Queixa nº 4/Q/2025
A queixa:
O Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas recebeu cinco queixas sobre a entrevista feita pelo jornalista e pivô da RTP, José Rodrigues dos Santos, ao secretário-geral do Partido Comunista Português, Paulo Raimundo, na segunda-feira, 24 de março de 2025, no espaço do Telejornal da RTP1.
Os cinco reclamantes questionam a forma como foi conduzida a entrevista e o facto de ter sido abordado um único tema de política internacional que tinha como designação genérica ‘Legislativas 2025’. Um dos queixosos, referiu ainda que esperava ter visto o jornalista fazer “perguntas que conduzam os espectadores a refletir e a criar a sua própria opinião sobre as políticas internas e externas propostas pelos diferentes partidos”, concluindo: “Não foi o que aconteceu”.
Este reclamante afirmou que fez questão de assistir à transmissão das entrevistas dos dias 25 e 26, feitas pelo mesmo jornalista, para poder comparar e verificou “que os assuntos abordados foram politemáticos”.
Procedimentos:
- Os membros do CD consideram que as queixas relacionadas com entrevistas, debates, reportagens e notícias feitas no período que antecede as eleições legislativas de 18 de maio de 2025 são matéria da sua competência, e decidiram abrir um processo.
- Os membros do CD também consideram que o objetivo primeiro da cobertura jornalística num período de pré-campanha e campanha eleitoral é contribuir para um melhor esclarecimento do eleitorado. Recorde-se que, de acordo com o artigo 3º da Lei 72-A/2015, “o período de pré-campanha eleitoral corresponde ao período compreendido entre a data da publicação do decreto que marque o ato eleitoral ou do referendo e a data de início da respetiva campanha eleitoral”. No caso em apreço, o decreto presidencial que dissolve a Assembleia da República e marca a data do sufrágio foi publicado no dia 19 de março, data em que foi emitida a terceira entrevista deste conjunto de entrevistas realizadas pela RTP 1, no decurso do Telejornal.
- A entrevista que deu origem às já mencionadas queixas recebidas pelo CD é parte integrante de um conjunto de entrevistas feitas pela RTP aos líderes dos partidos com assento parlamentar na XVI Legislatura, em março de 2025, tendo-se realizado no período de pré-campanha eleitoral de acordo com a legislação referida no ponto anterior.
- O CD visionou este conjunto de entrevistas e verificou que os tempos de duração oscilaram entre os 5 e os 30 minutos e que visaram vários temas, sobretudo de política nacional.
- O CD decidiu enviar perguntas ao Diretor de Informação da RTP para perceber a forma como foram atribuídos os tempos de duração de cada entrevista e os temas que iriam ser abordados, entre outras questões que dirigimos a António José Teixeira.
- O CD também enviou perguntas ao secretário-geral do Partido Comunista Português, e ao jornalista que conduziu a entrevista objeto de queixas.
Análise:
I – Perguntas ao Diretor de Informação da RTP e respetivos esclarecimentos
-
O CD fez seis perguntas ao Diretor de Informação (DI) da RTP, António José Teixeira, que foram enviadas por mail.
-
No dia 31 de março, o DI da RTP respondeu ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, informando-nos que o tema estava a ser “discutido internamente” e que iria responder em data posterior.
-
A 7 de abril, recebemos um mail do DI da RTP, explicando que a “série de entrevistas insere-se no trabalho jornalístico da RTP com vista às eleições legislativas de maio”. Explica: “Convidámos os partidos com representação na Assembleia da República para entrevistas no Telejornal com durações variáveis, com ponderação editorial e tendo também por base a sua dimensão parlamentar. Os tempos de entrevista foram acordados previamente com os entrevistados”.
-
Duas das perguntas feitas pelo CD tinham por objetivo esclarecer se os temas nacionais deveriam ter mais destaque do que a política externa e se na definição dos critérios editoriais para estas entrevistas, foi considerada a possibilidade de o canal público de televisão ocupar todo o tempo de entrevista com um único tema de política internacional?”
-
António José Teixeira respondeu que, para a Direção de Informação da RTP, “não há temas tabu nem perguntas proibidas em qualquer entrevista”. Dito isto, acrescenta que “não pode deixar de sublinhar que o objetivo destas entrevistas era o de serem tematicamente abrangentes e de não correrem o risco de se confundirem com debates”. E sublinha: “A DI respeita a liberdade jornalística, não condiciona perguntas ou limita as perguntas de quem quer que seja a quem quer que seja. Obviamente, era, e é, desejável que outros assuntos tivessem sido abordados, mesmo com tempo limitado, dado inserirem-se num jornal com a duração habitual.”
-
O Diretor de Informação da RTP afirma na resposta enviada ao CD: “Rejeito que tenha estado em causa um desonesto exercício de manipulação, mas reconheço que a entrevista não cumpriu o objetivo traçado”, acrescentando que “o tema foi discutido e avaliado internamente, nomeadamente pela Provedora do Espectador e no seio do Conselho de Redação”. E que “outras entrevistas aos líderes partidários se seguirão nos vários canais da RTP.
II – Perguntas feitas a Paulo Raimundo, secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP) e respostas recebidas pelo CD:
-
O CD dirigiu três perguntas a Paulo Raimundo, que foram enviadas por email ao gabinete de imprensa do PCP. Uma das perguntas tinha como objetivo saber se Paulo Raimundo fora previamente informado sobre o tempo que iria durar a entrevista, que decorreu no dia 24 de março. Perguntámos ainda quem escolheu o dia da entrevista.
A resposta do secretário-geral do PCP foi enviada pelo gabinete de imprensa do partido, que informou o seguinte: “O dia da entrevista partiu de proposta da direção de informação da RTP. Sendo acomodável na agenda do Secretário-Geral do PCP, não exigiu acertos.” -
Quisemos saber se, tendo em conta que as entrevistas em causa tinham a designação genérica “Legislativas 2025”, Paulo Raimundo fora previamente informado sobre o tempo que iria durar a sua entrevista e de como iria ser feita a atribuição do tempo de duração de cada entrevista aos líderes dos partidos políticos com assento parlamentar neste período que antecede as eleições legislativas.
A resposta enviada por Paulo Raimundo foi esta: “Foi previamente indicada uma duração prevista da entrevista, como sucedeu noutras entrevistas idênticas naquele espaço. A duração efetiva foi comunicada ao Secretário-Geral do PCP imediatamente antes do início da mesma, pelo jornalista que a conduziu, já em estúdio. Não foi previamente comunicada a duração das restantes entrevistas nem o critério para atribuição do tempo para cada uma.” -
Por último, perguntámos se em algum momento prévio dos contactos entre as partes foram referidos assuntos que iriam ser abordados no decurso da entrevista? A resposta enviada pelo gabinete de imprensa do PCP, informa: “Não tendo sido feito acerto de temas ou questões concretas, o âmbito proposto foi a realização das eleições legislativas de 18 de Maio, em Portugal. O Secretário-Geral do PCP seria entrevistado na condição de dirigente de força política concorrente e candidato a essas eleições, no quadro de um ciclo de entrevistas pré-eleitorais, à semelhança do que sucedeu em anteriores atos eleitorais e como foi possível assistir em todas as entrevistas realizadas nesse âmbito, antes e depois. O jornalista que conduziu a entrevista transmitiu que a mesma se centraria em questões estruturantes, nomeadamente internacionais, já sentado em estúdio, momentos antes de se iniciar.”
III. Perguntas enviadas ao jornalista José Rodrigues dos Santos
-
O CD enviou seis perguntas ao jornalista e pivô do Telejornal da RTP, José Rodrigues dos Santos. A primeira pergunta questiona o tempo atribuído a cada entrevistado: “Os tempos foram definidos pela Direção de Informação da RTP. Os critérios para essa definição, segundo me foram explicados, relacionam-se com a representatividade parlamentar dos partidos.”
-
José Rodrigues dos Santos optou por dar uma resposta conjunta às perguntas do CD que procuravam esclarecer e entender o motivo de a entrevista ter focado um único tema – a posição do PCP sobre guerra da Ucrânia. Refira-se que este ponto foi referido em todas as queixas recebidas pelo CD.
a) A resposta de José Rodrigues dos Santos esclareceu que elegeu o conflito da Ucrânia como tema principal pelos seguintes motivos: “A entrevista em causa decorreu no quadro de uma série de entrevistas com os líderes partidários com representação parlamentar. Esta entrevista específica tinha previsto vários temas. Tendo em conta o impacto do conflito da Ucrânia na atualidade, as importantes decisões relacionadas com este assunto a tomar na próxima legislatura pelo governo e pelo Parlamento que saírem das eleições legislativas 2025, e as persistentes dúvidas sobre a posição do PCP a respeito desse conflito armado, elegi este como tema principal.
b) Acrescentou: “Antes de a entrevista começar, indiquei a Paulo Raimundo que a duração seria de dez minutos e que o tema seria a Ucrânia. Expliquei previamente ao entrevistado que havia alguns equívocos a esclarecer na posição do PCP sobre este conflito, pelo que iria fazer perguntas no sentido de clarificar de uma vez por todas a posição do Partido Comunista Português sobre este assunto”.
-
Os esclarecimentos enviados por José Rodrigues dos Santos ao CD são complementados pela transcrição de boa parte da entrevista, com o intuito de clarificar o momento em que surge o “problema” para o entrevistador:
a) “A entrevista começou com uma pergunta relacionada com as recentes posições do PCP na Assembleia da República sobre a Ucrânia. As perguntas seguintes tiveram em geral resposta, ainda que com duas exceções, que não perturbaram a entrevista. O problema surgiu quando se chegou à pergunta sobre se o PCP se opunha ao envio de armas para a Ucrânia, questão que, embora importante para o plano da entrevista, me pareceu pacífica. Neste ponto, porém, fui inesperadamente confrontado com uma sucessão de respostas que me pareceram ambíguas, pouco claras e sobretudo contraditórias.”
b) A transcrição enviada contém sete exemplos de perguntas e respostas em que Paulo Raimundo usa um ‘não’ como palavra inicial da sua resposta. O CD reproduz nesta análise um dos exemplos que nos foi enviado pelo entrevistador:
“JRS – Quando diz que nós é que somos responsáveis pela guerra porque estamos a alimentá-la ao enviar armas, no fundo está a dizer aquilo que sempre disse o PCP: que é contra o envio de armas para ajudar a Ucrânia a defender-se. É isto?”
PR – “Não. O que eu estou a dizer é que nós estamos perante uma guerra que devia ter sido evitada desde o princípio.”c) Na resposta de onze páginas que enviou ao CD, o entrevistador referiu que «a resposta literal à pergunta que foi feita, a de se confirmava que o PCP “é contra o envio de armas para ajudar a Ucrânia a defender-se”, foi “não.” Portanto, a crer nesta resposta, o PCP “não” era “contra o envio de armas para ajudar a Ucrânia a defender-se”. E a seguir o entrevistado mudou de ângulo, falando sobre a necessidade de se ter evitado a guerra. Considerei evidentemente que o entrevistado se tinha expressado mal e não valorizei esta resposta, ciente de que haveria tempo suficiente para o entrevistado a corrigir e clarificar. A oportunidade surgiu pouco depois”.
d) José Rodrigues dos Santos usou a transcrição para atestar que várias das respostas de Paulo Raimundo começam pela palavra Não. “A partir do momento em que, perante a insistência na mesma pergunta, a primeira palavra em resposta era sistematicamente «não», seguindo-se depois declarações que iam em direções diferentes umas das outras, fiquei genuinamente sem entender o verdadeiro sentido das respostas, e presumi que o telespectador estivesse igualmente confuso. Poderá especular-se se o «não» do entrevistado constituiria um bordão, uma espécie de muleta retórica que o entrevistado usaria inconscientemente.
A ter sido de facto um bordão, não se pode imputar ao entrevistador a responsabilidade pelos equívocos que o bordão do entrevistado, e sobretudo um bordão assente na palavra «não», suscita.”Conclusão:
-
O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas entendeu ser importante esclarecer o critério seguido pela RTP para atribuição do tempo a cada líder dos partidos com assento parlamentar, nesta série de entrevistas com a designação ‘Legislativas 2025’, que começaram a ser emitidas antes do dia 19 de março, data da publicação do decreto presidencial que determina o dia do sufrágio eleitoral, entrando-se depois pelo período na pré-campanha eleitoral.
-
A RTP recorreu ao critério da representação dos partidos na XVI Legislatura. Os tempos atribuídos oscilam entre os 5 minutos e os 30 minutos, com outras durações intermédias.
-
O tempo de duração de cada entrevista não foi definido pelo entrevistador.
-
Segundo as explicações do Diretor de Informação da RTP, o entrevistado foi informado do tempo de duração da mesma e que o objetivo destas entrevistas era “serem tematicamente abrangentes”. O pivô do Telejornal reafirmou o tempo de duração da entrevista e que informou o secretário-geral do PCP que esta iria centrar-se no conflito da Ucrânia. A resposta enviada pelo gabinete de imprensa do PCP confirmou o tempo de duração da entrevista, mas não que o secretário-geral tenha sido informado previamente que o tema da Ucrânia seria central. A resposta refere que o âmbito proposto para a entrevista eram as eleições legislativas e que, já sentados em estúdio, o pivô do Telejornal disse que a mesma “se centraria em questões estruturantes, nomeadamente internacionais”.
Deliberação:
I. O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas considera que o objetivo primeiro das entrevistas feitas aos líderes partidários ou outros dirigentes dos partidos políticos em período de pré-campanha ou campanha eleitoral é o de contribuírem para o esclarecimento da população com capacidade eleitoral. É desejável que as entrevistas sejam abrangentes e inclusivas nos temas abordados sejam estes de política nacional ou de carácter internacional.
II. O CD respeita a opção editorial da Direção de Informação da RTP ter optado por apenas entrevistar os líderes dos partidos com assento parlamentar, mas convida a RTP a refletir sobre a natureza do serviço público que a vincula e a circunstância de os momentos de pré-campanha eleitoral poderem servir para dar voz aos partidos sem assento parlamentar.
III. O CD constata que a atribuição do tempo de duração das entrevistas na série ‘Legislativas 2025’ ficou demasiado subordinada ao número de deputados eleitos na XVI Legislatura. Não questionamos a decisão editorial da RTP, mas entendemos que entrevistas demasiado curtas dificilmente contribuirão para um melhor esclarecimento do eleitorado e lembramos que no nosso entender deve ser esse o principal objetivo do serviço público.
IV. Sobre a entrevista feita pelo jornalista José Rodrigues dos Santos ao secretário-geral do Partido Comunista Português, Paulo Raimundo, no dia 24 de março de 2025, consideramos que o facto de ter sido abordado um único tema não contribuiu para o objetivo primeiro de esclarecer o eleitorado, sendo este o motivo que consta de todas as queixas que o CD recebeu.
O CD visionou repetidas vezes a entrevista em questão, compaginando-a com a transcrição enviada pelo jornalista: entendemos a argumentação de José Rodrigues dos Santos sobre a utilização de bordões por parte de um líder político, mas parece-nos percetível e claro o recurso de Paulo Raimundo ao uso repetido do termo Não como ‘muleta’ de linguagem.
O CD considera que não houve nenhuma irregularidade deontológica na entrevista, mas entende que o resultado final da mesma “não cumpriu o objetivo traçado”, como disse o Diretor de Informação da RTP na resposta que nos enviou.V. No ano em que se celebra o 50º aniversário das primeiras eleições do pós-25 de Abril, em que estão previstos dois atos eleitorais no calendário, o CD recorda a importância das entrevistas e debates contribuírem para um melhor e maior esclarecimento do eleitorado, da literacia eleitoral e da participação cívica da população.
A presente recomendação é extensível a todos os órgãos de comunicação em matéria de entrevistas feitas em período pré-eleitoral – sejam os temas abordados assuntos nacionais ou internacionais – mas lembramos que o serviço público de rádio e televisão tem responsabilidades acrescidas nesta matéria.
O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas
Lisboa, 28 de abril de 2025