SJ propõe agenda parlamentar para a Liberdade de Imprensa

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) divulgou a 18 de Setembro uma “Proposta de agenda parlamentar para a Liberdade de Imprensa”, em que insta os que vierem a ser eleitos ou a assumir funções de governo a adoptar um conjunto de medidas visando defender e reforçar a causa da liberdade de informação.

O SJ, considerando que a “Liberdade de Imprensa não pode continuar a servir de mero estandarte retórico em refregas políticas”, convoca as forças políticas concorrentes e todos os candidatos às eleições legislativas do próximo dia 27 a assumir “práticas mais consequentes com o discurso e compromissos mais coerentes com as declarações de intenção”.

Revisão imediata do Estatuto do Jornalista, designadamente no respeitante à defesa dos direitos de autor e da protecção do sigilo profissional; revisão da portaria relativa aos estágios de acesso à profissão; adopção de uma Lei Quadro do Sector Público da Comunicação Social; criação de um regime jurídico específico de garantias dos jornalistas e de outros trabalhadores da Comunicação Social; e a revisão do Código de Trabalho, são algumas das propostas constantes do documento, que a seguir se transcreve na íntegra. Em anexo pode ser consultado o documento do SJ, bem como as propostas dos partidos para a comunicação social, constantes dos programas que abordam este tema.

O SJ e as eleições legislativas

Proposta de agenda parlamentar para a Liberdade de Imprensa

O Sindicato dos Jornalistas exorta todas as formações concorrentes e todos os candidatos às eleições legislativas do próximo dia 27 à adopção de uma agenda parlamentar e de governo comprometida com a causa da Liberdade de Imprensa.

A Liberdade de Imprensa não pode continuar a servir de mero estandarte retórico em refregas políticas. Pilar essencial da democracia e direito fundamental dos cidadãos, tal valor reclama práticas mais consequentes com o discurso e compromissos mais coerentes com as declarações de intenção.

Comprometido com essa causa e coerente com as propostas que tem defendido, o Sindicato dos Jornalistas dirige-se publicamente a todos os candidatos, desafiando-os para, uma vez eleitos ou investidos em funções de governo, adoptarem as seguintes medidas legislativas:

1.Revisão imediata do Estatuto do Jornalista, especialmente com:

a)A revogação das disposições sobre direitos de autor que permitem a introdução de alterações nas criações dos jornalistas à sua revelia (Art.º 7.º-A, n.º 4) e que legitimam o esbulho das criações dos jornalistas pelas empresas e grupos económicos (Art. 7.º-B);

b)O reforço da protecção do sigilo profissional (Art.º 11.º, n.º 1 em articulação com a concomitante revisão do Código de Processo Penal, Art.º 135.º);

c)O aprofundamento da garantia de protecção da cláusula de consciência dos jornalistas, designadamente com o aumento para o triplo da indemnização, em caso de alteração da linha de orientação ou de imposição de actos contrários à consciência do jornalista (Art.º 12.º, n.º 4);

d)A atribuição de poderes efectivos aos conselhos de redacção nos casos das reestruturações, sobre as quais devem ser consultados, bem como da nomeação de jornalistas para todas as funções de direcção e chefia (Art.º 13.º, n.º 4), a qual deve ser precedida de parecer vinculativo;

e)A tipificação como assédio moral da prática de retaliações sobre jornalistas pelo exercício do seu mandato nos conselhos de redacção;

f)A equiparação dos membros eleitos dos conselhos de redacção a representantes dos trabalhadores, para efeitos de protecção nos termos do Código do Trabalho;

g)A previsão de sanções às empresas que imponham aos jornalistas a realização de actos incompatíveis com o exercício da profissão, com a consequente alteração da Lei da Comissão da Carteira Profissional;

h)O aumento para o triplo das penas pelo crime de atentado à liberdade de informação (Art.º 19.º), especialmente quando se trate de prática reiterada.

2.Adopção de medidas legislativas de combate efectivo à precarização e à exploração do trabalho gratuito de estudantes e recém-licenciados, designadamente:

a)A revisão da portaria relativa aos estágios de acesso à profissão (Portaria n.º 318/99, de 12 de Maio), inviabilizando a confusão entre os chamados estágios curriculares e o estágio de início da profissão, o qual só pode ser feito em regime de relação de trabalho subordinado;

b)O estabelecimento de normas legais sobre os estágios exigíveis como condição para a conclusão de ciclo de estudos superiores ou de formação profissional (vulgo estágios curriculares), os quais só poderão ser realizados mediante protocolos entre as instituições de ensino/formação e as empresas obrigatória e regularmente comunicados à Autoridade para as Condições de Trabalho;

c)Estabelecimento de normas legais de combate efectivo à utilização do trabalho gratuito e não habilitado (neste caso, com título profissional) de estudantes e recém-licenciados no processo produtivo das empresas, impondo sanções severas para as empresas.

3.Legislação urgente sobre a concentração da propriedade dos meios de informação, estabelecendo, designadamente:

a)Limites efectivos à concentração, de modo a impedir a propriedade ou a simples participação em mais do que um número estrito de órgãos de informação;

b)Regras de recuo sustentado dos níveis de concentração excessivos, de modo a que não seja posta em causa a viabilidade de órgãos existentes nem os seus postos de trabalho.

4.Adopção de uma Lei Quadro do Sector Público da Comunicação Social, estabelecendo designadamente que:

a)O sector público abrange a diversidade de meios de comunicação social – imprensa, rádio, televisão e suporte em rede;

b)As administrações das empresas do sector público sejam eleitas pela Assembleia da República por maioria qualificada de dois terços dos deputados e por um período desfasado do ciclo eleitoral;

c)Todos os órgãos de informação detidos ou participados pelo Estado sejam dotados de conselhos de opinião e de provedores;

d)Todos os órgãos de informação sejam submetidos ao escrutínio da entidade reguladora do sector.

5.Revisão do diploma legal sobre registo de órgãos de comunicação social (DR n.º 2/2009, de 27 de Janeiro), com o objectivo de:

a)Regulamentar expressamente as publicações jornalísticas em linha, distinguindo-as de outras actividades com o mesmo suporte;

b)Assegurar o cumprimento da obrigação legal, nomeadamente na Lei da Rádio (Art.º 12.º) de registo – e actualização – dos titulares de capital social das empresas (retirado na última revisão do referido decreto regulamentar);

c)Obrigar ao registo de todos os interesses dos titulares de capital numa ou mais empresas do sector e em sociedades gestoras de participações.

6.Revisão urgente da Lei sobre a conservação de dados de comunicações (Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho), cuja norma (Art.º 9.º) sobre a transmissão às autoridades de informações sobre a identificação da origem e destino de comunicações telefónicas (voz e dados) e de correio electrónico põe em causa o sigilo das fontes dos jornalistas. Concretamente, propõe-se, designadamente, que sejam feitas alterações no sentido de que:

a)Perante a identificação da pessoa ou entidade que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido, o despacho do juiz sobre a autorização ou denegação do fornecimento de dados, seja precedido de consulta à lista oficial de jornalistas disponível na CCPJ;

b)Verificando-se que a pessoa autora e/ou destinatária das comunicações é jornalista, seja notificada para dizer se as comunicações em causa se encontram protegidas pelo sigilo profissional, observando-se o disposto no Código de Processo Penal (Art.º 135.º);

c)Verificando-se, por outro lado, que a entidade titular do posto de origem e/ou destino das comunicações em causa é titular de um órgão de informação, seja notificada para informar se as comunicações envolviam jornalistas, de modo a observar-se o procedimento proposto na alínea anterior.

7.Clarificação do âmbito do segredo de justiça (Artigos 86.º, n.º 8 do Código de Processo Penal e 371.º, n.º 1 do Código Penal), designadamente:

a)Afastando o risco de fazer abranger pelo segredo de justiça matéria jornalística que resulte de investigação autónoma;

b)Garantindo que o simples conhecimento e a divulgação de elementos que se encontram no processo ainda coberto pelo segredo de justiça não constituam violação do mesmo, desde que o jornalista não tenha tido contacto com o processo;

c)Garantindo o exercício livre e responsável do escrutínio público de eventuais ilegalidades processuais, pelo que deve ser afastada a ilicitude da divulgação de actos processuais, ou do teor destes, quando a mesma se destine a denunciar tais ilegalidades.

8.Revisão das normas das leis de Imprensa (Art.º 29.º da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro), da Rádio (Art.º 63.º da Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro) e da Televisão (Art.º 70.º da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho) relativas à responsabilidade civil da divulgação de trabalhos jornalísticos, por forma a que as empresas respondam sempre pelas indemnizações que vierem a ser arbitradas.

9.Revisão da Constituição da República (Art.º 39.º, n.º 2) e da Lei da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Lei 53/2005, de 8 de Novembro), alterando:

a)A sua composição, de modo a integrar a participação paritária das empresas e dos jornalistas e a representação da sociedade civil;

b)A forma de eleição dos membros designados pela Assembleia da República, de modo a assegurar a efectiva representatividade de todo o arco parlamentar.

10.Alteração das normas das leis da Rádio e da Televisão relativas à responsabilidade pelas emissões (Art.ºs 37.º e 35.º, respectivamente), de modo a:

a)Consagrar expressamente, em ambos os casos, a figura do Director de Informação, à semelhança do que estabelece a Lei de Imprensa;

b)Especialmente no caso da Lei da Rádio, preencher a lacuna da respectiva norma, que nem sequer prevê um responsável específico – o Director – pela área da informação.

11.Revisão da Lei do Serviço Público de Rádio e de Televisão (Lei n.º 8/2007, de 14 de Janeiro), de modo a:

a)Alterar o modelo de gestão da RTP e da RDP, de forma a garantir a efectiva autonomização das empresas de serviço público de rádio e de televisão, ou pelo menos de efectiva separação orgânica das respectivas redacções, incluindo no que respeita às delegações e centros regionais, insuficientemente consagrada no diploma em vigor (Art.º 2.º);

b)Alterar as normas que impõem a audição – anual, mas mantém possível a qualquer momento – dos directores de informação e de programas pela Assembleia da República (Art.º 5.º dos Estatutos da Rádio e Televisão de Portugal aprovados pela referida Lei), afastando mesmo a mera possibilidade de realização dessas audições, de modo a salvaguardar a imagem de independência face ao poder político;

c)Desgovernamentalizar a administração dos operadores de serviço público de Rádio e de Televisão, cometendo à Assembleia da República a nomeação dos seus membros, após parecer dos respectivos conselhos de opinião;

d)Regressar ao modelo de um conselho de opinião por cada serviço público e corrigir a composição prevista nos Estatutos da RTP (Art.º 21.º), diminuindo o número de membros eleitos pelo Parlamento, mas garantindo a representação da diversidade parlamentar, e repondo a representação dos trabalhadores, das instituições de ensino superior e do sector cooperativo e social.

12.Criação de um regime jurídico específico de garantias dos jornalistas e de outros trabalhadores da Comunicação Social, tendo em conta a especial importância das empresas como instrumentos de concretização do pluralismo informativo, com:

a)A consagração de períodos de indemnização, em casos de despedimento colectivo ou rescisões por reestruturação das empresas, superiores em dobro aos previstos no Código do Trabalho, de modo a dissuadir as meras aventuras editoriais;

b)A criação de um regime de caução e garantia salarial imediata, posta à guarda da Caixa de Previdência e Abono de Família para ser disponibilizada de forma célere aos profissionais atingidos pelo encerramento de publicações ou pelo de incumprimento salarial, sem prejuízo do recurso ao Fundo de Garantia Salarial da Segurança Social.

13.Criação condições legais favoráveis à resolução célere de problemas económico-financeiros de empresas de comunicação social que evitem o seu encerramento ou o encerramento de publicações,

a)Através da sua transferência não onerosa para a posse dos trabalhadores em regime de autogestão ou de cooperativa por eles constituída;

b)Revertendo para a empresa em autogestão ou cooperativa os créditos titulados pelo Estado, em particular os da Segurança Social;

c)Consagrando o auxílio técnico e financeiro, por parte dos bancos detidos ou participados pelo Estado, aos planos de recuperação das empresas geridas pelos trabalhadores;

d)Consagrando o auxílio técnico e financeiro das instituições bancárias referidas à renegociação de outros créditos.

14.Desenvolvimento de incentivos financeiros e fiscais a soluções cooperativas de jornalistas e outros profissionais da comunicação social, discriminando positivamente as situações de auto-emprego e/ou de lançamento ou relançamento de projectos alternativos.

15.Melhoria dos incentivos do Estado à comunicação social, com a introdução de:

a)Majorações para as empresas cuja regulação das relações de trabalho seja certificada pelo organismo inspectivo competente, especialmente quanto à observância dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis;

b)Incentivos, designadamente fiscais, ao investimento publicitário, especialmente majorados nos casos de empresas de base regional que ajudem a desenvolver a imprensa regional e as rádios locais com serviços noticiosos próprios;

c)Apoios à aquisição de publicações periódicas para bibliotecas municipais, escolares e de colectividades;

d)Mecanismos de acompanhamento dos incentivos pelas organizações representativas do sector.

16.Reforço da assistência na saúde dos jornalistas, designadamente através de:

a)Um sistema de saúde próprio gerido através da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, cujo financiamento do Orçamento do Estado deve ser complementado por taxas sobre a reutilização de criações dos jornalistas e por contribuições directas dos beneficiários;

b)Reposição da possibilidade de apresentação de simples atestado médico, em caso de baixa por doença, sem necessidade de recurso aos centros de saúde.

17.Classificação do jornalismo como profissão de desgaste rápido, permitindo a antecipação da idade de reforma por iniciativa do jornalista, sem penalização da respectiva pensão, no 30.º ano da sua carreira contributiva.

18.Além de muitas outras alterações ao Código do Trabalho, nomeadamente as defendidas pelo Movimento Sindical, imediata:

a)Revogação das disposições do CT sobre utilização do trabalhador e/ou do seu trabalho por várias empresas, flexibilidade de horário e mobilidade funcional e geográfica por imposição da empresa;

b)Revogação das normas relativas à sobrevigência e à caducidade das convenções colectivas;

c)Revisão das normas sobre conciliação, mediação e arbitragem, no âmbito da negociação colectiva, tornando verdadeiramente úteis e eficazes as respectivas diligências e dando prazos específicos para a sua concretização, especialmente no que diz respeito à determinação de arbitragem obrigatória pelo ministro responsável pela área laboral;

d)A equiparação dos representantes dos trabalhadores nas comissões paritárias, comissões de acompanhamento de avaliações de desempenho e outras previstas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, a representantes dos trabalhadores, para efeitos de protecção nos termos do Código do Trabalho.

19.Aplicação, aos jornalistas deslocados para fora dos respectivos círculos eleitorais, do direito de voto antecipado nas eleições para os órgãos de soberania, autarquias e referendos.

Lisboa, 18 de Setembro de 2009

A Direcção

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