Queixa por “desrespeito das mais elementares regras deontológicas” na utilização da palavra ‘chegano’

Conselho Deontológico

Queixa nº 7/Q/2022

Assunto

Queixa de Miguel Sampaio por “desrespeito das mais elementares regras deontológicas” na utilização da palavra ‘chegano’

Queixa

  1. O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (adiante CD) recebeu, a 3 de fevereiro de 2022, uma queixa assinada por Miguel Sampaio, na qual este denunciava “uma dualidade de critérios que hoje reina em vários meios de comunicação social”, dando como exemplo uma notícia do site do Expresso (e que o próprio anexou como imagem), em que um dirigente do Chega era designado por ‘chegano’. Apesar do consulente solicitar de imediato “uma averiguação e respectiva atuação por parte do Sindicato [sic], ao jornalista responsável pelo artigo em anexo, por desrespeito das mais elementares regras deontológicas, que deveriam pautar o jornalismo”, o CD solicitou ao consulente, a 17/2, que fosse mais claro nas regras que no seu entender teriam sido desrespeitadas. Miguel Sampaio respondeu a 21/2, mencionando:

– “A adjetivação pejorativa ao candidato ao cargo, de uma força política com direitos inerentes a uma eleição democrática, que quer se queira ou não, ditou que se torna-se a terceira força partidária é no mínimo hilariante, que demonstra bem a qualidade do nosso jornalismo…”

– A afirmação escrita “…voto para eleger o vice presidente CHEGANO…” , entre outras, colide com o definido no artigo 1°,2°,9° e 11°. Assim sendo:

– O jornalista não distinguiu a notícia da opinião de forma clara aos olhos do público.

– O jornalista não combateu o sensacionalismo, uma vez que o promoveu.

– O jornalista não rejeitou o tratamento discriminatório de pessoa em função da sua convicção política ou ideológica.

– O jornalista, estando em funções num jornal de relevo nacional, e que obteve benefícios estatais de injeções monetárias aquando da crise pandémica, obteve de forma indirecta de benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional.

O consulente termina a sua mensagem dizendo “Não sou Chega, mas atormentam-me tais posturas”.

Procedimentos

  1. Porque apenas foi enviado um excerto da notícia em causa, através de uma captação de ecrã, o primeiro passo do CD foi verificar a notícia (“Maioria de esquerda não deverá deixar passar Vice-presidente da AR do Chega”), tendo constatado que a palavra em causa fora substituída pela expressão “vice-presidente do Chega”. Apesar da alteração, a notícia não faz alusão a essa correção.
  2. Neste sentido, o CD contactou a 4/3 a jornalista Liliana Valente, autora da peça em causa, a quem perguntou o porquê da escolha da palavra ‘Chegano’ e porque não há referência ao facto de ter sido feita uma alteração, que poderá ter tido algum impacto na leitura da peça. De imediato obtivemos a informação de que a jornalista estaria ausente até 16/3, pelo que as perguntas foram adaptadas e redirecionadas para a Direção do Expresso.
  3. Finalmente, a 24/3, depois de alguma insistência por parte do CD, a jornalista do Expresso respondeu. Relativamente ao uso da palavra, assegura que não se recorda do momento exato em que escolheu a palavra para poder dar uma justificação consciente para o seu uso. E acrescenta: “Na escrita corrente é habitual usarmos uma espécie de neologismos para designarmos pessoas próximas de partidos ou de líderes. Os ‘costistas’, os ‘pedronunistas’, os ‘medinistas’ ou até expressão mais antiga, os ‘bloquistas’. São palavras criadas para os designar, sem qualquer conotação negativa”. Explica ainda que “não foi por mal ou por qualquer pensamento prévio que escrevi a expressão. Foi por já me ter entrado previamente no ouvido e a ter usado na torrente da escrita? Talvez”. Adianta ainda Liliana Valente que se tratava “de uma notícia de última hora que se [quer?] rápida, pelo que já depois de publicada a reli com mais atenção. Foi aí que não me soou bem a expressão e decidi alterá-la, minutos depois de ter sido publicada. É comum fazermos pequenas alterações aos textos depois de publicados online. Por vezes estamos a escrever tão à pressa que não escolhemos as melhores palavras.” Relativamente ao facto de não haver referência ao facto da peça ter sido corrigida, Liliana Valente explica: “não coloquei qualquer nota sobre a alteração pois estas notas no final dos textos apenas são usadas quando acrescentamos informações novas ou quando corrigimos informações vertidas no texto. Não era o caso. Confesso não me ter apercebido que tal expressão causava incómodo junto de leitores ou de militantes do Chega. Na verdade, parece apenas ter causado incómodo a um. A esse leitor, peço desculpa pelo desconforto causado.”
  4. Liliana Valente termina a sua resposta ao CD dizendo estar convencida de “não ter violado qualquer princípio deontológico da profissão, que levo muito a sério. Sou jornalista há mais de 15 anos e nunca tinha sido confrontada com uma queixa sobre o meu comportamento. Erros acontecem e devemos aceitá-los. Maus momentos acontecem e devemos aceitá-los. Em todos estes casos, corrigir se estivermos mal, sem pudor. Caso muito diferente seriam erros, falhas, más escolhas reiteradas, o que não é o caso. Peço pois que tratem o caso por aquilo que é: um artigo normal, em que fiz uma má escolha de uma palavra, da qual me apercebi rapidamente e que emendei, sem qualquer problema com isso.”
  5. Acresce que a jornalista do Expresso questiona o CD sobre a forma mais correta para os jornalistas se referirem aos militantes do Chega, escrevendo: “Qual a melhor expressão para identificar os militantes do Chega sem ferir os princípios deontológicos da profissão? ‘Cheguistas’? ‘Cheganos’? O mesmo para os militantes do PAN, ‘panistas’? É incorreto chamarmos ‘bloquistas’ a membros do Bloco de Esquerda? Pergunto por estes partidos porque as expressões usadas para os designar não são expressões que designem correntes de pensamento político, como ‘comunistas’, ‘socialistas’ ou ‘liberais’”.

Análise

  1. A análise ao caso em apreço é muito sumária: a própria jornalista retificou a situação, “minutos depois de ter sido publicada”, por entender que não estava corretamente empregue.
  2. A palavra ‘Chegano’, para designar apoiantes ou dirigentes do Chega, tem indiscutivelmente uma carga pejorativa. Uma coisa é ser usada num contexto humorístico, em que terá surgido, outra é fazê-lo em ambiente jornalístico.

Parece óbvio que uma coisa é designar os apoiantes /dirigentes do PC como comunistas ou os da IL como liberais, outra é fazer o mesmo para os do Chega com a palavra ‘chegano’, que, como diz o consulente, é uma “adjetivação pejorativa ao candidato ao cargo”.

 

Deliberação

  1. O CD não subscreve os argumentos do consulente, entendendo que não houve falhas deontológicas, nos termos em que estas são colocadas por Miguel Sampaio.
  2. O CD considera, relativamente ao argumento de que “o jornalista não distinguiu a notícia da opinião de forma clara aos olhos do público”, que a questão não se coloca, na medida em que a jornalista corrigiu prontamente a expressão por sua própria iniciativa, logo que tomou consciência de ter tomado uma má opção. O CD entende que se tratou de um ato irrefletido, embora indesejável, e que, nalguns casos até – que não este –pode configurar situações inaceitáveis.
  3. Finalmente, sobre o pedido de intervenção do CD na forma como os apoiantes e dirigentes do Chega devem ser tratados: trata-se de uma matéria de caráter não deontológico, mas ‘técnico’, que o Expresso e os jornalistas em geral devem resolver de forma natural. À falta de uma palavra que simplifique, como acontece aliás com o PAN, os jornalistas podem sempre utilizar a expressão que Liliana Valente usou: ‘dirigente (ou apoiante) do Chega’.
  4. Diferente é a ausência de referência à correção feita (na hora a que aconteceu e no tema que abordou), que um jornalismo transparente deveria exigir.
  5. Em resumo: ‘chegano’ não é uma palavra aceitável para designar os apoiantes e /ou dirigentes do Chega. A propósito, o CD lembra a recomendação que emitiu em julho de 2021 sobre o recurso a figuras de estilo em substituição dos nomes das pessoas e de instituições, sobretudo quando em nada adiantam ou contribuem para melhorar a informação prestada ao público ou credibilizar a função social dos jornalistas.

Lisboa, 29 de março de 2022

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