Regime de incentivo à leitura é insuficiente

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) considera que o Projecto de Decreto-Lei que estabelece o Regime de incentivo à leitura, embora positivo em vários aspectos, ainda “não cumpre os objectivos adequados à efectiva promoção da leitura e ao reforço da actividade das publicações de base local e regional”.

O parecer do SJ, apresentado no quadro da consulta formal que o Ministro dos Assuntos Parlamentares fez ao Sindicato dos Jornalistas, sublinha o facto de, no diploma em análise, ser evidente “a ausência de apoios à presença e leitura de publicações periódicas nas bibliotecas de escolas, das colectividades locais de recreio, cultura e desporto, bem como das autarquias e da rede de leitura pública”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do parecer do SJ:

Apreciação do Sindicato dos Jornalistas ao Projecto de Decreto-Lei que estabelece o Regime de incentivo à leitura e ao acesso à informação de publicações periódicas de informação geral de âmbito regional

I – Introdução

O presente documento expõe as apreciações do Sindicato dos Jornalistas sobre o Projecto de Decreto-Lei que fixa um novo regime de incentivo à leitura e ao acesso à informação de publicações periódicas de informação geral de âmbito regional.

As apreciações são apresentadas no quadro da consulta formal que o Ministro dos Assuntos Parlamentares fez ao Sindicato dos Jornalistas, coincidente com a publicitação do referido projecto de decreto-lei, designadamente no sítio web do seu gabinete.

Em termos de apreciação genérica, a Direcção do SJ sublinha os seguintes aspectos:

1. A imprensa de âmbito local e regional possui potencialidades para constituir um factor de desenvolvimento das comunidades nas suas múltiplas dimensões – cultural, social, económica, cívica e política, entre outras – e instrumento de manutenção e aprofundamento das ligações dos cidadãos às suas origens.

2. A profissionalização das redacções representa simultaneamente um processo de valorização dessas publicações e de enriquecimento do tecido social local, se for capaz de atrair profissionais experientes e de proceder também à contratação de jovens que, tendo realizado estudos superiores fora das suas localidades de origem, podem encontrar oportunidades de emprego qualificado na sua região.

3. Sem prejuízo da livre concorrência, assente em regras claras e transparentes e no seu cumprimento estrito, o apoio do Estado ao estabelecimento e desenvolvimento de publicações periódicas e, em concreto, o incentivo à sua leitura constitui um factor de importância decisiva, no que diz respeito à sobrevivência de publicações que operam em escalas reduzidas, e portanto condenadas a baixas tiragens, mas que contribuem para a diversidade informativa e cultural.

4. O apoio à imprensa local e regional de informação geral deveria ser objecto de um plano integrado comportando múltiplos instrumentos, de incentivo à criação e desenvolvimento de novos projectos jornalísticos e de estímulo à leitura, em particular entre as crianças e os jovens, envolvendo os agentes e equipamentos culturais, agentes económicos, as autoridades e as organizações de cidadãos.

5. Os apoios do Estado a empresas jornalísticas só poderão ser concedidos mediante a certificação do cumprimento das normas legais e convencionais aplicáveis ao sector, a fim de prevenir a utilização de recursos financeiros de todos por entidades que se furtam a contribuir para eles e desenvolvem a sua actividade em concorrência desleal com aqueles que cumprem a lei.

II – Apreciação em concreto

Não obstante ser positivo em vários aspectos, o projecto de decreto-lei apresentado ainda não cumpre os objectivos adequados à efectiva promoção da leitura e ao reforço da actividade das publicações de base local e regional.

Com efeito:

1. É evidente a ausência de apoios à presença e leitura de publicações periódicas nas bibliotecas de escolas, das colectividades locais de recreio, cultura e desporto, bem como das autarquias e da rede de leitura pública. Embora possa não ser esta a sede apropriada, o membro do governo com a responsabilidade da comunicação social deve procurar incentivar e apoiar os membros do governo com as áreas da cultura, educação, juventude e autarquias a criar e a manter bibliotecas onde estas não existem.

2. Por conseguinte, deve ser introduzido um incentivo à distribuição de publicações àquelas bibliotecas, prevendo-se tal apoio tanto no artigo 1.º como nos artigos 5.º e 7.º do diploma (pontos seguintes).

3. Em coerência com a posição expressa supra, propõe-se o aditamento de um n.º 3 ao artigo 4.º, nos seguintes termos: “3 – Beneficia da comparticipação de 95% o custo da expedição postal dos exemplares destinados às bibliotecas das escolas de todos os graus de ensino localizadas na área da influência da publicação, bem como às bibliotecas das autarquias e da rede de leitura pública e das associações de cultura, recreio e desporto localizadas no município onde a mesma tem sede.”

4. No mesmo sentido, o artigo 7.º, que faz corresponder a cada assinante apenas um exemplar da mesma edição, deve prever, no n.º 1 (e efeitos no n.º 2) ou em número autónomo, a assinatura colectiva (até ao limite de três exemplares) para as bibliotecas a que temos vindo a fazer referência.

5. Prosseguindo na mesma linha, o mesmo artigo deve conter igualmente disposições sobre a fixação, pelo membro do Governo responsável pela área da comunicação social, preços mínimos de assinatura para as bibliotecas, sem prejuízo da oferta das publicações pelas entidades editoras.

6. Finalmente, a gratuitidade do fornecimento de publicações periódicas às bibliotecas não deve ser considerada para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 12 (envio abusivo), pois o recurso a essa possibilidade representa uma partilha, entre o Estado e as empresas, do esforço de promoção da leitura.

7. Aos deveres previstos no n.º 4 do artigo 1.º, deve ser acrescentada a obrigação de certificação do cumprimento das normas legais e convencionais em matéria de relação de trabalho aplicáveis, cujos efeitos ultrapassam a simples declaração de contribuição para as entidades mencionadas na alínea b). Com efeito, é frequente a declaração, à Segurança Social e ao Fisco, de vencimentos “pelos mínimos” e a violação de regras sobre progressão nas carreiras, trabalho nocturno e trabalho suplementar, o que se traduz numa distorção da concorrência e numa subtracção de contribuições devidas ao Estado.

8. Os limites ao apoio com base no critério relativo ao espaço publicitário (artigo 2.º, alínea b) são manifestamente excessivos, pelo que deveriam ser reduzidos para 25%.

9. Não se compreende a exclusão dos cidadãos que vivem nas comunidades portuguesas mas desejam manter a ligação, por várias vias, às suas regiões de origem, pelo que o apoio à expedição para assinantes não se deve limitar aos residentes em território nacional (Artigo 4.º, n.º 1), abrangendo explicitamente e em maior percentagem (75%) os envios para o estrangeiro.

10. A alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º carece de correcção. Se obriga a “pelo menos um profissional”, como pode fixar que “dos quais dois jornalistas com carteira profissional”?

11. Em coerência com a posição de defesa de apoios à criação e desenvolvimento de novos projectos e de valorização da iniciativa dos profissionais, propõe-se o aditamento, ao artigo 5.º, um novo n.º 4 (e consequente renumeração dos seguintes), nos seguintes termos: “4 – As publicações editadas por cooperativas maioritariamente constituídas por jornalistas, desde que não ocupem com conteúdo publicitário uma superfície superior a 25% do espaço disponível, incluindo suplementos e encartes, beneficiam de comparticipação de 80% no custo da sua expedição”.

12. A criação de um portal para a imprensa regional pode ser um instrumento com interesse para a promoção das publicações de âmbito local e regional, mas deve ser rodeada de algumas cautelas essenciais, designadamente o direito de recusa, por parte dos jornalistas, de que as suas criações sejam ali disponibilizadas. Por conseguinte, deve aditar-se a ressalva, a concluir o n.º 2 do artigo 6.º, “e o direito de oposição dos jornalistas à reprodução das suas criações”.

13. A fim de garantir a transparência do processo e a afastar eventuais suspeições sobre o presidente do Instituto da Comunicação Social e o membro do Governo responsável pela área da comunicação social, o n.º 3 do artigo 6.º deve consagrar a audição prévia das associações representativas dos jornalistas e das empresas.

14. Quanto à obrigação das entidades titulares das publicações abrangidas por comparticipação nos custos de expedição postal de inserirem os nomes e os números dos títulos profissionais que determinaram o seu enquadramento no escalão de comparticipação (artigo 11.º, n.º 2), devem ser abrangidos todos os jornalistas que se encontram ao seu serviço.

15. O prazo de 60 dias para a substituição de jornalistas previsto no n.º 3 do artigo 11.º parece excessivamente largo se não for fundamentado na comprovada impossibilidade de novo recrutamento num prazo de 30 dias.

III – Outras formas de apoio

Desde há vários anos que o SJ tem vindo a insistir, nomeadamente com o poder legislativo, na necessidade de criação de mecanismos de apoio aos órgãos de informação, em particular os de base local e regional, através de incentivos de natureza fiscal às empresas de qualquer actividade económica que procedam a investimentos publicitários e às empresas jornalísticas que se reconduzam voluntariamente à regulação da sua actividade.

Como contribuição para a elaboração de um sistema integrado de incentivos ao sector, recupera-se a proposta do Sindicato enviada ao Governo, em 31 de Maio de 2004, no âmbito da anterior revisão do sistema de incentivos a qual teve por base a plataforma para a crise enviada pelo SJ, em Dezembro de 2001, ao Governo e às organizações patronais:

Artigo X – 1.º

Natureza e âmbito

1 – As empresas de qualquer sector de actividade que procedam a investimentos publicitários em publicações periódicas e em programas de radiodifusão têm direito à dedução dos respectivos custos em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas, nas seguintes percentagens:

a) 125% do total do investimento quando este seja feito em meios de comunicação social de expansão nacional;

b) 150% do total do investimento nos casos em que este seja dirigido a publicações periódicas ou a rádios de âmbito local e regional.

2 – São majoradas em 5% as deduções de despesas de investimento em publicidade, nos termos do número anterior, quando se destinem a promover bens e serviços de expressão regional.

Artigo X – 2.º

Comprovativos

As empresas jornalísticas receptoras do investimento publicitário bonificado nos termos do artigo anterior fornecerão aos anunciantes cópias autenticadas da verificação das condições de cumprimento das suas obrigações legais e convencionais.

Artigo X – 3.º

Vigência

1 – Os presentes incentivos indirectos vigoram por tempo indeterminado.

2 – Os membros do Governo com responsabilidades nas áreas da Comunicação Social, Trabalho e Segurança Social, Finanças, Economia e Agricultura avaliarão de dois em dois anos as condições para rever as majorações previstas no art.º X – 1.º

Lisboa, 10 de Novembro de 2006

A Direcção

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