Resposta ao editorialista do Público

Ao abrigo do direito de resposta, mas sem reclamar a exactidão do local de publicação nem a proibição de réplica simultânea, o presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, Oscar Mascarenhas, enviou ao Público uma carta a António Granado, que aquele jornal inseriu na edição de 5 de Fevereiro de 2002.

Meu caro António Granado

A anunciada enésima candidatura de Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos jornalistas, às eleições legislativas provocou um teu vibrante editorial onde garantes que «se fizeram sentir por todas as redacções ecos de desaprovação» (todas as redacções? ah, esse rigor jornalístico; ah, a falta que fazem os bons estagiozinhos com os velhotes da tarimba…).

Em defesa da tua tese, expressa no título, brandes o Livro de Estilo do Público. Tenho uma (primeira) má notícia para ti: a norma do Público é parcialmente ilegal e de nenhum efeito, porque as empresas — graças a Deus, ao 25 de Abril e a quem mais se queira! — não podem limitar aos seus empregados direitos e liberdades que a lei não limita. E mesmo que o trabalhador aceite essa norma, tal aceitação é entendida como forçada na filosofia do direito do trabalho, dada a desproporção de forças na relação contratual empregado-empregador. (Mas o Teixeira da Mota pode explicar-te isto muito melhor…)

E mesmo em termos de ética jornalística — essa norma é mais do que falível. Vou dar-te exemplos: o fundador do Público, Vicente Jorge Silva, é hoje candidato a deputado e tenho a certeza de que, como deputado, continuará a ser tão independente como o era quando jornalista do Público ou, se quiseres, já era como jornalista do Público um militante cívico tão empenhado como o será como deputado. Sem tirar nem pôr. Já, por outro lado — e vou citar de memória casos recentes — quando o Público noticia que «Ferro Rodrigues fez um discurso branco» sem reproduzir o discurso, está a fazer jornalismo «engagé» por muita ausência de cartão partidário que tenha o autor ou autora. Ou quando titula, na primeira, «Santana vence debate com João Soares», sem explicitar os critérios de atribuição de vitória, estão a fazer jornalismo de campanha, por muito que os seus autores se jurem independentes, isentos, livres e plurais. É que, sabes?, a isenção não é um estatuto ou uma farda — é um exercício, é uma demonstração. Por isso, a lei e a ética coincidem em apenas interditar formalmente certas actividades consideradas incompatíveis quando remuneradas, porque aí há uma visível relação material de dependência. E assim deve ser: o resto, cada qual há-de praticar segundo o seu próprio escrúpulo.

Escreves também que «não é a primeira vez que o Sindicato dos Jornalistas, ou os seus dirigentes, tomam posições completamente contrárias à opinião generalizada da classe» (opinião generalizada? ah, esse rigor jornalístico; ah, a falta que fazem os bons estagiozinhos com os velhotes da tarimba…). E citas dois casos: «veja-se o caso do “off-the-record” do jornal Record ou a opinião de que os estagiários deveriam passar pelas redacções e não fazer quaisquer trabalhos». Em relação ao segundo, há uma falsidade na afirmação, mas já vi que o rigor não é lá dos teus fortes: só somos contra os estagiários trabalharem SEM SEREM PAGOS! Consideramos isso roubo e trabalho escravo: nós, a lei e qualquer pessoa civilizada. Quanto ao «off-the-record» do jornal Record, além de ficar preocupado por o Público ter um membro da direcção que, aparentemente, acha que os “off-the-records” podem ser quebrados — mas esse é um problema futuro dos jornalistas do Público com as suas fontes, quem viver verá… — tenho uma (segunda) má notícia para ti: depois das nossas tomadas de posição sobre o «off-the-record», já fomos reeleitos DUAS VEZES – e com 80 por cento! Mas tu lá saberás onde é que está a opinião generalizada da classe.

O mais electrizante no teu editorial foi a subtil conclamação dos pares à revolta (uau!, que saudades!…): «Um destes dias, seguramente, os jornalistas vão voltar a discutir as formas colectivas de organização da classe.» Tenho uma (terceira) má noticia para ti: quando a classe voltar a discutir as formas colectivas de organização, eu quero estar presente, tenho o direito de estar presente e estarei presente — e comino-te como dever de honra e lealdade que me informes. Marca data e hora. Lá estarei. Nunca fujo, nem deserto do que me pertence por condição. A ti é que raramente te vejo. Um abraço.

Texto reproduzido com a autorização do autor

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