SJ critica decisão da Relação do Porto sobre busca ilegal

O Sindicato dos Jornalistas criticou hoje, 21 de Fevereiro, uma decisão do Tribunal da Relação do Porto rejeitando os recursos do presidente do SJ e do jornalista Manso Preto sobre uma busca e apreensão de computadores no domicílio deste profssional freelance.

Em comunicado, a Direcção do SJ discorda da interpretação do Tribunal de Instrução Criminal e do Tribunal da Relação do Porto, que “significa uma redução drástica e, nalguns casos, mesmo a eliminação (casos dos jornalistas freelance) de garantias essenciais do exercício da profissão, nomeadamente da garantia de proteção do segredo profissional”.
Transcreve-se de seguida a posição integral do SJ:

Comunicado
Relação do Porto aceita busca ilegal a casa de jornalista freelance

1. O Tribunal da Relação do Porto acaba de rejeitar os recursos interpostos pelo presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e pelo jornalista Manso Preto da decisão do Tribunal de Instrução Criminal do Porto (TIC) de validar a busca e a apreensão de dois computadores e outro material informático no domicílio daquele profissional freelance, que o SJ considera terem violado a Lei.

2. Em causa está uma busca realizada pela Polícia Judiciária, no dia 8 de Março do ano passado, na residência e local de trabalho do jornalista Manso Preto, sem que a mesma diligência tivesse sido presidida por um juiz e sem que o presidente do SJ tivesse sido previamente convocado para acompanhá-la, como determina o Estatuto do Jornalista (números 6 a 8 do Art.º 11.º).

3. Em requerimento ao TIC nesse mesmo dia, o presidente do SJ chamou a atenção para a violação do disposto no Estatuto do Jornalista (EJ) e no Código do Processo Penal (CPP) relativamente às buscas, acentuando que tal regime se aplica também ao domicílio e a outros locais usados por jornalistas e alertando que a eventual devassa dos computadores e de outros suportes informáticos constituiria uma violação da garantia constitucional de sigilo profissional (Art.º 38.º, n.º 2, al. b) da CRP).

4. Porém, esse não foi o entendimento do Ministério Público nem do juiz de instrução criminal (JIC), que consideraram que a busca não se relacionava com qualquer acto profissional do jornalista nem fora realizada em órgão de comunicação social, mas sim em domicílio particular, sem pretender apreender material utilizado por jornalista no exercício da sua profissão.

5. Reagindo àquele entendimento, e em recurso para a Relação do Porto, os mandatários do SJ e do jornalista sublinharam que, mesmo que o crime investigado em nada se relacionasse com a actividade profissional daquele, era por demais evidente a sua condição profissional, aliás largamente referenciado nos autos como jornalista. E que os equipamentos apreendidos eram por ele utilizados no exercício da sua profissão – precisamente no seu próprio domicílio, além do mais o local de trabalho natural de um freelance.

6. Em acórdão proferido no passado dia 5, veio a Relação do Porto a entender que, embora o Estatuto do Jornalista estabeleça que o material utilizado pelos jornalistas no exercício da sua profissão só pode ser apreendido no decurso de buscas noutros lugares nas condições exigidas para as buscas em órgãos de comunicação social (Art.º 11.º, n.º 7), o que a lei quer preservar é apenas a função e não a pessoa que a exerce. Por isso, quando investigada pela prática de eventuais ilícitos que não se relacionem com a profissão, tal pessoa não deve beneficiar da protecção e das garantias quanto às buscas.

7. Também por isso, argumenta ainda que o juiz que determinou a diligência, prevenindo a possibilidade de ser encontrada nos computadores matéria relacionada com o exercício do jornalismo, “teve o cuidado de determinar que a referida apreensão se fizesse revestindo-se de determinadas cautelas”. Sendo estas, porém, na eventualidade de invocação do “segredo profissional”, segundo a promoção da diligência, a mera apreensão do material e consequente apresentação ao juiz de instrução criminal, para efeitos das disposições do CPP relativas ao segredo profissional (artigos 135.º e 182.º).

8. Ora, o Sindicato dos Jornalistas não acompanha estas posições do Tribunal da Relação e muito menos a insuficiente sensibilidade dos magistrados para a especial e singular importância do sigilo profissional dos jornalistas. Desde logo, porque este direito-dever, sendo uma garantia, aliás constitucional, intrínseca à condição de jornalista, não pode ser posto em risco pela preterição de formalidades rigorosas como é o caso de uma diligência de busca determinada judicialmente, presidida por um juiz e acompanhada pelo presidente do SJ.

9. É evidente que, agora, o JIC não poderá senão lançar mão das disposições do CPP e do EJ e não poderá deixar de suscitar um incidente de quebra do sigilo profissional – ouvindo a organização representativa dos jornalistas antes de devassar os computadores e outros suportes informáticos do jornalista Manso Preto apreendidos.

10. É precisamente nesse sentido que vai o disposto no n.º 8 do Art.º 11.º do Estatuto do Jornalista. Ao determinar que “o material obtido”, em buscas em órgãos de informação ou noutros locais usados por jornalistas, “que permita a identificação de uma fonte de informação é selado e remetido ao tribunal competente para ordenar a quebra do sigilo, que apenas pode autorizar a sua utilização como prova quando a quebra tenha efectivamente sido ordenada”.

11. Mas o JIC não deveria ter determinado a busca em causa e muito menos a apreensão nas condições em que foram feitas, precisamente porque estas, uma vez efectuadas como dispõe o Estatuto, teriam permitido separar, logo no momento da sua realização, os elementos de natureza profissional efectivamente protegidos pelo sigilo daqueles que, na alegada actividade particular seriam indício ou prova da prática de eventuais ilícitos extra-profissionais.

12. O SJ não pode deixar de manifestar público repúdio pela interpretação que foi feita por todos os intervenientes no caso – MP, JIC e Desembargadores da Relação – dos preceitos acima referidos, a qual significa uma redução drástica e, nalguns casos, mesmo a eliminação (casos dos jornalistas freelance) de garantias essenciais do exercício da profissão, nomeadamente da garantia de protecção do segredo profissional.

13. Com efeito, pretender que o segredo profissional tem menor protecção, ou mesmo nenhuma, quando esteja em causa a suspeita da prática de crime não relacionado com o exercício da profissão ou relativamente a material de uso profissional que não se encontre em órgão de comunicação, significa perverter, por completo, todos os objectivos subjacentes à protecção do segredo profissional do jornalista, conquista civilizacional e pilar fundamental de qualquer sociedade democrática.

14. A gravidade da tese perfilhada neste caso não pode deixar de concitar a preocupação de todos os jornalistas e de todos os democratas, que não podem nem devem ficar indiferentes ao facto e ao gravíssimo exemplo que esta decisão constitui.

15. Nessa medida, e porque inconformado com a decisão da Relação do Porto e apesar de esperar que ao menos a garantia ínsita no referido n.º 8 do Art.º 11.º do EJ será observada, a Direcção do SJ entende extrair consequências deste grave incidente. Nesse sentido, além de ponderar o recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o SJ vai encetar diligências urgentes junto da Assembleia da República, apresentando propostas para maior clareza, densificação e rigor no regime de sigilo profissional estabelecido no EJ, retomando e aprofundando as posições que defendeu ao longo da revisão do Estatuto (Outono de 2005 ao Verão de 2007).

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2014

A Direcção

Ver também Comunicado de 8 de Março de 2013

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