A interiorização e a concretização dos direitos fundamentais das crianças exigem a natureza e a actuação justas das instituições com responsabilidades na efectivação desses direitos, sejam elas a família, as autoridades com competências na matéria ou a comunicação social, defendeu hoje Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR).
O presidente da CNPCJR falava na abertura do seminário de apresentação de um “Manual de Competências Comunicacionais” e de vários Guias para jornalistas e profissionais das áreas da Acção Social, Saúde, Educação e Segurança, realizado hoje, dia 1 de Setembro, em Lisboa.
Segundo Armando Leandro, os elementos carreados no Manual e nos Guias inspiram-se na concepção “ética do agir, particularmente na área da concretização dos direitos das crianças”, o que “pode fundamentar a esperança de que seremos capazes, nomeadamente nesta situação de crise, de corresponder ao desafio que essa concretização nos coloca, como é essencial ao nosso desenvolvimento de qualidade”.
“Essa esperança – sublinhou ainda –, longe de corresponder a um sonho distante, alicerça-se na forte determinação, baseada em decisão lúcida, de, a cada momento, fazermos denodadamente, quer a nível individual quer institucional, tudo o que nos for possível, na correcta observância dos valores, princípios e normas, e em espírito de solidariedade e vontade real de promover a inclusão, para que cada criança veja realizado o direito ao êxito da sua candidatura a uma humanidade plenamente realizada, que toda a infância significa”.
Organizado pela Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR) em parceria com o Instituto da Segurança Social (ISSIP) e com o Sindicato dos Jornalistas (SJ), o seminário encerrou uma série de iniciativas de reflexão interprofissional realizadas em Lisboa, Porto, Funchal e Ponta Delgada, subordinada ao tema “A Cultura da infância numa sociedade democrática: contributos e responsabilidades. A mais-valia da informação/comunicação” e tendo como destinatários jornalistas, presidentes das comissões de promoção e protecção das crianças e jovens e profissionais da área da Comunicação Social.
Partilha de direitos e de responsabilidades
Do papel/responsabilidade dos media falou o jornalista Adelino Gomes, lembrando que a “selecção noticiosa, a sua hierarquização, a enfatização e recorrência de tratamento que a certos acontecimentos são dadas pelos media convertem-nos em temas de debate”. Uma opinião comummente aceite, mas que na sua óptica não é “inevitável”. E isso porque é possível “informar melhor e entender melhor”, sendo que “só pode informar melhor isto é, contar mais adequadamente a história, quem melhor a entenda”, e “só pode entender melhor quem tenha competências que lhe permitam descodificar mensagens e códigos”.
Advogando a necessidade de “uma nova literacia global das notícias”, Adelino Gomes considerou que esta deve abranger, como foi defendido no Congresso da Literacia, organizado pela Universidade do Minho, em Março passado, “programas de Educação para os Media – do pré-escolar ao nível universitário, e na educação de adultos – cujo objectivo seja desenvolver os conhecimentos, capacidades e atitudes que encorajem o crescimento da consciência crítica e, consequentemente, de uma maior competência entre os utilizadores dos media electrónicos e impressos”. Esta nova literacia – enfatizou o jornalista – “deve preocupar-se em simultâneo com actores específicos dos diferentes processos sociais, incluindo os próprios jornalistas”.
Para tal contribuirá certamente, no plano mediático, o Manual de Competências Comunicacionais compilado por Orlando César, presidente do Conselho Deontológico, que segundo Adelino Gomes “vai honrar o jornalismo português”, desde que, como alertou a administradora da Gulbenkian, Isabel Mota, “não lhe aconteça o que infelizmente tem acontecido a tantas e tão boas ideias – adormecer no caixote do lixo da preguiça profissional”.
Uma missão que continua
Valorizando a iniciativa, o presidente da Direcção do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia, considerou o seminário como “uma meta, uma escala num porto de reabastecimento de reflexão partilhada, permitindo recobrar ânimo e forças para retomar uma jornada que é forçoso prosseguir”.
Fazendo notar que a missão dos intervenientes não acaba com a divulgação do Manual e dos Guias, o dirigente do SJ apontou as exigências que o ciclo de seminários e o diálogo interprofissional puseram em evidência: “a de renovado e empenhado esforço na capacitação intelectual, técnica, cívica e até política; a de aperfeiçoamento profissional e de aprofundamento do juízo crítico; a de robustecimento das convicções éticas e de inquietação com os direitos dos outros, em particular os da criança”.
“Não basta ter sensibilidade para o tema, talento para manusear palavras e imagens e engenho para explorar o filão das emoções alheias com mais ou menos escrúpulo”, enfatizou. Pois se é certo, disse, que os jornalistas “têm contribuído para a denúncia de abusos, para a discussão das causas e soluções e para o escrutínio dos poderes, parecendo pacífico que há um esforço genuíno na diminuição de práticas profissionais intrusivas da privacidade das crianças e das suas famílias, bem como de violações por vezes chocantes dos seus direitos”, não é menos certo que não se pode dar por concluída a tarefa.
“A gravidade crescente da situação económica e social que atinge milhares e milhares de famílias, com o risco de preocupantes retrocessos no respeito pelos direitos das crianças impõe, pelo contrário, que se afaste para bem longe dos media a fácil tentação de invocar o seu próprio estado de necessidade para transigir precisamente onde se deve ser mais exigente e mais firme” – defendeu Alfredo Maia.
Uma ferramenta para jornalistas a pensar nas crianças
Coube a Orlndo César, presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, apresentar o sub-sítio electrónico Crianças vs Riscos/Perigo, enquanto responsável pelo respectivo projecto de concepção, elaboração e produção.
“O ponto de partida consistiu, além das reuniões de trabalho na CNPCJR, na elaboração de um Inquérito por questionário a todas as CPCJ e a posteriores contactos com comissões”, referiu Orlando César, dando conta que 90 comissões responderam à iniciativa, uma avaliação das relações com os media. “E a sua apreciação – disse – não indica um quadro preocupante e negativo”.
Este facto não impede, no entanto, que as respostas recolhidas denotem “uma tendência que indica maior incumprimento por parte das televisões”, o que segundo o presidente do CD se ficará a dever ao seu “impacto e à falta de regulação de programas não informativos”.
“Falta de auto-regulação e falta de cumprimento de uma distinção clara da tipologia de programas”, referiu, para logo depois sublinhar que “uma outra perspectiva releva o relacionamento positivo com os media regionais e locais e também o relacionamento positivo com jornalistas que acompanham habitualmente os assuntos sobre crianças”.
Valorizando o facto de as comissões respondentes terem apresentado “numerosas sugestões” para os conteúdos do manual e também manifestado “críticas em relação a jornalistas e à abordagem das suas peças”, particularmente o sensacionalismo, Orlando César apresentou de seguida a estrutura do sub-sítio electrónico, que acolheu igualmente sugestões da comissão de acompanhamento.
O sub-sítio conta com dois instrumentos – um manual de competências comunicacionais e um guia para os meios de comunicação social e trabalho jornalístico – e um espaço de informação com quatro áreas (Retrato Realidade): tipologia das problemáticas de risco e perigo; actividade das CPCJ; exemplos positivos de 48 CPCJ; legislação de promoção e protecção das crianças e legislação da comunicação social, mas também à ética e deontologia do jornalismo e aos princípios éticos aplicados ao noticiário sobre as crianças, com ligações a documentos e sítios relevantes.
Orlando César explicou ainda o conceito do sub-sítio electrónico, que faz uma abordagem da relação crianças e media segundo três eixos: educação para os media; competências para avaliar os media, para comunicar com os jornalistas, para exercer o direito de informar e para envolver a comunidade e os media na protecção das crianças; e competências para lidar com a colisão de direitos (o direito de informar e o direito à identidade e à imagem), para integrar o juízo ético nas práticas jornalísticas no âmbito do vasto património produzido por organizações internacionais de jornalistas desde 1996 e outras entidades (UNICEF, OIT, UNESCO, ONG) e para agir com responsabilidade social e dar um contributo à sociedade.
A terminar, o presidente do CD deu conta da sua iniciativa de propor ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas a elaboração das primeiras directrizes nacionais para a cobertura jornalística das crianças.
“O objectivo – disse – será construir um instrumento que interprete os princípios e valores do Código Deontológico português, dos debates travados sobre deontologia em três congressos de jornalistas portugueses e das recomendações e pareceres do Conselho Deontológico para os aplicar ao caso particular das crianças, no quadro dos seus direitos e dos princípios da Federação Internacional de Jornalistas no domínio da relação dos média com as crianças”.
Nesta importante iniciativa intervieram ainda a jornalista Cristina Santos, a investigadora Lídia Maropo, o sociólogo Paquete de Oliveira, o presidente da Comissão da Carteira Profissional, bem como magistrados, oficiais e dirigentes da PSP, da GNR, da Polícia Judiciária e de comissões de protecção, médicos e outros profissionais ligados à problemática da protecção das crianças e jovens em risco.