ou a protecção da confidencialidade das suas fontes. Por isso, jamais alguém ouviu da boca dos dirigentes do Sindicato dos Jornalistas qualquer pedido de amnistia ou perdão de pena.

2.3. O problema da violação do segredo de justiça

Uma vez que o tema específico das violações do segredo de justiça tem estado extraordinariamente em foco, é razoável isolar a sua discussão, retirando-a da análise da problemática dos limites à actividade jornalística e do sancionamento da violação destes? Em termos conceptuais não; como método de abordagem a um problema que frequentemente surge descentrado do seu devido contexto, vale a pena arriscar esta cedência.

Assim,

Alguns autores, juristas, ilustres articulistas e comentadores, bem como membros desta Assembleia, assim como o próprio Senhor Presidente da República, têm vindo a defender que qualquer matéria em segredo de justiça se encontra protegida a tal ponto que também ao jornalista é vedada a sua divulgação, seja a que título for, sob pena de sanção penal (Cfr. Art.º 371.º do Código Penal).

No fundamental, essa visão coincide com certa escola penalista, em clara controvérsia com a jurisprudência até agora produzida entre nós e também com as orientações do Conselho da Europa, além das disposições do Código de Processo Penal, as quais assentam que:

i) – “O segredo de justiça vincula todos participantes processuais” e também “as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos a eles pertencentes” (Cfr. Art.º 86.º, n.º 4 do CP);

ii) – Tal vinculação implica, por conseguinte, a “divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação” (ibidem, alínea b);

iii) – A mera reprodução, pelos meios de comunicação social, de peças processuais ou de documentos incorporados no processo até à sentença da primeira instância só é autorizada se tais peças e documentos tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina ou autorização expressa da autoridade judiciária que presidir à fase do processo no momento da publicação (Cfr. Art.º 88.º, n.º 2, alínea a) do CPP);

iv) – “Não comete o crime de violação de segredo de justiça o jornalista que, perante um facto que, embora sujeito a segredo, já chegara ao conhecimento do público, depois de obter pormenores sobre o mesmo, o divulga através de um meio de comunicação social” (Cfr. Acórdão Relação de Coimbra de 26/05/99);

v) – “Perante a expressão ‘quem legitimamente’, utilizada no n.º 1 do referido art.º 371 (do CP) e os direitos consagrados no seu estatuto, o jornalista só pode ser punido pelo crime de violação de segredo de justiça quando se demonstre que recorreu a meios ilícitos ou fraudulentos para obter a informação que veio a divulgar” (ibidem);

vi) – “Não comete o crime de violação do segredo de justiça (…) a pessoa que, por meios diversos da consulta dos autos criminais, ou de uma sua cópia não autorizada, divulga factos que estejam a ser apurados em processo ainda em fase secreta, se deles tiver tido conhecimento por meios lícitos, como são a audição não proibida do próprio arguido ou dos declarantes ou das testemunhas desse processo, pessoas estas que, por natureza, não estão obrigadas a esse mesmo segredo de justiça” (Cfr. Acórdão Relação de Lisboa de 03/10/89).

O Sindicato dos Jornalistas não tem dúvidas de que, salvo melhor opinião, a delimitação do campo judicial é já suficientemente clara e de que a acção dos jornalistas e dos media em geral enfrenta risco sério quando ousa transpor essa linha de demarcação. Se há motivo para perseguir os autores das violações, proceda-se então em conformidade com as normas.

Se, porém, as matérias divulgadas pelo jornalista resultam da sua própria investigação autónoma, ainda que coincidentes com aquelas protegidas na fase secreta da investigação judiciária, haverá então que respeitar tal autonomia.

Num cenário ou noutro, o jornalista não pode desresponsabilizar-se dos deveres decorrentes das leis e do seu Código Deontológico: abster-se da acusação sem provas, respeitar o direito ao bom nome, à presunção da inocência, etc., sob pena de arrostar com as consequências penais e civis correspondentes.

2.4. A necessária exclusão da ilicitude na violação do segredo de justiça

Acautelem-se, porém, os casos em que manifestamente um valor superior dita o interesse em dar a conhecer ao público uma matéria que, encontrando-se embora sujeita ao segredo de justiça, releva contudo da comissão de injustiças, de irregularidades graves ou mesmo de crimes em sede do processo, ou por causa deste.

A propósito, temos apontado os exemplos teóricos de uma confissão obtida sob tortura, maus tratos ou chantagem ou da contrafacção de provas. Não estaríamos, neste caso, perante um direito-dever de denúncia de práticas a todos os títulos condenáveis, em risco de permanecerem silenciadas e impunes em nome do sacrossanto segredo de justiça?

Veja-se o que nos ensina o Acórdão da Relação de Lisboa de 13/03/1990: “Não comete este crime (de violação do segredo de justiça) quem publicita (…) eventuais irregularidades havidas na instrução do processo, desde que não revele o conteúdo de qualquer acto ou documento do processo”.

Também neste caso, recai sobre o jornalista o ónus da prova dos factos que imputa e é a ele que cabe carregar a culpa dos que não tiver comprovado. Com uma dificuldade, contudo: a de, podendo denunciar eventuais irregularidades, dificilmente poder demonstrá-las se não revelando, pelo menos em parte, precisamente o conteúdo dos actos ou documentos do processo.

2.5. O problema do sigilo jornalístico

Como temos vindo a referir, a atitude intelectualmente honesta e civicamente comprometida do jornalista só pode pautar-se por um elevado grau de responsabilização assumida e consequente.

Por isso, conquanto afirmemos que o sigilo jornalístico é uma garantia essencial para a liberdade de imprensa, jamais o aceitámos como pretexto para o exercício irresponsável do jornalismo e como meio de ofensa gratuita aos direitos das pessoas e das entidades objecto deste múnus.

De facto, o sigilo jornalístico garantido na CRP (Cfr. Art.º 38.º, n.º 2, b) e no Estatuto do Jornalista (Cfr. Art.º 11) não representa um biombo de impunidade entre o jornalista e os visados no seu trabalho, na medida em que tal sigilo não protege senão a identidade da fonte que só por boas e bem fundadas razões deve permanecer oculta, recaindo sempre sobre aquele profissional o dever da prova dos factos que divulga e de responder por estes perante a Justiça.

Assim, não se compreende o crescendo de iniciativas judiciais tendentes a forçar a quebra do dever de sigilo por parte dos jornalistas, senão como instrumento auxiliar à investigação, designadamente de crimes de violação do segredo de justiça (aliás constitucionalizado na última revisão da Lei Fundamental) ou, pior, como recurso alternativo à incapacidade do aparelho judicial para conter tais fugas na origem ou de identificar e perseguir os seus autores.

É assim que o que os senhores deputados constituintes e o legislador ordinário estatuíram como mera excepção – a discussão da quebra do dever de sigilo profissional em circunstâncias muito especiais – tende hoje a tornar-se regra, em consequência da actuação do aparelho judicial.

Sob pena de ficar refém desse aparelho e de ver subvertida a ordem natural das coisas própria dos estados de direito democráticos, o Parlamento deve procurar melhorar os níveis de protecção do sigilo dos jornalistas, sem aligeirar o peso das responsabilidades que já carregam.

Assim,

3. Síntese e propostas

Discutidas as questões tão prementes dos limites à liberdade de imprensa, importa sintetizar em breves palavras o fundamental:

a) As limitações e restrições à liberdade de imprensa são já suficientes, pelo que não deverão ser alargadas;

b) Importa conformar a prática com as disposições legais realmente já à disposição dos ofendidos e das autoridades, desiderato que só está ao alcance destes;

c) Os jornalistas são sempre responsabilizáveis – civil e criminalmente – pelos actos praticados;

d) A revelação de matéria em segredo de justiça é lícita quando resulta da investigação autónoma do jornalista que não implique a consulta dos autos;

e) É lícita a publicitação de irregularidades processuais, mesmo as que ocorrem em fase de segredo de justiça.

Neste contexto, e uma vez que os Senhores Deputados se dispõem a introduzir alterações nas leis penais, seria útil aproveitar a oportunidade para consagrar quatro, fundamentais, a saber:

1. A clara exclusão da ilicitude na revelação de matéria em segredo de justiça – actos processuais e documentos incluídos – quando se trate comprovadamente de denúncia de irregularidades e/ou atentados a direitos fundamentais e sem prejuízo da responsabilização penal do jornalista, caso a pretendida denúncia venha a revelar-se calúnia infundada e infamante.

2. A previsão expressa do recurso, pelos tribunais, à intervenção pericial do órgão representativo dos jornalistas com competência na deontologia profissional, habilitando-os assim a melhor compreenderem as suas regras e práticas profissionais, tal como já acontece com outras actividades de especial complexidade.

3. A revisão do regime do sigilo profissional do jornalista, conferindo-lhe todas as garantias de que em circunstância alguma será obrigado a violar este dever.

4. A alteração do n.º 2 do Art.º 29.º da Lei de Imprensa, no sentido de reforçar o nível de responsabilidade dos órgãos de informação e de impor às empresas jornalísticas a responsabilidade civil solidária com o autor, uma vez que o jornalista é um elemento que se insere na estrutura organizativa da redacção e não pode admitir-se que a omissão do director ou do seu substituto venha premiar a empresa que o jornalista serve.

Lisboa, 16 de Março de 2004

A Direcção do Sindicato dos Jornalistas

Partilhe