“Serviço Público não é propriedade do Governo”

“O Serviço Público de Rádio e Televisão não são propriedade do Governo”, disse o presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ), Alfredo Maia, na posse dos novos corpos sociais que decorreu quinta-feira, 16 de Maio, na sede do sindicato, em Lisboa e no decorrer da qual afirmou que será lançado o quarto congresso dos jornalistas portugueses, que terá por tema “A Identidade Profissional dos Jornalistas”.

O combate pelos “direitos e interesses dos jornalistas, designadamente para a regularização de contratos de trabalho, a extinção de inúmeras situações de grande precariedade, a correcção de horários e a recuperação de outras garantias” foram apontadas pelo presidente do SJ entre as frentes nas quais o sindicato se empenhará neste mandato.

A protecção dos direitos de autor, a consagração da reforma aos 55 anos ou ao fim de 35 anos de serviço, a formação contínua e a defesa intransigente do Serviço Público de Rádio e de Televisão foram também destacadas na intervenção de Alfredo Maia.

Assistiram à cerimónia de posse o presidente da Alta Autoridade para a Comunicação Social, juiz conselheiro Torres Paulo, o presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, juiz Eurico Reis, o director da representação em Portugal da Comissão Europeia, eng. Ricardo Charters d’Azevedo, representanres da AIND, AID, APR e ARIC, o deputado e ex-secretário de Estado para a Comunicação Social, Arons de Carvalho, o secretário-geral da CGTP, dr. Carvalho da Silva, o representante do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e o representante do Movimento Justiça e Democracia.

INTERVENÇÃO DE ALFREDO MAIA

Senhores convidados

Caros camaradas

A posse de órgãos sociais de uma associação constitui sempre um motivo de celebração. Acreditamos que o ritual – mínimo que seja – representa uma oportunidade de comunhão de objectivos e de partilha de preocupações e de projectos.

Estando, hoje, novamente reunidos, para celebrar a posse dos órgãos sociais do Sindicato dos Jornalistas, julgamos haver motivos de celebração, mas, cumprindo o rito, convidamos os nossos amigos a reflectir sobre a gravidade do momento presente.

O trabalho que realizámos até agora, sendo insuficiente em alguns capítulos e certamente pontuado por erros, enche-nos de orgulho, mas reclama um redobrado esforço para fazermos mais e melhor.

No ano e meio de mandato cumprido, averbamos avanços significativos, mas os próximos tempos impõem que os honremos – não para satisfazer desígnios egoístas ou corresponder a propósitos corporativos, mas porque continuamos a acreditar que só estribados em direitos sólidos é que os jornalistas poderão cumprir com lealdade, qualidade e responsabilidade o mandato de confiança do público que todos os dias se renova.

É também por isso que o Sindicato dos Jornalistas integra na sua organização um órgão que, sendo autónomo em relação à Direcção e restantes órgãos sociais, desempenha um papel estruturante na sua intervenção a todos os níveis. Refiro-me ao Conselho Deontológico.

Presidido, até hoje, nos últimos três mandatos, pelo jornalista Oscar Mascarenhas, cujo desempenho generoso, criativo e empenhado tenho a honra de sublinhar e agradecer, o Conselho Deontológico constitui um instrumento essencial no quadro do compromisso ético dos jornalistas com o público.

Como bem sintetiza o jornalista António Jorge Branco, que a partir de hoje preside a este Conselho, e a quem aproveito para saudar fraternalmente e desejar bons êxitos, um bom cidadão não é necessariamente um bom jornalista, mas um bom jornalista é, forçosamente, um bom cidadão.

«A deontologia profissional dos jornalistas», lê-se no manifesto da candidatura ao CD, rege-se «pelos mesmos parâmetros com que respira e se desenvolve a complexa questão da cidadania, como factor fulcral do avanço para uma sociedade mais equilibrada e justa».

É pois nos jornalistas enquanto cidadãos – com especiais responsabilidades perante a Sociedade, é certo – que também centramos o nosso trabalho, reivindicando para estes não um estatuto de privilégio em relação aos demais cidadãos, mas condições de dignidade compatíveis com o elevado nível de responsabilidade social que é atribuído ao seu trabalho.

No período que cessou, melhorámos a nossa organização, aumentando o número de associados, reforçando as estruturas sindicais de empresa, corrigindo a ligação aos jornalistas, designadamente em termos de informação, melhorando a articulação com a Direcção Regional da Madeira e lançando a Direcção Regional dos Açores.

No mandato que agora se inicia, temos o compromisso de melhorar a ligação aos associados, alargar e consolidar a rede de estruturas sindicais de empresa, dinamizar os núcleos de actividade profissional e, como consequência da revisão dos Estatutos já iniciada, instalar e estimular os núcleos regionais.

Combatemos em muitas frentes pelos direitos e interesses dos jornalistas, designadamente para a regularização de contratos de trabalho, a extinção de inúmeras situações de grande precariedade, a correcção de horários e a recuperação de outras garantias.

Não ignoramos que, nos próximos tempos, novos problemas surgirão e que as condições são hoje mais adversas, em função do aprofundamento da tendência para as fusões e concentrações e das previsíveis alterações na legislação laboral, mas nem por isso deixaremos de resistir às ofensivas que, em nome da chamada modernização das empresas, da organização do trabalho e dos contratos, mais não visam do que repor métodos que supúnhamos sepultados na História.

Com efeito, volta hoje a campear a ideia de que os jornalistas – a par de outros trabalhadores – são mão-de-obra descartável. Por isso, gestores e até responsáveis editoriais arrogam-se o direito de dispor sobre o prazo de validade de profissionais que deram o melhor de si – e se melhor não deram foi porque nem sempre lhes proporcionaram as condições para tal – e a impor ou condicionar a opção por rescisões dos respectivos contratos de trabalho.

Campeia ainda a obsessão pela disponibilidade plena dos jornalistas para a empresa, confundindo-se o dever de profissionalismo e a especificidade do trabalho jornalístico, que em certas alturas se não compadece com horários rígidos, com regimes de verdadeira clausura, imposta por contratos leoninos ou mediante a chantagem económica e emocional.

Há hoje jornalistas submetidos a condições de completa dependência das empresas, dos seus métodos de organização do trabalho e até da gestão dos seus direitos – muitas vezes transformados em pretensos favores da empresa – à boa maneira do que de pior teve a Revolução Industrial, aliás tardia e mal amanhada em Portugal.

No mandato agora concluído, reforçámos a contratação colectiva, actualizando, pela primeira vez desde há muitos anos, a Convenção entre o Sindicato e a Associação da Imprensa Diária e negociando um contrato inédito e histórico com a Associação Portuguesa de Radiodifusão, cujo acordo final esperamos celebrar em breve.

As relações que hoje temos com as três associações empresariais do sector, bem como com as administrações de algumas empresas auguram uma nova fase de contratação, que desejamos venha a afirmar as convenções colectivas como instrumentos de regulação das relações de trabalho, fixando deveres e direitos recíprocos, e como ferramenta essencial a uma gestão moderna e eficiente.

Também relançámos o combate pela regulamentação dos direitos de autor dos jornalistas, objectivo de capital importância para a própria liberdade de expressão, estruturante da Democracia, que esteve prestes a ser alcançado, não fosse a demissão do Governo, em Dezembro passado, e a consequente caducidade dos projectos de lei do PCP e do PS, que já se encontravam em discussão na especialidade, na Assembleia da República.

Uma vez instalada a nova Assembleia, a Direcção do Sindicato dos Jornalistas endereçou, a cada um dos senhores deputados, um duplo apelo – para que honrassem o compromisso do Parlamento em regulamentar a protecção dos direitos de autor, que deveria ter sido satisfeito até Maio de 1999, e para que ponham termo ao esbulho inaceitável das criações dos jornalistas.

Ao eleger a protecção efectiva dos direitos de autor dos jornalistas como objectivo essencial, o Sindicato está consciente de que esta luta justa pode representar, para algumas empresas, condicionalismos com que não contavam, mas considera que nenhuma gestão moderna pode dispensar-se de equacionar, na sua estrutura de custos, os encargos correspondentes à justa retribuição pelas criações que difundem.

De igual modo, nenhuma empresa moderna e nenhum sector de futuro pode descartar as suas responsabilidades na promoção da qualidade de vida dos seus recursos humanos.

Com a celebração de um protocolo entre o Sindicato dos Jornalistas, a Fundação Portuguesa de Cardiologia e o Ministério da Saúde, lançámos, há quase um ano, o primeiro rastreio cardiológico aos jornalistas e colocámos na ordem do dia a necessidade de classificar a nossa actividade como profissão de desgaste rápido e de aprofundar estudos sobre as condições em que diariamente os jornalistas desempenham as suas tarefas.

A fim de fundamentar a defesa daquela reivindicação e da consagração da reforma aos 55 anos de idade ou 35 de serviço, alargamento do período de férias e redução dos horários de trabalho, vamos realizar estudos noutras áreas.

Por outro lado, assumimos o compromisso de intervir de forma mais ampla no capítulo da higiene, saúde e segurança, designadamente ao nível das empresas, dando especial atenção às condições de ventilação e iluminação, mas também da própria ergonomia do mobiliário e mesmo de utilização de automóveis em serviço.

A formação contínua é outra aposta que chama empresas e jornalistas a novas responsabilidades partilhadas.

Além de reforçar a sua intervenção ao nível do Cenjor-Centro Protocolar de Formação de Jornalistas, o Sindicato iniciou uma nova experiência de parcerias com instituições de ensino e formação, com vista à promoção de cursos e acções de formação especializada, estando já a decorrer, com êxito, um Curso de Jornalismo Judiciário, e em lançamento acções na área da Defesa e Segurança e mesmo na preparação de repórteres para o desempenho de missões em cenários de conflito armado ou catástrofe.

Organizadas com a Universidade Católica, o Cenjor, o Movimento Justiça e Democracia, o Instituto da Defesa Nacional e o Estado-Maior do Exército, tais iniciativas deverão alargar-se a instituições de outras áreas, na perspectiva da formação contínua e da valorização dos recursos das empresas.

Tais iniciativas não podem, contudo, ser encaradas como projectos solitários, pelo que o Sindicato vai alargar a todos os instrumentos de contratação colectiva a proposta já apresentada à AIND – Associação Portuguesa de Imprensa, relativamente à tradução, na progressão profissional dos jornalistas, da qualificação obtida na formação ao longo da vida.

Ainda que legítimo, não encaramos a formação contínua como objectivo meramente reivindicativo, mas como dever mútuo e solidário das empresas e dos seus trabalhadores, em ordem a promover a qualidade do trabalho que as primeiras tomam dos segundos e, por conseguinte, a melhor satisfazer um público que se espera cada vez mais exigente.

Neste contexto, o Sindicato deverá solicitar, em breve, a convocação de uma reunião das partes, destinada à avaliação do presente e do futuro do Cenjor, que deve constituir um pilar fundamental no sistema de acesso à profissão, de reciclagem de profissionais e de formação ao longo da vida.

De resto, como é público, o problema do acesso à profissão constitui uma preocupação central da nossa organização, que também não conseguiu ver aprovadas as alterações ao seu regime, em preparação na extinta Secretaria de Estado da Comunicação Social, em virtude da demissão do Governo.

Compreendendo os anseios de milhares de estudantes de Jornalismo e Comunicação Social, assim como as legítimas expectativas de valorização do seu trabalho por parte dos docentes e responsáveis dos respectivos cursos, o Sindicato não pode pactuar com a manutenção de um regime permissível a uma prática que deveria envergonhar-nos a todos, como é a utilização de estudantes na realização de trabalho de facto profissional, que, além de gratuita, os expõe a riscos e responsabilidades para os quais não estão preparados nem têm qualquer cobertura.

Voltaremos a falar detalhadamente sobre esta matéria, apresentando, designadamente, propostas concretas quanto à forma como deveriam ser realizados os períodos de observação nas empresas, quando organizarmos as III Jornadas de Acesso à Profissão.

Depois de ter organizado, no ano e meio que passou, os encontros nacionais de jornalismo on-line e de profissionais em regime de trabalho independente (vulgo free-lance) e uma conferência internacional sobre o papel dos média na construção europeia, o Sindicato prepara uma nova série de iniciativas semelhantes, mas caminha decididamente para o 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses.

Dedicado ao tema «A Identidade Profissional dos Jornalistas», o congresso, que deverá repor o ciclo de quatro anos que deveria separar esta assembleia magna dos jornalistas (o primeiro realizou-se em 1982; o segundo em 1986; e o terceiro em 1998), constituirá uma oportunidade decisiva para abordar temas de enorme importância, como os efeitos da actual organização das empresas, das suas ambições e estratégias, a reformulação dos papeis de vários grupos de profissionais ao seu serviço e até a existência de novas actividades profissionais, em resultado de alterações e inovações técnicas e tecnológicas.

O Sindicato dos Jornalistas não foge ao debate e é o primeiro a promovê-lo ou está na primeira linha dos que o estimulam, desejam ou partilham. É por isso que questões como o Serviço Público de Televisão não são matéria estranha no quotidiano da nossa organização, sempre disponível para reflectir, enunciar propostas e discutir soluções.

Com provas dadas neste domínio, o Sindicato dos Jornalistas tem autoridade para estranhar e criticar a precipitação das medidas do Governo relativamente ao Serviço Público de Rádio e de Televisão, genérica e insuficientemente enunciadas no programa eleitoral do PSD e no Programa de Governo e atabalhoadamente anunciadas pelo ministro da Tutela.

O Sindicato não tem dúvidas de que nenhum Serviço Público de Rádio e Televisão será prestado com qualidade se reduzido a um canal generalista de televisão e alterando ou alienando a Antena 2 da RDP, assim como tem fortes dúvidas acerca da bondade dos objectivos da alienação da Antena 3.

Se a venda ou desmantelamento do Canal 2 e da Antena 2 representarão um empobrecimento grave do panorama audiovisual português, a alienação da Antena 3 só pode servir para enriquecer um qualquer grupo de média que se propõe potenciar os seus interesses à custa de uma importante rede nacional de emissores.

O Serviço Público de Rádio e Televisão não são propriedade do Governo, antes constituem património indeclinável da Democracia, pelo qualquer medida de reestruturação e relançamento exige um debate amplo e aprofundado e convoca a participação democrática, nomeadamente das organizações representativas dos trabalhadores.

Certamente que não ignoramos que a RTP padece de graves problemas desde há muito tempo, pois, caso contrário, não teria sido gerida por 27 administrações em 28 anos, mas recusamo-nos a aceitar que sejam os trabalhadores da empresa a pagar a factura da incompetência das gestões e dos sucessivos governos que as nomearam.

O momento presente, sendo embora de celebração, apresenta, pois, inúmeros e complexos desafios que o nosso Sindicato, e em particular a sua Direcção, enfrenta já hoje.

A seara, como se alcança, é extensa e os ceifeiros são escassos. Por isso, contamos com todos os órgãos do Sindicato, com todas as estruturas sindicais nas empresas e com todos os associados.

Gostaria de sublinhar que contamos também com aqueles que, não tendo partilhado o projecto sindical que agora se reconduz, se sentem igualmente chamados a dar o seu contributo e a reafirmar o carácter verdadeiramente plural do nosso Sindicato.

Peço o vosso perdão para uma menção muito particular ao jornalista Acácio Barradas, que hoje deixa funções executivas no Sindicato, mas continua solidário com um projecto sindical em que investiu uma imensa e irrepetível generosidade, uma camaradagem sem limites. Tranquiliza-nos saber que continuamos a contar com o arrimo da sua solidariedade, da sua solicitude e da sua amizade.

Uma palavra de apreço também muito especial para com o corpo de funcionários do Sindicato, cuja dedicação, competência, capacidade de sacrifício até pessoal nos têm dado extraordinárias e tocantes lições de militância.

Mas o desafio de modernidade que temos pela frente não é tarefa que convoque em exclusivo a nossa organização sindical e as restantes organizações de jornalistas ou órgãos em estes profissionais participam, cujo trabalho aproveitamos também para saudar, testemunhando-lhes a disponibilidade fraterna para aprofundar a cooperação e a inter-ajuda.

Nunca como hoje as associações empresariais do sector são igualmente chamadas ao diálogo activo e consequente, sem prejuízo da autonomia das posições, propostas e estratégias de cada uma das componentes deste mosaico que, não perseguindo o mito corporativo da conciliação de classes, há-de fazer concorrer os esforços de todos para a afirmação de um sector insubstituível na afirmação da Democracia e na construção de uma Sociedade mais desenvolvida e mais justa.

Disse.

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