Redução orçamental “é sentença de morte” da RTP2

O Grupo Informal de Reflexão (GIR) sobre o serviço público apresentou as conclusões do encontro nacional de Julho e criticou os projectos do Governo para a RTP, considerando que a anunciada redução em 50 por cento do orçamento da RTP2 é a “sentença de morte” daquele canal.

Muitas perguntas sem resposta: assim se poderiam resumir as críticas do GIR às decisões do Governo para a televisão pública, apresentadas a 19 de Dezembro, na Casa da Imprensa, em Lisboa, em sessão na qual foram divulgadas as conclusões do encontro “Serviço Público – Uma Questão Nacional”, que apontam inequivocamente para a manutenção dos dois canais da RTP.

O GIR considera que o projecto não dá respostas claras a questões tão relevantes como as condições para a execução do plano de redução do pessoal da RTP, o financiamento da estação pública ou o saneamento financeiro da empresa.

É o seguinte o texto integral do documento apresentado pelo GIR, relativo aos projectos do Governo para a RTP:

Reestruturação e Financiamento da RTP – Comentários às medidas do Governo

“Do ponto de vista económico-financeiro, algumas das soluções apresentadas pelo Governo incluem factores positivos, como a exploração de sinergias administrativas entre a RTP e a RDP, uma orientação clara quanto à vontade de redução dos custos do serviço público de rádio e televisão, a alienação de activos como a TV Guia, o encerramento da RTC, e a renegociação dos custos da grelha de programas, medidas aliás defendidas por membros do Grupo Informal de Reflexão em Julho passado.

“Mas, simultaneamente, e apesar de apresentadas com pompa e circunstância, as medidas propostas pecam claramente por falta da sustentação, da transparência e do rigor que se impunha quanto a diversas questões fundamentais:

· “não fica rigorosamente claro o novo modelo de financiamento do serviço público de rádio e televisão, e muito menos o fica em termos do essencial princípio de estabilidade e previsibilidade, defendido aliás quer por este Grupo Informal de Reflexão, quer pela Comissão nomeada pelo Governo; mantém-se assim como fonte de financiamento essencial a atribuição de uma dotação orçamental anual totalmente adhoc, sujeita aos humores do Governo e à pressão do défice;

· “mantém-se uma taxa de rádio e TV envergonhada, sem coragem e eventualmente ilegal (por se pretender que financie a televisão quando foi criada para a rádio), e apenas como “bengala” para que o Governo possa ainda manter a dotação orçamental dentro dos limites com que se comprometeu inicialmente, já que não conseguiu ir tão longe como supunha na redução de custos;

· “mesmo admitindo apriori o cumprimento rigoroso da previsão da evolução de custos de funcionamento da RTP e da RDP até 2005 apresentada pelo Governo, não fica rigorosamente claro qual o montante e qual a forma de financiamento dos défices de exploração, valor que entre 2002 e 2005 poderá ser da ordem dos 300 a 400 milhões de euros, mantendo-se afinal, mesmo que disfarçadamente, o subfinanciamento crónico de que a RTP foi alvo entre 1993 e 2001;

· “não fica rigorosamente claro qual o custo global de reestruturação da RTP e RDP, que o Governo não se atreve a quantificar, nem sequer aproximadamente, mas que deveria constituir a base da análise custo-benefício que suporta as decisões de reestruturação, e um dado importante para o cidadão-contribuinte;

· “não ficam rigorosamente claras quais as condições para a execução do plano de redução de pessoal na RTP e na RDP, tendo em conta os efeitos na operacionalidade das empresas e na qualidade do serviço prestado (foram alterados os modos de organização do trabalho? foi verificada a ineficiência da produção interna? Ou despede-se simplesmente um número X de funcionários?);

· “não fica absolutamente claro se os conteúdos fornecidos pela SIC e pela TVI aos Canais Internacional e África são gratuitos ou não – é preciso recordar que a RTP sempre manifestou abertura para incluir esses conteúdos na sua programação, mas os privados sempre pediram um preço que a empresa não podia pagar; em qualquer caso, mesmo sendo esses conteúdos gratuitos, não significam uma poupança real, já que actualmente estes canais, em importante medida, apenas repõem programação da RTP1 e da RTP2;

· “não ficam rigorosamente claros os moldes em que a criação dos Canais Regionais, com a participação dos Governos Regionais, pode trazer poupanças à RTP – como este Grupo de Reflexão já disse em tempos, trata-se de solução que só significa que o Estado virá a arcar com essa despesa por outra via: a dos défices das Regiões Autónomas;

· “não fica rigorosamente claro como é que a criação do Canal Sociedade (ex-RTP2) poderá a curto prazo significar qualquer tipo de poupança, já que não se vislumbra – o próprio Governo não o vislumbra – senão a solução de manter, por tempo indeterminado, a RTP como parceiro motor da solução, por incapacidade de resposta imediata da sociedade civil; se assim for, a anunciada redução do respectivo orçamento em 50% é “apenas” a sentença de morte do canal;

· “embora as poupanças a fazer nos custos operacionais da RTP em 2003 sejam quantificadas com algum detalhe –não se comentando aqui o seu grau de optimismo ou o seu eventual efeito demolidor sobre a qualidade dos canais públicos -, os documentos apresentados são omissos quanto às poupanças adicionais a alcançar na RTP e RDP até 2005 (50 milhões de euros/ano);

· “não fica rigorosamente claro em que moldes, quando e a que preço se fará o saneamento financeiro da actual RTP, transformada em “Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA”, afinal uma holding Portugal Global com outro nome, e onde aparentemente ficam parqueados – quase diríamos, debaixo do tapete – os passivos de financiamento; é pois provável que venhamos a ter uma RTP-Serviço Público sem mácula, e uma RTP-holding em profunda crise financeira;

· “finalmente, não fica rigorosamente claro em que moldes o Estado Português teve ou terá de prestar o seu aval ou o seu conforto aos credores, por forma a viabilizar as operações previstas, o que não deixa de constituir uma grave contradição com as exigências de transparência que o financiamento dos serviços públicos deve respeitar.”

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