SJ exige respeito pela Lei da Rádio no acesso ao Euro 2004

A cobrança de quaisquer contrapartidas para o acesso das rádios aos jogos do Campeonato Europeu de Futebol é ilegal, nos termos da Lei da Rádio, reafirma o Sindicato dos Jornalistas (SJ), em comunicado divulgado a 8 de Abril, em que manifesta o seu apoio a “todas as iniciativas da Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR) e de estações emissoras de radiodifusão que visem garantir o acesso dos jornalistas à informação sem quaisquer constrangimentos.”

O documento, que repudia o comunicado conjunto do Governo e da Sociedade Euro 2004 impondo o pagamento da cobertura radiofónica daqueles eventos, congratula-se, por outro lado, com a deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre esta matéria, que abaixo se reproduz.

O SJ sublinha ainda no seu comunicado que “qualquer derrogação da Lei para satisfazer as posições da Sociedade Euro 2004 seria ilegítima” e “uma cedência inaceitável de um Estado de Direito soberano às normas de uma organização desportiva”.

Além de subscrever a deliberação da AACS – anexada no final desta notícia – o SJ apela à revogação imediata do “comunicado conjunto do Governo – subscrito pelos secretários de Estado adjunto do ministro da Presidência e da Juventude e Desportos – e da Sociedade Euro 2004”, e anuncia que vai “solicitar ao Provedor de Justiça e à Procuradoria Geral da República para que realizem os actos indispensáveis à prevenção de tão clamorosa ilegalidade e ofensa ao Estado de Direito”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

Governo e Euro 2004 violam a Lei

1. A Direcção do Sindicato dos Jornalistas congratula-se com a deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre o comunicado conjunto do Governo e da Sociedade Euro 2004 relativo ao acesso das rádios aos jogos do Campeonato Europeu de Futebol.

2. A deliberação da AACS confirma a justeza das posições que o Sindicato dos Jornalistas há largo tempo vem defendendo, designadamente que:

a) A cobrança de quaisquer contrapartidas é ilegal, nos termos da Lei da Rádio;

b) Qualquer derrogação da Lei para satisfazer as posições da Sociedade Euro 2004 seria ilegítima e representaria uma cedência inaceitável de um Estado de Direito soberano às normas de uma organização desportiva;

c) Uma eventual alteração da Lei da Rádio para permitir tal cobrança introduziria uma restrição económica discriminatória na liberdade de acesso à informação, o que violaria a Constituição;

d) A atitude dos organizadores do Euro 2004 representa uma falta de respeito pelas rádios, elementos de desenvolvimento local e regional.

3. Assim, além de reiterar as posições que tem tomado e de subscrever a deliberação da AACS, que saúda, o Sindicato dos Jornalistas:

a) Apela aos ministros com responsabilidade nas áreas da Comunicação Social e do Desporto para que revoguem imediatamente o comunicado conjunto do Governo – subscrito pelos secretários de Estado adjunto do ministro da Presidência e da Juventude e Desportos – e da Sociedade Euro 2004;

b) Apela à Alta Autoridade para a Comunicação Social para que leve até às últimas consequências a sua disposição de fazer aplicar as leis, designadamente através de procedimentos cautelares nos tribunais, caso o Governo e a Sociedade Euro 2004 persistam em violar as normas em vigor na República Portuguesa;

c) Vai solicitar ao Provedor de Justiça e à Procuradoria Geral da República para que realizem os actos indispensáveis à prevenção de tão clamorosa ilegalidade e ofensa ao Estado de Direito;

d) Apela às Câmaras e Assembleias Municipais dos concelhos onde vão decorrer jogos do Euro 2004 para que se oponham à injusta e inaceitável discriminação das rádios locais no acesso aos equipamentos e infra-estruturas nos quais realizaram vultuosos investimentos;

d) Apoia todas as iniciativas da Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR) e de estações emissoras de radiodifusão que visem garantir o acesso dos jornalistas à informação sem quaisquer constrangimentos.

Lisboa, 8 de Abril de 2004

A Direcção

É o seguinte o texto, na íntegra, da deliberação da AACS:

Deliberação sobre o comunicado conjunto Governo/Euro 2004 acerca do acesso das rádios ao Campeonato Europeu de Futebol (Aprovada em reunião plenária de 6 de Abril de 2004)

1. Foi publicado a 1 de Abril de 2004 um comunicado conjunto Governo/Sociedade EURO 2004 acerca das condições de acesso das rádios ao Campeonato da Europa de Futebol a realizar em Junho e Julho no nosso país. A parte propriamente conclusiva e decisória do documento diz o seguinte:

“1 – O acesso aos locais abertos ao público para fins de cobertura jornalística ou radiofónica só pode ser concedido, mediante a acreditação, a pessoas devidamente habilitadas com o respectivo título, emitido pela Comissão da Carteira Profissional ou pela Comissão Nacional da Imprensa Desportiva;

2 – O relato ou o comentário radiofónico dos jogos da fase final do UEFA EURO 2004 depende da entidade organizadora e do pagamento de uma contrapartida financeira referente à aquisição do direito que permite o exercício da actividade;

3 – O pagamento da contrapartida financeira poderá ser parcialmente substituído pela cedência de publicidade promocional ao UEFA EURO 2004, mediante acordo entre a entidade organizadora e as rádios locais que reunam condições para a acreditação;

4 – O exercício da actividade dos profissionais da comunicação social só pode ser efectuado em locais próprios, devidamente equipados com os meios técnicos necessários, o que dá origem ao pagamento de uma importância correspondente à respectiva utilização;

5 – As rádios locais apenas podem solicitar a acreditação para os jogos dos respectivos concelhos; – As entidades interessadas na obtenção das respectivas acreditações devem solicitá-Ias até às 17h00 do dia 9 de Abril de 2004, impreterivelmente, através do site

http://www.euro2004.com/(acreditação).’

2. Sobre as incidências mediáticas no Euro 2004 emitiu já a Alta Autoridade uma Deliberação, com data de 25 de Fevereiro de 2004, cujo conteúdo se reitera agora. Naquela Deliberação encarava-se a possibilidade de se voltar à análise da situação, se se justificasse, o que é o caso face ao comunicado conjunto acima referido, pelo que se pensa oportuno tomar públicas as considerações que se seguem.

3. O ponto 2 do comunicado conjunto contende com o disposto no n.º4 do artigo 36° da Lei da Rádio, Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro. Em Portugal, as transmissões radiofónicas de acontecimentos desportivos não estão sujeitas a um pagamento como contrapartida do acesso. Com efeito, o referido n.° 4 do artigo 36° da Lei da Rádio prescreve claramente que o relato ou comentário radiofónico desses eventos “não pode ser limitado ou condicionado pela exigência de quaisquer contrapartidas financeiras”, excepto “as que se destinem a suportar os custos resultantes da disponibilização de meios técnicos ou humanos para o efeito requeridos”, situação salvaguardada aliás no ponto 4 do comunicado. O procedimento descrito no ponto 2 do comunicado é por conseguinte ilegal.

3.1. De resto, a ideia de que o acesso dos “media” ao EURO 2004 depende de uma “autorização”, conforme sustenta o ponto 2 do comunicado, não se afigura consentânea com a liberdade de informar. O acesso, gratuito enquanto tal, depende sim de uma inscrição e de uma credenciação, deferida esta de acordo com critérios de admissão exclusivamente necessários devido à escassez dos espaços disponíveis em comparação com as candidaturas.

4. Falando do ponto 3 do comunicado, a substituição parcial de um tal pagamento de acesso (ilegal, em si mesmo, como se sublinhou acima) pela cedência de publicidade promocional ao EURO 2004 é igualmente criticável, uma vez que equivale a uma forma de pagamento em espécie, representando além de tudo uma lesão à liberdade de informar e à independência dos “media” perante o poder económico e o universo publicitário.

5. A Alta Autoridade empenhou-se, ao longo de meses, em conseguir para esta situação uma solução adequada, concertada e conforme à lei, tendo para o efeito promovido numerosos encontros de trabalho e produzido, a 25 de Fevereiro de 2004, uma Deliberação de síntese de entendimento. A Alta Autoridade lamenta que não se tenha chegado ainda a uma conclusão justa para o caso, mantendo-se disposta a, nos termos da lei, continuar a acompanhar a questão no âmbito das suas atribuições e competências.

Esta deliberação foi aprovada, por unanimidade, com votos de Sebastião Lima Rego (Relator), Armando Torres Paulo, José Garibaldi, João Amaral, Manuela Matos, Maria de Lurdes Monteiro e José Manuel Mendes.

AACS, 2 de Abril de 2004

O Presidente

Armando Torres Paulo

Juiz Conselheiro

Partilhe