SJ apela à reflexão da classe sobre respeito pela deontologia

A propósito da forma como a generalidade dos média tratou a questão da criança raptada em Penafiel e recentemente encontrada, um ano depois, em Valongo, a Direcção e o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas divulgaram um comunicado conjunto em que alertam para a necessidade imperiosa de os jornalistas respeitarem os princípios deontológicos que regem a profissão.

Em causa, para além de outros aspectos susceptíveis de crítica, está o facto de não ter sido respeitado o direito da criança à imagem, o que para o SJ constitui uma quebra de um dever ético fundamental.

Reconhecendo embora que os jornalistas estão cada vez mais sujeitos a pressões devido às “difíceis condições em que se exerce” a profissão, e que “é muito difícil enfrentar o rolo compressor da nova ordem mercantil” que comanda o sector da comunicação social, o SJ faz questão de sublinhar que “ou somos capazes de afirmar com coragem a nossa responsabilidade social, hoje, ou pagaremos bem caro, amanhã, a nossa tibieza, as nossas cedências e os nossos abusos”.

Assim, o SJ apela aos profissionais para que reflictam sobre as suas responsabilidades éticas e deontológicas, sob “pena de darem mais um pretexto para que tentem impor-lhes as regras… a partir de fora”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do SJ:

A criança raptada e os jornalistas

No passado dia 12, um facto comoveu muitos portugueses: descobriu-se que uma criança de pouco mais de um ano de idade, localizada em Valongo, era a mesma que fora raptada com três dias de vida em Fevereiro do ano passado, no Hospital do Padre Américo, em Penafiel.

O facto tem relevância por si mesmo, e não necessita de grandes teorias para explicar as razões pelas quais os média podiam e deviam dar a informação, procurando explicar e contextualizar a “novidade”.

A forma como o têm feito não viria ao caso com esta urgência, e justificaria talvez constituir-se em caso de estudo, tratado a seu tempo e com a maturação e o distanciamento que se impõem, se não fosse um excesso entretanto cometido: a publicação da imagem da criança em causa.

Não está agora em causa se foram forçados ou não os limites, quando os jornalistas entraram na intimidade de um casal para perscrutar todas as justificações possíveis para um acto socialmente condenável, embora o limiar de tolerância seja de geometria variável de acordo com factores que não temos condições para discutir neste instante.

Também não está, agora, em causa se os jornalistas se excederam ou não, embora em nome do sacrossanto direito à informação, quando entraram na vida de uma família que vivendo há mais de um ano o drama de ter perdido o seu membro mais frágil autorizou escancarar a sua casa à devassa mediática.

O que está em causa é que, no afã de conferir verosimilhança à informação, na tentação de ceder ao que alguns consideram corresponder às “exigências do público” e rendidos ao mercado e à ditadura das audiências, foram esquecidas algumas regras fundamentais.

Uma é evidente: a criança tem direito à protecção da sua imagem. Hoje, daqui a um ano, daqui a cinco anos, ou quando for confrontada com a memória da tragédia de que foi protagonista involuntária. Se isso não nos incomoda, pergunta-se: quantos de nós suportariam ser confrontados com episódios do nosso passado – deste tipo ou semelhante? Para sermos mais sinceros: se aquela criança fosse familiar de um de nós, o que não faríamos nas nossas Redacções para impedir ou pelo menos para conseguir “suavizar” as imagens?

O Sindicato dos Jornalistas tem reiteradamente chamado a atenção para as difíceis condições em que se exerce a nossa profissão. As várias formas de precariedade e a concorrência desenfreada que se vive no sector podem atenuar alguns erros e desculpar certos atropelos à ética profissional. Por que os ventos do sector não correm de feição para o escrúpulo ético, é muito difícil enfrentar o rolo compressor da nova ordem mercantil que o comanda.

Porém, o contexto actual não pode justificar tudo e implica desafios que é necessário enfrentar. Hoje, é muito mais difícil resistir a certas tentações, repelir certas pressões e desobedecer a certas ordens dentro das redacções, do que enfrentar a crítica pública ou um tribunal. Mas, ou somos capazes de afirmar com coragem a nossa responsabilidade social, hoje, ou pagaremos bem caro, amanhã, a nossa tibieza, as nossas cedências e os nossos abusos.

Esta proposta de reflexão corre o risco de parecer intempestiva: aos olhos de muitos, o mal está feito, não deveria ter acontecido e deveria ser condenado. Mas pode ser minimizado. A começar no dia da entrega da criança à sua família. O acontecimento há-de necessariamente ser coberto. Saberemos fazê-lo com a discrição e a elevação que permita ao público ser informado, à família ver resguardada a sua intimidade e à criança ter efectivamente protegida a sua imagem?

Acreditamos que os jornalistas encararão os factos recentes e os desafios presentes com responsabilidade e saberão encontrar as formas de ultrapassar mais este obstáculo. Sob pena de darem mais um pretexto para que tentem impor-lhes as regras… a partir de fora!

Lisboa, 16 de Março de 2007

A Direcção

O Conselho Deontológico

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