SJ critica posição do Conselho Superior de Magistratura

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) acusa o Conselho Superior de Magistratura (CSM) de falta de rigor e de ofender a honorabilidade dos jornalistas ao afirmar que o programa “Bombástico” põe em causa a auto-regulação dos jornalistas, quando o programa nada tem a ver com jornalismo ou jornalistas.

O SJ, em carta enviada ao presidente do CSM, afirma não se entender por que se refere aquele órgão à “auto-regulação dos jornalistas”, a menos que seja para se saber que sobre ela já decidiu que “não funciona”. O SJ acrescenta que as afirmações do CSM representam “um dano à cidadania no mínimo tão grave como a bizarra cena de destruição de uma sentença de tribunal”.

É o seguinte o texto integral da carta enviada em 29 de Janeiro de 2003 pelo Sindicato dos Jornalistas ao presidente do CSM, assinada pelo presidente da Direcção, Alfredo Maia, e pelo presidente do Conselho Deontológico, Oscar Mascarenhas:

O SJ e o comunicado do Conselho Superior de Magistratura

“Foi com profunda decepção e mágoa que tomámos conhecimento de um comunicado do Conselho Superior da Magistratura que, a propósito de um lamentável programa televisivo, produziu a seguinte asserção: «Se a auto-regulação dos jornalistas e autores de programas televisivos não funciona e resvalou para a difamação, deve o Estado, em defesa das instituições, intervir eficazmente para pôr cobro a esta tendência que corrói a confiança nos tribunais e mina os fundamentos do Estado do Direito.» (Sublinhados nossos.)

“Aqui está, Senhor Presidente, o primeiro dos inconvenientes de julgar em causa própria: a perda do rigor e da ponderação.

“A perda do rigor é evidente, porque devia o Conselho Superior da Magistratura saber que tal programa (e outros, iguais ou mais perversos até, mas que têm a sageza de escarnecer muito mais sibilinamente das instituições e valores – e por isso passam sem crítica…) nada têm a ver com o jornalismo ou jornalistas. Por isso, não se entende a que propósito surge a referência à «auto-regulação dos jornalistas» senão para se saber que, sobre ela, já decidiu o Conselho Superior da Magistratura que «não funciona». Como pode um órgão com a responsabilidade do Conselho Superior da Magistratura difundir, pela opinião pública, um agravo à credibilidade e honorabilidade dos jornalistas portugueses num caso em que nem sequer há jornalistas presentes? Convirá, Senhor Presidente, dada a posição institucional dos protagonistas, que é um dano à cidadania no mínimo tão grave como a bizarra cena de destruição de uma sentença de tribunal…

“A perda da ponderação evidenciada diz respeito ao facto de o Conselho Superior da Magistratura fazer um uso muito peculiar do conceito de auto-regulação. Não é mister da auto-regulação sobrepor-se à legislação penal ou prevenir o crime. A auto-regulação constitui a determinação de boas condutas em matérias que não podem ser cobertas pela legislação penal mas que nem por isso deixam de ofender exigências éticas. Se a auto-regulação envolvesse matérias criminais, estaria a conceder-se a grupos profissionais um privilégio de se constituir em Estado dentro do Estado, com direito de santuário corporativo perante a lei geral.

“Este Sindicato manteve sempre a distinção entre o que é a violação da lei e o incumprimento ético, usando dos seus meios de persuasão e alerta públicos para prevenir a sociedade dos efeitos nocivos das transgressões que não podem ser levadas a tribunal – e deixando aos tribunais o encargo de serenamente julgar os crimes. O respeito manifestado pela soberania da lei e da justiça está em que nunca este Sindicato pediu qualquer amnistia ou indulto para os jornalistas.

“Por outro lado, o documento do Conselho Superior da Magistratura propõe soluções legislativas como alternativa à auto-regulação. Permitimo-nos discordar da bondade e eficácia da proposta. É que a auto-regulação é complementar da lei, mas não pode ser suprida por ela: diz a experiência que quando a lei tenta regular matérias de boa conduta profissional, ou bloqueia o saudável tráfego de valores democráticos, ou abre ainda mais excepções e sofismas naquilo que pretende moralizar.

“Creia-nos, Senhor Presidente, com toda a consideração mas com indisfarçável desconforto”.

Partilhe