Sequestros e outros actos de violência

A propósito do chamado «caso Subtil», em que um cidadão e sua família invadiram a sede da RTP, fechando-se numa casa de banho e ameaçando fazer ir pelos ares as instalações, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas emitiu um comunicado «sobre a cobertura noticiosa de sequestros e outros actos de violência continuada ou potencial».

O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas saúda o recente compromisso da Direcção de Informação da Rádio Renascença de se ater aos «factos estritamente noticiosos» na cobertura de «situações de ocupação de instalações públicas por pessoas que pretendem fazer valer pontos de vista privados». Saúda igualmente os órgãos de informação que aderiram a idêntico compromisso nesta matéria.

Na verdade, estas decisões de órgãos de informação prestigiados no panorama da comunicação social portuguesa constituem uma reafirmação dos princípios éticos por que se rege a actividade jornalística, consignados no Código Deontológico.

O ponto n.º 9 do Código Deontológico estipula claramente que o jornalista se obriga «antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade de pessoas envolvidas». Assim sendo, é eticamente incorrecto estender o microfone – sem qualquer intermediação crítica por parte do jornalista – a pessoas em plena prática de actos extremos que evidenciam desespero ou, no mínimo, falta de avaliação das suas consequências.

Do mesmo modo é incorrecto procurar ouvir, em directo, pessoas sequestradas, já que não é de supor que estejam em situação de tranquilidade e liberdade para se pronunciarem. Esta audição de sequestrados em directo, dada a instabilidade da situação, pode até ser muito perigosa para eles, pelo que o jornalista nunca poderia eximir-se de responsabilidades se a sua ânsia pela notícia viesse a degenerar na morte ou ferimentos de um sequestrado.

Um sequestro ou qualquer outro acto de violência continuada ou potencial tem de ser noticiado: existe uma perturbação da ordem, há pessoas colocadas em perigo, surge, naturalmente, a obrigação de informar o público do que está a passar-se. Mas o jornalista está ao serviço do público e não dos protagonistas do acontecimento, pelo que não lhe compete e deve mesmo evitar proporcionar a estes uma exposição mediática que estimule e recompense o exercício da violência sobre outros cidadãos.

Não pode este Conselho Deontológico deixar passar sem um veemente protesto a decisão da TVI de, no recente caso de sequestro no Carrefour, entrevistar cole-gas de escola dos filhos do sequestrador. Foi perpetrada uma violência sem nome so-bre as crianças entrevistadas, incapazes de se recusarem a pronunciar-se depreciativa-mente sobre colegas diante das câmaras – e ainda maior violência foi cometida sobre os filhos do sequestrador, claramente identificados pelo enquadramento escolar e es-tigmatizados pela TVI por causa da conduta do pai. A insensatez e a insensibilidade de tal «reportagem» não dignifica o jornalismo.

O Conselho Deontológico não quer, no entanto, deixar de sublinhar o seu apreço e aplauso perante a atitude de jornalistas que, colocados na situação de confrontar em directo um sequestrador (no «caso Subtil»), fizeram prevalecer o seu sentido de humanidade e de cidadania e procuraram acalmar o entrevistado com o intuito de evitar uma tragédia. Uma vida há-se sempre valer infinitamente mais do que uma notícia.

Partilhe