SJ lança documento de apoio ao debate do Estatuto

A Direcção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) divulgou hoje, 24 de Outubro, um documento para apoio ao debate do anteprojecto governamental de revisão do Estatuto do Jornalista, advertindo que “a revisão deve ser encarada com grande ponderação e responsabilidade”.

O órgão sindical apela à participação dos jornalistas no debate, lembrando que a sua posição é fundamental por se tratar de uma lei essencial para a profissão e estruturante da liberdade de imprensa.

O documento indica quais as principais matérias que, no entender da Direcção do SJ , mais importa ter em conta no debate e identifica as questões que, em resultado dos debates já efectuados, se apresentam como mais delicadas.

É o seguinte, na íntegra, o documento da Direcção do Sindicato dos Jornalistas:

A OPINIÃO DOS JORNALISTAS É FUNDAMENTAL!

(Apelo do SJ à participação na discussão da revisão do Estatuto do Jornalista)

Por iniciativa do Governo, encontra-se em revisão o Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro). Tratando-se de uma lei fundamental para a actividade profissional dos jornalistas, estruturante da liberdade de imprensa e exemplar no plano internacional, a revisão deve ser encarada com grande ponderação e responsabilidade.

No cumprimento da sua linha de actuação, o Sindicato dos Jornalistas propõe o debate com os seus associados e com a classe em geral, sem se furtar ao diálogo com todos os que exprimam as suas opiniões. Fá-lo em coerência com a noção de que uma profissão com o seu poder de intervenção no espaço público deve saber conviver e até estimular o escrutínio da sua actividade pelos cidadãos.

Nesta conformidade, a Direcção do SJ iniciou, no seio dos vários órgãos sociais e em encontros descentralizados com a classe, uma recolha de opiniões e contribuições que hão-de habilitá-la a melhor fundamentar as posições que defenderá na fase final da revisão do Estatuto, nomeadamente junto do Governo e da Assembleia da República.

A fim de contribuir para a eficácia da discussão aberta, a Direcção considera útil clarificar os pressupostos em que assenta a sua participação no processo, identificar sumariamente as principais matérias e lançar as questões que, na sua apreciação, mais importa aclarar.

Assim:

I. Pressupostos essenciais para a colaboração do SJ:

· Efectiva autonomia dos profissionais – o que impõe a eliminação de factores que a limitam, condicionam ou mesmo neutralizam, como sejam a precariedade dos vínculos laborais, da formação dos salários e das formas de nomeação para os cargos de direcção e de chefia;

· Maior exigência no desempenho profissional – o que aconselha a revisão das normas de acesso à profissão, a frequência obrigatória de um curso de estágio que valorize especialmente a deontologia profissional e a formação para os direitos dos cidadãos (direitos fundamentais, direitos da personalidade, etc.);

· Reforço do papel dos conselhos de redacção – tornando imperativa a sua eleição, conferindo-lhes efectivos poderes de fiscalização interna da deontologia profissional, na designação e destituição de jornalistas com funções de direcção e chefia e na orientação dos órgãos de informação;

· Efectiva responsabilização da hierarquia editorial, tanto na condução quotidiana dos órgãos de informação, sem constrangimentos ou limitações nomeadamente por parte do poder accionista ou de gestão da empresa, como na assumpção de responsabilidades disciplinares e perante terceiros.

II. Principais matérias

Do Anteprojecto de Proposta de Lei, agora em segunda versão, sublinham-se três alterações fundamentais:

Introdução de um quadro de auto-regulação da profissão, com a criação de um regime disciplinar próprio e a atribuição de competências disciplinares à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, o que representa um factor de clivagem no posicionamento dos jornalistas face a estas matérias, mas que não pode deixar de ser debatido;

Regulamentação, enfim, dos direitos de autor dos jornalistas, resolvendo no próprio Estatuto do Jornalista uma matéria que o diploma em vigor remeteu para uma lei regulamentar que não passou de três projectos sucessivamente caducados na Assembleia da República; e

Revisão da disposição do Estatuto relativa ao sigilo profissional, melhorando a respectiva redacção por forma a introduzir efectivas garantias desse direito.

De passagem, o Anteprojecto introduz alterações relativamente significativas no regime de incompatibilidades e uma pequena alteração nas disposições relativas aos Conselhos de Redacção.

III. Questões para debate

1. O Anteprojecto mantém a omissão legal relativamente às habilitações literárias mínimas para aceder à profissão. Além da conclusão (com aproveitamento) de um curso de estágio ministrado por entidade certificada, deverá exigir-se a prévia formação superior em qualquer área?

2. A fim de aumentar o nível de desempenho correspondente ao crescente grau de exigência, deve ser consagrada a frequência de formação ao longo da carreira profissional?

3. O Anteprojecto passa a considerar incompatíveis as funções de deputado na Assembleia da República e nas assembleias legislativas regionais. Não constituindo funções executivas, fará sentido incluí-las entre as incompatibilidades?

4. Fará sentido incluir incompatibilidades com outras profissões, nomeadamente a advocacia e a magistratura?

5. O Anteprojecto introduz a novidade de não considerar incompatível o desempenho de funções não remuneradas na promoção de actividades de interesse público e de solidariedade, bem como da promoção da imagem do órgão de informação no qual trabalhe ou colabore. Independentemente do espírito altruísta que possa justificar a alteração, estar-se-á perante o risco de abertura de precedentes?

6. O documento propõe que no caso da apresentação de mensagens publicitárias e participação em iniciativas de divulgação de produtos ou entidades, a incompatibilidade se mantém por um período de três meses após o fim da divulgação. Em relação a outras incompatibilidades, como as de assessoria ou até exercício de funções políticas, será de propor um período de reserva pelo menos quanto a realização de trabalhos em áreas editoriais relacionadas com tais funções?

7. O Anteprojecto altera a norma sobre o direito de participação dos jornalistas na orientação dos órgãos de informação tornando razoavelmente imperativa a eleição dos conselhos de redacção. Tornando-se um dever a eleição dos conselhos, como impor a sua aplicação? Através de sanções? A quem?

8. À excepção de posição sobre a invocação da cláusula de consciência, o Anteprojecto não introduz alterações que reforcem os poderes dos conselhos de redacção e tornem efectivo o direito de participação na orientação dos órgãos de informação. Estes objectivos devem ser atingidos através da consagração de competências como a emissão de recomendações às direcções e a emissão de pareceres vinculativos para a nomeação e destituição de jornalistas com funções de direcção e de chefia?

9. Pretendendo o documento introduzir um regime disciplinar que sancione a quebra de deveres profissionais, devem os conselhos de redacção possuir o poder de apreciar tais violações e sancioná-las internamente, designadamente através de apreciações e repreensões?

10. O Anteprojecto alarga o conjunto de deveres já previstos no Estatuto e incorpora praticamente o Código Deontológico em tal elenco. Ao mesmo tempo, fixa um conjunto de deveres cuja violação pode ser sancionada com repreensão, coimas e suspensão do título profissional. Independentemente da responsabilidade civil e criminal a que o jornalistas está já hoje sujeito, no âmbito da qual a violação de deveres previstos no Estatuto constituirá uma agravante, devem as infracções aos deveres ser penalizadas com outras sanções? Em caso afirmativo, que tipo de sanções?

11. Reconhecendo-se a necessidade de alargar as normas de exigência e a possibilidade de aplicação de sanções, deverá ser instituído um regime de sanção a “desvios profissionais graves”, como, por exemplo, a revelação não autorizada da identidade de fonte confidencial, a encenação de situações ou falsificação da realidade com o intuito de abusar da boa fé do público, ou a inserção de noticiário a troco de benefícios concedidos pelos interessados na divulgação?

12. Na eventualidade de se admitir um tal regime, aliás como prevê o Anteprojecto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista passa a ter poderes disciplinares (apreciar e sancionar as infracções). Tais poderes devem ser exercidos exclusivamente pelos membros eleitos pelos jornalistas?

13. Na eventualidade de se aceitar um regime disciplinar e a aplicação de coimas, estas podem incidir também sobre os jornalistas ou exclusivamente sobre as empresas?

14. O Anteprojecto prevê que, entre outras pessoas e entidades, seja a própria organização sindical a apresentar queixa na CCPJ contra a violação de deveres. Deverá o SJ aceitar?

Nota final

As questões deixadas acima, assim como outras que os jornalistas entendam lançar, devem encontrar vias de reflexão e propostas de resposta. Nesse sentido, a Direcção apela:

À participação dos jornalistas nas reuniões descentralizadas (ver calendário no sítio do SJ: www.jornalistas.online.pt);

Ao envio de comentários, opiniões e propostas, de preferência através de correio electrónico para o endereço sinjor@mail.telepac.pt

Lisboa, 24 de Outubro de 2005

A Direcção

O conteúdo integral da segunda versão do anteprojecto pode ser consultada no Portal do Governo.

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