SJ pronuncia-se sobre parecer da PGR sobre acesso a elementos recolhidos por jornalistas

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) pronunciou-se hoje, 18 de Janeiro, sobre o recente parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o acesso das autoridades a elementos recolhidos por jornalistas ou arquivados em órgãos de informação, aconselhando todos os profissionais a rodear-se das maiores cautelas na protecção do sigilo profissional.

Em comunicado, a Direcção do SJ aconselha os jornalistas, directores de meios de informação e outros responsáveis das empresas jornalísticas a nunca aceitar a mera interpelação do Ministério Público para acesso a elementos por si recolhidos e/ou arquivados, recordando que é sempre exigível uma decisão judicial transitada.
No documento, o SJ rejeita a possibilidade, admitida no parecer n.º 45/2012 do Conselho Consultivo da PGR (anexo a esta notícia), de as polícias poderem ordenar aos profissionais a preservação de elementos de reportagem, pois representaria uma espécie de apreensão virtual desses elementos e geraria condições para a criação de procedimentos de vigilância policial dirigida ao trabalho dos jornalistas.

O comunicado é do seguinte teor:

Comunicado
O SJ e o Parecer 45/2012 do CC da PGR:
Em defesa da autonomia, da independência e do dever de sigilo profissional dos jornalistas

1. A Direcção do Sindicato dos Jornalistas analisou cuidadosamente o teor do Parecer n.º 45/2012 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, votado na sessão do passado dia 4 do corrente mês, relativo à admissibilidade da interpelação de jornalistas e órgãos de comunicação social com vista ao acesso e visionamento de imagens, do qual se extraem duas conclusões fundamentais que obrigam o SJ a pronunciar-se publicamente sobre as mesmas.

2. Antes de mais, o SJ não pode deixar de manifestar profunda estranheza pelo facto de se terem levantado dúvidas, quer por entidades públicas, quer até por alguns jornalistas sobre a imperiosa necessidade de serem mantidos sob reserva perante entidades externas à redacção os dados recolhidos que não mereceram divulgação.

3. Tal protecção integra-se, sem dúvida, na garantia constitucional da liberdade de imprensa e dos jornalistas e da sua independência perante os poderes instituídos. Com ela, são também salvaguardados outros valores constitucionalmente protegidos, como sejam a integridade moral, o bom nome e a reserva da vida privada das pessoas que estejam em causa.

4. A protecção dos arquivos jornalísticos sempre constituiu uma norma imperativa para os jornalistas e defendida com determinação por eles e pela sua organização representativa e que as autoridades souberam, regra geral, respeitar. Assim, as súbitas dúvidas levantadas no caso da RTP causam grande apreensão porque são o sinal de que mais uma regra de ouro do jornalismo está a ceder à primazia cega das necessidades investigatórias que paulatinamente se vai instalando, pouco importando a gravidade e a natureza do crime sob investigação.

5. O papel fundamental dos jornalistas e dos meios de informação impõe que as autoridades judiciais e judiciárias interfiram o menos possível na sua actividade, abstendo-se de devassar os materiais jornalísticos não divulgados. O acesso aos mesmos deve ser um recurso excepcional a que só devem recorrer quando se encontrem esgotados outros meios de investigação e estejam em causa crimes graves, mediante uma adequada ponderação dos valores em causa.

6. Por isso, a eventual recolha ou devassa dos materiais não editados só deve fazer-se nas circunstâncias acabadas de referir, mediante despacho fundamentado do juiz e com escrupulosa salvaguarda do sigilo profissional e do compromisso do jornalista com as suas fontes. Aliás, assim o determina o Art.º 11.º do Estatuto do Jornalista, de cuja letra ressalta a necessidade de garantir uma especial protecção dos materiais e instrumentos de trabalho dos jornalistas.

7. Não se vislumbra, pois, a necessidade de ter sido pedido parecer à PGR sobre a matéria em apreço.

8. A primeira conclusão que se extrai do mesmo Parecer da PGR (numa síntese possível das conclusões 1.ª a 9.ª) tem a ver com o poder de interpelar jornalistas e/ou responsáveis por órgãos de comunicação social, que a PGR reclama exclusivamente para a autoridade judiciária que dirige o processo (Cf. Concl. 7.ª e 8.ª), mas que deve ser lida e interpretada com todo o cuidado.

9. Como o CC da PGR acaba por reconhecer, ao invocar a necessária conjugação das disposições processuais penais (artigos 182.º e 135.º do CPP) com a protecção do sigilo profissional do jornalista (Art.º 11.º), não basta que a autoridade judiciária, no caso, o Ministério Público, solicite ou autorize a solicitação por órgão de polícia criminal que actue na sua dependência o acesso a documentos (textos, imagens e outros materiais) na posse de jornalistas e/ou das empresas.

10. Com efeito, é necessário – é sempre exigível – que qualquer diligência dessa natureza seja determinada por um tribunal, devendo ser sempre assegurada a protecção do sigilo profissional dos jornalistas, designadamente através da audição do Sindicato dos Jornalistas sobre a quebra do sigilo e a presença do seu presidente – ou um delegado deste – nas diligências de busca, presididas pelo juiz que as determine, como estabelecem os artigos 11.º do EJ e 135.º do CPP, sem esquecer a consulta expressa aos autores dos materiais arquivados (n.º 5 do Art.º 11.º do EJ).

11. Nestes termos, a Direcção do SJ aconselha os jornalistas, os directores, os administradores e todos os trabalhadores das empresas de comunicação social a quem esteja confiada a guarda de arquivos que sejam solicitados a fornecer ou a permitir o acesso a tal documentação que suscitem imediatamente um incidente de protecção do sigilo profissional.

12. Para o efeito, nunca devem aceitar uma mera interpelação do Ministério Público e, no caso de a diligência ter sido determinada por um tribunal, devem assegurar-se de que o Sindicato dos Jornalistas foi ouvido (Art.º 11.º do EJ) e de que foram esgotados os recursos da mesma decisão judicial.

13. A segunda conclusão (em síntese das conclusões 10.ª e sgts.) refere-se à possibilidade, admitida pela PGR, por analogia com a Lei do Cibercrime, de a autoridade ou órgão de polícia criminal da PSP ou da GNR que tenha conhecimento de que elementos de um órgão de comunicação social recolheram imagens que podem ser relevantes para investigar a existência de um crime, determinar os seus autores e recolher provas, poder determinar aos seus detentores (o jornalista e/ou a empresa) que os preserve, se a mesma autoridade ou órgão não conseguir contactar em tempo útil um magistrado do Ministério Público ou recear que tais imagens se percam, alterem ou deixem de estar disponíveis.

14. O Sindicato dos Jornalistas entende que o “poder” que o CC da PGR reconhece às polícias carece, no entanto, da necessária validação através de decisão judicial devidamente fundamentada e observando as garantias consagradas no Art.º 11.º do Estatuto do Jornalista.

15. Com efeito, ainda que o jornalista tenha o direito-dever de socorrer-se do definitivo tribunal que é a sua consciência e que possa, mesmo em juízo, opor-se à revelação de dados sigilosos, há que garantir a protecção concreta do sigilo cuja manutenção ou quebra, do ponto de vista da Lei e dos princípios que defendemos, devem merecer pelo menos o benefício do reduto da decisão judicial.

16. A aceitar-se a admissibilidade de mera ordem policial com vista à preservação compulsiva de elementos recolhidos por jornalistas, estar-se-ia perante um poder policial arbitrário e um poder inaceitável de verdadeira captura prévia de tais elementos, invadindo ilegitimamente a esfera da autonomia profissional e da disciplina ética e deontológica dos jornalistas.

17. Ora, o poder de decidir conservar ou mesmo destruir, total ou parcialmente, a qualquer momento e por quaisquer meios, elementos de reportagem recolhidos por jornalistas – sejam notas, documentos, imagens ou outros materiais – não pode ser negado a nenhum jornalista.

18. Por outro lado, a tese defendida pela PGR gera um fundado receio – completamente inaceitável num Estado de Direito Democrático – de que possam criar-se procedimentos de vigilância policial, perseguindo e acompanhando jornalistas em reportagem, com o intuito de verificar se estes recolhem dados, imagens e outros elementos que se calcula poderem vir a constituir indícios ou meios de prova de algum crime e determinando a “medida cautelar de polícia” de “preservação” desses materiais.

19. Estaríamos assim perante uma espécie de apreensão virtual, numa busca também virtual, de apontamentos, imagens, sons e documentos que a lei não consente, justamente porque ela exige sempre um mandado judicial (Art.º 11.º, n.º7 do EJ). Ou, ainda, perante um absurdo e perigoso mecanismo de controlo policial e judicial do uso e destino dos materiais de reportagem.

20. Nestes termos, o SJ rejeita a conclusão referida e aconselha os jornalistas a rodear-se de todas as cautelas quanto aos elementos que possam conduzir à identificação de fontes de informação, bem como a buscar aconselhamento jurídico e apoio junto do seu Sindicato.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2013

A Direcção

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